sábado, 20 de setembro de 2025

A fé oculta de Dubai: como prospera a comunidade católica nos Emirados Árabes

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Solène Tadié

 

‘A cidade mais emblemática do Golfo Pérsico, famosa por seus arranha-céus, opulência ostentosa e mesquitas, também abriga uma das paróquias católicas mais movimentadas do mundo : a Igreja de Santa Maria em Oud Metha. Todos os fins de semana, dezenas de milhares de fiéis se reúnem lá para a missa, com liturgias que se estendem pelos pátios e salas. Dentro do complexo, encontra-se uma réplica da Gruta de Lourdes, um local de oração afastado da rua, simbólico de uma fé vivida com fervor, mas com discrição, na cidade.

Dubai faz parte dos Emirados Árabes Unidos (EAU), uma federação de sete emirados governados por monarquias hereditárias. Outrora um modesto porto no Golfo, em poucas décadas tornou-se um centro global de comércio e turismo. Essa transformação rápida moldou tanto as oportunidades quanto as limitações das comunidades cristãs, que permanecem em grande parte confinadas a complexos designados a elas. Segundo as últimas estimativas disponíveis, aproximadamente 850 mil católicos viviam nos EAU em 2020 — cerca de 9% da população total — embora fontes locais sugiram que o número tenha aumentado rapidamente desde então, especialmente em Dubai.

Consagrada em 1989, a paróquia de Santa Maria é uma das duas principais paróquias da cidade, juntamente com a de São Francisco de Assis, em Jebel Ali, inaugurada em 2001. Juntas, elas atendem a uma população onde estrangeiros constituem a grande maioria dos residentes. As duas igrejas ilustram como a vida católica em Dubai combina multidões extraordinárias, liberdades cuidadosamente administradas e devoção profundamente pessoal em uma das cidades mais cosmopolitas — e rigorosamente regulamentadas — do Oriente Médio.

Uma paróquia abarrotada

A magnitude da prática católica em Dubai é impulsionada principalmente pela demografia. Nos Emirados Árabes Unidos, migrantes e seus filhos representam quase 90% da população.

A paróquia de Santa Maria, portanto, se parece menos a uma paróquia de vila e mais com um centro de trânsito : múltiplas filas, gerenciamento constante de multidões e uma programação intensa pensada para atender as pessoas de acordo com seu idioma, situação familiar e horários de trabalho. As equipes da paróquia coordenam regularmente com a polícia e as autoridades municipais todos os fins de semana para organizar o trânsito e a segurança, uma expressão prática da combinação de tolerância e ordem da cidade.

‘Mais de 200 mil hóstias são distribuídas nos fins de semana, e as missas são celebradas em todas as línguas, do concani ao tagalo, malaiala, urdu, inglês, árabe, francês e coreano’, disse o padre Tanios Geagea, um padre libanês que lidera as comunidades de língua árabe e francesa em Santa Maria desde 2010. As missas ocorrem a cada hora ou meia hora durante todo o fim de semana, com multidões adicionais frequentemente lotando as salas próximas. Os padres batizam centenas de crianças todos os meses e celebram grandes casamentos comunitários. A igreja pode não estar entre os edifícios mais altos ou imponentes de Dubai, mas segundo a maioria dos relatos, é uma das maiores paróquias católicas do mundo.

A população católica em Dubai é notavelmente diversa, refletindo o mosaico da cidade como um todo. Indianos e filipinos formam os maiores grupos, acompanhados por importantes comunidades árabes, africanas e europeias. Essa diversidade cultural é tanto um desafio pastoral quanto um sinal vivo da catolicidade da Igreja no sentido mais literal.

Fé sob limites

O clima de tolerância em Dubai é real, mas comedido. Os católicos podem praticar em suas dependências, administrar escolas e aulas de catecismo, organizar retiros, peregrinações ou feiras paroquiais. Mas a visibilidade pública é estritamente limitada.

Permissões, vigilância e supervisão marcam a vida pastoral diária. Não pode haver cruzes no topo das igrejas, nem se podem tocar sinos. Às vezes, isso é perceptível até mesmo durante o culto : para quem ouve a missa do pátio, devido à falta de espaço dentro da igreja, a leitura do Evangelho pode ser completamente abafada pelo adhān, a convocação à oração dos muçulmanos, da imponente mesquita que fica em frente.

‘Conhecemos as regras do jogo; temos que aceitá-las : é um país muçulmano que já nos concedeu duas igrejas’, disse Armelle Demont-Lebert, membro do conselho paroquial francófono. Ela reconhece que os espaços existentes estão longe de ser suficientes para a crescente população católica. ‘Os vistos para padres são difíceis de obter. Em nossa comunidade, tentamos trazê-los regularmente, mesmo que seja por curtos períodos. Nem sempre é fácil’. Segundo o seu depoimento, há cerca de 15 padres permanentes em Santa Maria e cerca de dez em São Francisco, um número modesto considerando a vasta população que atendem.

 Lembrando que a presença da Igreja nos Emirados é relativamente recente — cerca de seis décadas em Dubai e Abu Dhabi, e menos em outros emirados —, o padre Geagea explicou que ‘a principal prioridade da diocese sempre foi acolher as pessoas para que todos tenham pelo menos espaço suficiente para rezar e crescer na fé. Não tentamos construir igrejas no estilo ocidental, nem pedimos que os monumentos arquitetônicos pareçam igrejas. Esse não tem sido nosso objetivo principal’.

O relatório World Watch List de 2025 da Open Doors confirma esse equilíbrio delicado : cristãos expatriados podem praticar em ambientes fechados, mas são proibidos de evangelizar ou rezar em público. Os convertidos locais do islamismo enfrentam a pressão mais forte, muitas vezes vinda de suas próprias famílias e comunidades : podem perder heranças, empregos e até mesmo o direito à guarda dos filhos. Muitos, portanto, mantêm sua fé oculta ou emigram.

Apesar de tudo, os católicos em Dubai desfrutam de um nível de segurança raro na região. ‘Aqui, ninguém se sente ameaçado em sua vida, em seus relacionamentos ou em suas crenças. Todos são livres para ser quem são, desde que não haja proselitismo’, disse o padre Geagea.

A visita do papa Francisco a Abu Dhabi, um dos emirados, em 2019 — quando assinou o documento sobre a Fraternidade Humana com o grão-imã de Al-Azhar — marcou um ponto de virada para a visibilidade católica e as relações inter-religiosas no Golfo. Seguiu-se a inauguração da Casa da Família Abraâmica em 2023 e outras iniciativas inter-religiosas.

A infraestrutura, no entanto, está crescendo mais lentamente. O padre Geagea confirmou que há discussões com as autoridades para a construção de novas igrejas.

‘Nossa comunidade francófona, por exemplo, era pequena no início, mas cresceu rapidamente, especialmente a partir de 2019’, disse Demont-Lebert, morador de Dubai há mais de cinco anos. Ele estimou um aumento de 25% no número de paroquianos francófonos, com cerca de 2 mil fiéis regulares e mais de 550 crianças nas aulas de catecismo. ‘As famílias aqui tendem a ter de três a cinco filhos, e estar longe de casa parece aprofundar a fé’.

Conciliar uma cultura acelerada e consumista com tempo para a família e a vida paroquial é, no entanto, um desafio constante ao qual o clero local precisa se adaptar. As grandes distâncias dentro da cidade também dificultam a participação. E para muitos migrantes que fugiram de zonas de conflito ou de situações de pobreza, as feridas espirituais frequentemente vêm à tona em Dubai. Alguns fiéis descrevem suas chegadas profundamente desorientados pela perda. A resposta da paróquia tem sido aumentar o número de pequenos grupos de diferentes faixas etárias — alguns com 150 a 200 participantes — para que todos possam encontrar uma comunidade que os faça sentir-se em casa.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.acidigital.com/noticia/64563/a-fe-oculta-de-dubai-como-prospera-a-comunidade-catolica-nos-emirados-arabes

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