Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘Três capítulos oferecem os fundamentos para as
afirmações contidas no quarto, dedicado a ‘algumas graves violações da
dignidade humana’ : é a declaração ‘Dignitas infinita’ do Dicastério para a Doutrina da
Fé, um documento que faz memória dos 75 anos da Declaração universal dos
direitos do homem e reafirma «a imprescindibilidade do conceito de dignidade da
pessoa humana ao interno da antropologia cristã» (Introdução). A principal
novidade do documento, fruto de um trabalho que durou cinco anos, é a inclusão
de alguns temas principais do recente magistério pontifício que acompanham
aqueles bioéticos. No elenco ‘não exaustivo’ que é oferecido, entre as
violações da dignidade humana, ao lado do aborto, da eutanásia e da maternidade
sub-rogada, aparecem a guerra, o drama da pobreza e dos migrantes, o tráfico de
seres humanos. O novo texto contribui assim para superar a dicotomia existente
entre quem se concentra de modo exclusivo na defesa da vida do nascituro ou do
moribundo, esquecendo muitos outros atentados contra a dignidade humana e,
vice-versa, quem se concentra somente na defesa dos pobres e dos migrantes,
esquecendo que a vida deve ser defendida desde a concepção até a sua natural
conclusão.
Princípios
fundamentais
Nas primeiras três
partes da declaração, são evocados os princípios fundamentais. «A Igreja, à luz
da Revelação, reafirma de modo absoluto» a «dignidade ontológica da pessoa
humana, criada à imagem e semelhança de Deus e redimida em Cristo Jesus» (1).
Uma «dignidade inalienável» que corresponde «à natureza humana, para além de
qualquer mudança cultural (6) e é «um dom recebido» e, portanto, está presente
«por exemplo, em uma criança ainda não nascida, em uma pessoa em estado de
inconsciência, em um idoso em agonia» (9). «A Igreja proclama a igual dignidade
de todos os seres humanos, independentemente da sua condição de vida ou das
suas qualidades» (17) e o faz com base na revelação bíblica : mulheres e homens
são criados à imagem de Deus; Cristo, encarnando-se «confirmou a dignidade do
corpo e da alma» (19), e ressuscitando nos revelou que «o aspecto mais sublime
da dignidade do homem consiste na sua vocação à comunhão com Deus» (20).
Dignidade de cada
pessoa
O documento evidencia
o equívoco representado pela posição daqueles que à expressão ‘dignidade humana’
preferem ‘dignidade pessoal’, «porque entendem como pessoa somente ‘um ser
capaz de raciocinar’». Consequentemente, afirmam que «não teria dignidade
pessoal a criança ainda não-nascida, nem o idoso não autossuficiente, nem o
portador de deficiência mental. A Igreja, ao contrário, insiste no fato que a
dignidade de cada pessoa humana, porque é intrínseca, permanece para além de
toda circunstância» (24). Além disso, se afirma «o conceito de dignidade humana
foi às vezes usado de modo abusivo também para justificar uma multiplicação
arbitrária de novos direitos... como se fosse devido garantir a expressão e a
realização de toda preferência individual ou desejo subjetivo» (25).
O elenco das
violações
A declaração
apresenta então o elenco de ‘algumas graves violações da dignidade humana’, ou
seja «tudo aquilo que é contrário à vida mesma, como toda espécie de homicídio,
o genocídio, o aborto, a eutanásia e o suicídio voluntário»; mas também tudo
aquilo que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, as
torturas infligidas ao corpo e à mente, as constrições psicológicas». Enfim,
«tudo aquilo que ofende a dignidade humana, como as condições de vida
sub-humana, os encarceramentos arbitrários, as deportações, a escravidão, a
prostituição, o comércio de mulheres e de jovens, ou ainda as ignominiosas
condições de trabalho com as quais os trabalhadores são tratados como simples
instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis». Cita-se também
a pena de morte, que «viola a dignidade inalienável de toda pessoa humana para
além de toda circunstância» (34).
Pobreza, guerra e
tráfico de pessoas
Antes de tudo, se
fala do «drama da pobreza», «uma das maiores injustiças do mundo contemporâneo»
(36). Depois está a guerra, «tragédia que nega a dignidade humana» e «é sempre
uma ‘derrota da humanidade’» (38), a ponto de hoje ser «muito difícil sustentar
os critérios racionais maturados em outros séculos para falar de uma possível ‘guerra
justa’» (39). Prossegue-se com o ‘sofrimento dos migrantes’, cuja «vida é
colocada em risco porque não têm mais os meios para formar uma família, para
trabalhar ou para nutrir-se» (40). O documento se detém depois no ‘tráfico de
pessoas’, que está assumindo «dimensões trágicas» e é definida como «uma
atividade indigna, uma vergonha para as nossas sociedades que se dizem
civilizadas», convidando «exploradores e clientes» a fazer um sério exame de
consciência (41). Do mesmo modo, se convida a lutar contra fenômenos como
«comércio de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de crianças, trabalho
escravizado, incluída a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo
e crime internacional organizado» (42). Cita-se ainda ‘o abuso sexual’, que
deixa «profundas cicatrizes no coração daquele que o sofre» : trata-se de
«sofrimentos que podem durar toda a vida e a que nenhum arrependimento pode
remediar» (43). O texto continua com a discriminação das mulheres e a violência
contra elas, citando entre essas últimas «a constrição ao aborto, que fere seja
a mãe que o filho, tão frequente para satisfazer o egoísmo dos homens» e «a
prática da poligamia» (45). Condena-se o ‘feminicídio’ (46).
Aborto e Maternidade
sub-rogada
Firme, depois, é a
condenação ao aborto : «entre todos os delitos que o homem pode cometer contra
a vida, o aborto procurado apresenta características que o tornam
particularmente grave e deplorável» e se recorda que a «defesa da vida nascente
está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano» (47). Forte também
é a contrariedade à maternidade sub-rogada, «através da qual a criança,
imensamente digna, torna-se mero objeto», uma prática «que lesa gravemente a
dignidade da mulher e do filho... que se funda sobre a exploração de uma
situação de necessidade material da mãe. Uma criança é sempre um dom e nunca
objeto de um contrato». (48) Na lista são citados ainda a eutanásia e o
suicídio assistido, confusamente definidos por algumas leis como «morte digna»,
recordando que o «o sofrimento não faz perder ao doente aquela dignidade que
lhe é própria de modo intrínseco e inalienável» (51). Fala-se, portanto, da
importância dos cuidados paliativos e para evitar «toda obsessão terapêutica ou
intervenções desproporcionais», reiterando que «a vida é um direito, não a
morte, a qual precisa ser acolhida, não aplicada» (52). Entre as graves
violações da dignidade humana, encontra lugar também o ‘descarte’ das pessoas
com deficiência (53).
Teoria de gênero
Depois de reiterar
que em relação às pessoas homossexuais deve ser evitada «‘toda marca de injusta
discriminação’ e particularmente toda forma de agressão e violência»,
denunciando «como contrário à dignidade humana» o fato de que em alguns lugares
pessoas «são encarceradas, torturadas e até mesmo privadas da vida unicamente
pela sua orientação sexual.» (55), o documento critica a teoria de gênero,
«que é perigosíssima porque cancela as diferenças na pretensão de tornar todos
iguais» (56). A Igreja recorda que «a vida humana, em todos os seus
componentes, físicos e espirituais, é um dom de Deus, que se deve acolher com
gratidão e colocar a serviço do bem. Querer dispor de si, como prescreve a
teoria de gênero... não significa outra coisa senão ceder à antiquíssima tentação
do homem que se faz Deus» (57). A teoria do gênero quer «negar a maior das
diferenças possíveis entre os seres viventes : a diferença sexual» (58).
Portanto, «devem-se rejeitar todas aquelas tentativas de obscurecer a
referência à insuprimível diferença sexual entre homem e mulher» (59). Negativo
também o juízo sobre a mudança de sexo, que «arrisca a ameaçar a dignidade
única que a pessoa recebeu desde o momento da concepção. Isto não significa
excluir a possibilidade que uma pessoa portadora de anomalias dos genitais, já
evidentes desde o nascimento ou que se manifestem sucessivamente, possa
decidir-se por receber assistência médica com o fim de resolver tais anomalias»
(60).
Violência digital
O elenco se completa
com a ‘violência digital’, e cita as «novas formas de violência se difundem
através das redes sociais, por exemplo o cyberbullying» e a «difusão da
pornografia e de exploração das pessoas para fins sexuais ou através dos jogos
de azar» na rede (61). A declaração se encerra exortando «a colocar o respeito
pela dignidade da pessoa humana, para além de toda circunstância, ao centro dos
esforços pelo bem comum e de todo ordenamento jurídico» (64).’
Fonte : *Artigo na íntegra
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