Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘A
liturgia deve ter sempre como objetivo a santificação do povo de Deus, mas para
isso é necessário também que exista uma comunidade madura, capaz de realizar
ações, que tenha recuperado a dimensão da plena participação na liturgia como
um complexo de sinais visíveis e eficazes, e que encarne, portanto, aquela
definição da assembleia como a ‘mais alta manifestação da Igreja’. Esse é o
cerne do discurso proferido em 15 de novembro, pelo Arcebispo Metropolitano de
Catanzaro-Squillace, Dom Claudio Maniago, na conferência sobre a ‘dimensão
comunitária da santidade’, na qual contextualizou o tema em uma perspectiva
histórica.
Do período patrístico à Idade Média
‘No
período patrístico, a liturgia e a assembleia coincidem e é impossível pensar
em uma sem a outra’, começou o prelado em seu discurso, especificando que essa
visão de estreita união entre os dois elementos sobrevive até o início da Idade
Média. Nessa fase, é a ação de Deus que tem a primazia : a comunidade é
envolvida pelo toque de Cristo. Na pregação litúrgica, ocorre a formação cristã
porque, na fórmula, o Mistério transcendente de Deus deixa claro que ele se
torna ‘evidente e presente’ em Cristo, ou seja, na Encarnação. Na celebração,
ao recordar o Filho, ‘transparência de sua santidade’, somos assim moldados por
Ele. Na Idade Média, as orações eram recitadas em voz alta e, com um solene ‘Amém’
final, a comunidade afirmava que havia feito ‘sua própria oração’, a que
acabara de ser pronunciada pelo celebrante. A transição, portanto, para uma
oração recitada em um sussurro deve ter sido muito problemática : ‘O vínculo
entre o presbítero e o povo foi rompido’, diz Dom Maniago, ‘e houve uma mudança
para uma eclesiologia da autoridade em que os verdadeiros celebrantes se
tornaram apenas aqueles que detinham alguma capacidade. Isso começou a
acontecer a partir do século IX e especialmente a partir do século XII :
línguas desconhecidas eram usadas para rezar e a realização do sacrifício era ‘confiada
exclusivamente ao presbítero, a assembleia não estava mais envolvida’. Isso
também teve consequências para a arquitetura e a distribuição espacial : a
partir de agora, os fiéis eram colocados em frente e não mais ao redor do
altar.
O valor individual do sacramento para alcançar a
salvação
As
coisas mudam novamente na era do Concílio de Trento : ‘A distinção entre
liturgia e religiosidade-devoção popular é radicalizada’, observa Maniago, os
altares dedicados aos santos são desenvolvidos como a vingança do povo ‘contra
um rito excessivamente frio e canonizado’; os sacramentos começam a ser usados
subjetivamente como ‘um instrumento de salvação para o indivíduo devido a um
profundo conhecimento do pecado’. Já no Rituale romanum de 1614, por exemplo, o
foco está naquele que administra o sacramento, nas palavras que ele deve
pronunciar de forma precisa e distinta, enquanto a comunidade é reduzida ao
papel de espectadora. A santidade, em uma época influenciada pela modernidade
em que a espiritualidade está em declínio, torna-se sinônimo de perfeição
pessoal delegada à interioridade do indivíduo, e a pregação tem o único papel
de fornecer exemplos úteis para esse fim. Os santos estão lá em cima, no alto,
difíceis de alcançar, se não forem para poucos, enfatiza o Arcebispo de
Catanzaro-Squillace.
A reforma do Concílio Vaticano II
Já
no título ‘Vocação universal à santidade na Igreja’ do Capítulo V da Lumen
Gentium, Constituição do Concílio Vaticano II, fica claro que a perspectiva
mudou. O Concílio afirma, de fato, que ‘todos os fiéis de qualquer estado e
condição são chamados pelo Senhor’ a uma santidade cuja perfeição ‘é a do Pai
celeste’. Da mesma forma, todos os fiéis são chamados à plenitude da vida
cristã e, entre os instrumentos úteis para alcançar a santidade, a caridade é
sempre colocada em primeiro lugar. ‘Neste quadro teológico, a assembleia
assume, portanto, um papel importante na compreensão da dimensão comunitária da
obra de santificação que o Senhor continua a realizar em seu povo’, o povo
santo de Deus, segundo o prelado. A ênfase, portanto, está na participação, mas
de um novo tipo : uma ação litúrgica cujo ponto de apoio continua sendo a
Eucaristia, e que determina uma ‘responsabilidade coletiva’.
Todos
celebram e apenas um preside, portanto, ‘os rituais e as orações são a
linguagem de todo o povo de Deus’ e, em certo sentido, voltamos a uma
compreensão e execução da liturgia pela assembleia que é própria da Igreja
primitiva, porque a arte de celebrar ‘é uma atitude que todos os batizados são
chamados a viver’. Na liturgia, experimenta-se a obra de Deus, há um contato a
ser vivenciado com o Senhor que envia o dom da santidade. Celebrar a liturgia
com esse espírito coloca a pessoa no centro da Exortação Apostólica Gaudete et
exsultate do Papa Francisco, segundo a qual ‘a santidade é um chamado universal
e comum, a ser vivido na comunidade do povo de Deus, como uma tendência
contínua para acolher e ser transformado pelo amor misericordioso de Cristo’.
Uma teologia da santidade nos dias atuais
Abordando
o tema da santidade nos dias de hoje, de um ponto de vista teológico, está a
intervenção do Padre Jordi-A. Piqué Collado, decano do Instituto Litúrgico do
Pontifício Ateneu Sant'Anselmo, que indica como os modelos de santidade ‘são
chamados pela liturgia como uma ponte entre o presente e o eterno’,
manifestando na prática a transcendência imanente de Deus. É essencial
distinguir, antes de tudo, entre santidade e sacralidade : somente Deus é
santo, e sempre está à espreita o risco de confundir essa dimensão com a do
sagrado que pertence às pessoas consagradas ou mesmo aos objetos, enquanto ‘somente
a presença de Deus comporta a santidade’, caso contrário se cai na idolatria.
As bem-aventuranças do Evangelho e a santidade
A
santidade de Deus é manifestada em todo o Novo Testamento por meio da presença
santificadora de Cristo : ‘Portanto, os discípulos são chamados a fazer o que
Ele fez, como pregar o Evangelho, realizar atos de cura, vocação, salvação e
perdão. Os santos são, portanto, aqueles que se comportam como Ele, ou seja,
que são chamados a cumprir as bem-aventuranças. De acordo com a interpretação
de São Leão Magno, diz o Padre Piqué Collado, os santos são aqueles que serão
reconhecidos como ‘agentes de consolação diante dos males do mundo’, mas os
modelos de santidade também serão ‘os pobres e humildes’, aqueles que amam e
desejam a justiça, porque ‘amar e desejar a justiça não é outra coisa senão
amar a Deus’. Até mesmo ‘os pacificadores, os inimigos da guerra’ serão
chamados de santos e, portanto, filhos de Deus, e sua santidade será
reconhecida por todos. Mas para todos esses santos que habitam entre nós, ‘a
meta é o céu’ e a liturgia é constantemente ‘o elo entre a terra e o céu’.
Na
teologia litúrgica, finalmente, aparece ‘um conceito muito dinâmico de
santidade’, mas um conceito que corresponde somente a Deus : ‘É Ele que revela
Sua própria essência por meio da manifestação de Sua santidade particular’ e
Jesus Cristo é ‘a manifestação definitiva da santidade de Deus’, Ele mesmo é
Deus. Aqueles que podem ser chamados a reproduzir a santidade de Deus -
demonstrada plenamente por Jesus - são chamados a cumprir as bem-aventuranças’.
‘Isso’, conclui o Padre Collado, ‘é a norma da santidade de acordo com o
Evangelho’.’
Fonte : *Artigo na íntegra
Nenhum comentário:
Postar um comentário