quinta-feira, 16 de novembro de 2023

A liturgia como lugar onde se pode alcançar a santidade

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Roberta Barbi


‘A liturgia deve ter sempre como objetivo a santificação do povo de Deus, mas para isso é necessário também que exista uma comunidade madura, capaz de realizar ações, que tenha recuperado a dimensão da plena participação na liturgia como um complexo de sinais visíveis e eficazes, e que encarne, portanto, aquela definição da assembleia como a ‘mais alta manifestação da Igreja’. Esse é o cerne do discurso proferido em 15 de novembro, pelo Arcebispo Metropolitano de Catanzaro-Squillace, Dom Claudio Maniago, na conferência sobre a ‘dimensão comunitária da santidade’, na qual contextualizou o tema em uma perspectiva histórica.

Do período patrístico à Idade Média

‘No período patrístico, a liturgia e a assembleia coincidem e é impossível pensar em uma sem a outra’, começou o prelado em seu discurso, especificando que essa visão de estreita união entre os dois elementos sobrevive até o início da Idade Média. Nessa fase, é a ação de Deus que tem a primazia : a comunidade é envolvida pelo toque de Cristo. Na pregação litúrgica, ocorre a formação cristã porque, na fórmula, o Mistério transcendente de Deus deixa claro que ele se torna ‘evidente e presente’ em Cristo, ou seja, na Encarnação. Na celebração, ao recordar o Filho, ‘transparência de sua santidade’, somos assim moldados por Ele. Na Idade Média, as orações eram recitadas em voz alta e, com um solene ‘Amém’ final, a comunidade afirmava que havia feito ‘sua própria oração’, a que acabara de ser pronunciada pelo celebrante. A transição, portanto, para uma oração recitada em um sussurro deve ter sido muito problemática : ‘O vínculo entre o presbítero e o povo foi rompido’, diz Dom Maniago, ‘e houve uma mudança para uma eclesiologia da autoridade em que os verdadeiros celebrantes se tornaram apenas aqueles que detinham alguma capacidade. Isso começou a acontecer a partir do século IX e especialmente a partir do século XII : línguas desconhecidas eram usadas para rezar e a realização do sacrifício era ‘confiada exclusivamente ao presbítero, a assembleia não estava mais envolvida’. Isso também teve consequências para a arquitetura e a distribuição espacial : a partir de agora, os fiéis eram colocados em frente e não mais ao redor do altar.

O valor individual do sacramento para alcançar a salvação

As coisas mudam novamente na era do Concílio de Trento : ‘A distinção entre liturgia e religiosidade-devoção popular é radicalizada’, observa Maniago, os altares dedicados aos santos são desenvolvidos como a vingança do povo ‘contra um rito excessivamente frio e canonizado’; os sacramentos começam a ser usados subjetivamente como ‘um instrumento de salvação para o indivíduo devido a um profundo conhecimento do pecado’. Já no Rituale romanum de 1614, por exemplo, o foco está naquele que administra o sacramento, nas palavras que ele deve pronunciar de forma precisa e distinta, enquanto a comunidade é reduzida ao papel de espectadora. A santidade, em uma época influenciada pela modernidade em que a espiritualidade está em declínio, torna-se sinônimo de perfeição pessoal delegada à interioridade do indivíduo, e a pregação tem o único papel de fornecer exemplos úteis para esse fim. Os santos estão lá em cima, no alto, difíceis de alcançar, se não forem para poucos, enfatiza o Arcebispo de Catanzaro-Squillace.

A reforma do Concílio Vaticano II

Já no título ‘Vocação universal à santidade na Igreja’ do Capítulo V da Lumen Gentium, Constituição do Concílio Vaticano II, fica claro que a perspectiva mudou. O Concílio afirma, de fato, que ‘todos os fiéis de qualquer estado e condição são chamados pelo Senhor’ a uma santidade cuja perfeição ‘é a do Pai celeste’. Da mesma forma, todos os fiéis são chamados à plenitude da vida cristã e, entre os instrumentos úteis para alcançar a santidade, a caridade é sempre colocada em primeiro lugar. ‘Neste quadro teológico, a assembleia assume, portanto, um papel importante na compreensão da dimensão comunitária da obra de santificação que o Senhor continua a realizar em seu povo’, o povo santo de Deus, segundo o prelado. A ênfase, portanto, está na participação, mas de um novo tipo : uma ação litúrgica cujo ponto de apoio continua sendo a Eucaristia, e que determina uma ‘responsabilidade coletiva’.

Todos celebram e apenas um preside, portanto, ‘os rituais e as orações são a linguagem de todo o povo de Deus’ e, em certo sentido, voltamos a uma compreensão e execução da liturgia pela assembleia que é própria da Igreja primitiva, porque a arte de celebrar ‘é uma atitude que todos os batizados são chamados a viver’. Na liturgia, experimenta-se a obra de Deus, há um contato a ser vivenciado com o Senhor que envia o dom da santidade. Celebrar a liturgia com esse espírito coloca a pessoa no centro da Exortação Apostólica Gaudete et exsultate do Papa Francisco, segundo a qual ‘a santidade é um chamado universal e comum, a ser vivido na comunidade do povo de Deus, como uma tendência contínua para acolher e ser transformado pelo amor misericordioso de Cristo’.

Uma teologia da santidade nos dias atuais

Abordando o tema da santidade nos dias de hoje, de um ponto de vista teológico, está a intervenção do Padre Jordi-A. Piqué Collado, decano do Instituto Litúrgico do Pontifício Ateneu Sant'Anselmo, que indica como os modelos de santidade ‘são chamados pela liturgia como uma ponte entre o presente e o eterno’, manifestando na prática a transcendência imanente de Deus. É essencial distinguir, antes de tudo, entre santidade e sacralidade : somente Deus é santo, e sempre está à espreita o risco de confundir essa dimensão com a do sagrado que pertence às pessoas consagradas ou mesmo aos objetos, enquanto ‘somente a presença de Deus comporta a santidade’, caso contrário se cai na idolatria.

As bem-aventuranças do Evangelho e a santidade

A santidade de Deus é manifestada em todo o Novo Testamento por meio da presença santificadora de Cristo : ‘Portanto, os discípulos são chamados a fazer o que Ele fez, como pregar o Evangelho, realizar atos de cura, vocação, salvação e perdão. Os santos são, portanto, aqueles que se comportam como Ele, ou seja, que são chamados a cumprir as bem-aventuranças. De acordo com a interpretação de São Leão Magno, diz o Padre Piqué Collado, os santos são aqueles que serão reconhecidos como ‘agentes de consolação diante dos males do mundo’, mas os modelos de santidade também serão ‘os pobres e humildes’, aqueles que amam e desejam a justiça, porque ‘amar e desejar a justiça não é outra coisa senão amar a Deus’. Até mesmo ‘os pacificadores, os inimigos da guerra’ serão chamados de santos e, portanto, filhos de Deus, e sua santidade será reconhecida por todos. Mas para todos esses santos que habitam entre nós, ‘a meta é o céu’ e a liturgia é constantemente ‘o elo entre a terra e o céu’.

Na teologia litúrgica, finalmente, aparece ‘um conceito muito dinâmico de santidade’, mas um conceito que corresponde somente a Deus : ‘É Ele que revela Sua própria essência por meio da manifestação de Sua santidade particular’ e Jesus Cristo é ‘a manifestação definitiva da santidade de Deus’, Ele mesmo é Deus. Aqueles que podem ser chamados a reproduzir a santidade de Deus - demonstrada plenamente por Jesus - são chamados a cumprir as bem-aventuranças’. ‘Isso’, conclui o Padre Collado, ‘é a norma da santidade de acordo com o Evangelho’.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2023-11/a-liturgia-como-lugar-onde-se-pode-alcancar-a-santidade.html


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