Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Padre
Alexandre Awi Mello é um sacerdote brasileiro, membro do Instituto secular dos
padres de Schönstatt, que recebeu uma missão muito especial em 2019 : foi
chamado a Roma, pelo Papa Francisco, para assumir a função de secretário do
Dicastério para os leigos, vida e família. Esse departamento da Cúria Romana
que, entre várias competências, está à frente da Jornada Mundial da Juventude e
da Jornada Mundial das Famílias, tem sido bastante impulsionado pelo
pontificado atual e é ponta de lança da grande proposta sinodal que Francisco
lança para o catolicismo.
O
padre, de 51 anos, natural do Rio de Janeiro, trabalhou com o então cardeal
Jorge Bergoglio em 2007, durante a Conferência do CELAM, que foi sediada em
Aparecida. Na ocasião, o arcebispo de Buenos Aires era responsável pela
comissão de redação do documento final; Alexandre, o secretário da equipe. Em
2013, o sacerdote também auxiliou o Papa Francisco em sua visita ao Brasil,
durante a Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. Anos depois, na conclusão
de sua tese de doutorado, uma entrevista sobre a devoção mariana do Papa não só
o auxiliou em seu trabalho de investigação acadêmica, mas acabou se
transformando num ‘livro-tratado’ sobre a relação do Papa com a Virgem
Maria e sobre como ele encarna, no seu governo, a máxima expressão da
religiosidade popular latino-americana.
Em
entrevista ao Dom Total, o padre explicou como Francisco, enquanto papa
reformador, conta com o leigo em meio a essa grande revolução eclesiológica que
ele promove, em correspondência ao Concílio Vaticano II.
Dom
Total : Para o catolicismo, qual o papel efetivo do leigo?
Padre
Alexandre Awi de Mello : Todos na Igreja somos, em primeiro lugar, leigos
pelo batismo. É importante enfatizar que o leigo tem a missão de ser cristão.
De estar no mundo, na sociedade, com os valores cristãos. Há muito debate em
torno do papel do leigo. Mas não há nenhuma dúvida que ele tenha um papel na
santificação da realidade secular. Existe um vínculo entre o leigo e o mundo,
pois aí estão as famílias, aí se faz o trabalho de transformação da sociedade.
[...] Todos, pelo batismo, somos chamados a ser sacerdotes, profetas e reis.
Isso significa que temos a missão de santificar o mundo com a palavra, de
transmitir a palavra de Deus; de ser profetas e ensinar. Não é só o sacerdote
que ensina, mas o leigo também ensina. Os catequistas são um exemplo disso. E
há também a missão de governar. Inclusive agora, com a Praedicate Evangelium, o
Papa deixa bem claro que os leigos podem ajudar no governo das várias instâncias
eclesiais. Então, tem a missão de governar. Mas governar, para o cristianismo,
é serviço.
Dom
Total : Na prática, qual o lugar do leigo na nova constituição de reforma da
Cúria Romana?
Padre
Alexandre Awi de Mello : O papa, a partir do seu poder de jurisdição, pode
delegar ao leigo, sem que ele seja investido do ministério da ordem,
necessariamente. E essa era uma discussão muito presente do ponto de vista
teológico, prático, sobre quais seriam as funções [que o leigo] poderia
exercer. Na realidade da Cúria Romana, uma vez que ela está a serviço do Papa,
ele pode delegar a qualquer pessoa, seja ela sacerdote, leigo, bispo ou
cardeal. Isso, de fato, já vinha acontecendo. Há tantas funções que estão sendo
exercidas dentro da Cúria. O próprio prefeito do dicastério da comunicação é um
leigo. A Praedicate Evangelium traz, portanto, uma novidade : corresponde a uma
linha de pensamento que não tinha sido colocada em prática antes. Pelo menos no
que se refere à Cúria, está decidido isso. Isso também pode ser aplicado em
diferentes âmbitos da Igreja, promover essa aplicação, por exemplo, numa
diocese. O bispo diocesano pode, tranquilamente, segundo seu poder de
jurisdição, delegar leigos para determinadas funções. Claro que a Praedicate
Evangelium não trata desses pormenores, mas essa pode ser a consequência desse
tipo de mudança que está ocorrendo na Cúria Romana. Então, de alguma forma, a
reforma da Cúria Romana pode incidir de alguma forma na Igreja em geral.
Dom
Total : E o sínodo da sinodalidade dá uma grande importância para esse tema
também, não é?
Padre
Alexandre Awi de Mello : Sem dúvida, esse sínodo acontece num momento justo
e foca bastante nesse tema. Porque a Igreja, nesse sínodo, não só está em busca
dos fundamentos teológicos, jurídicos e pastorais da participação ativa dos
leigos na vida da igreja, mas está buscando formas concretas - e talvez este
será um dos frutos do sínodo - dessa participação dos leigos. Então acho que,
sem dúvida, ter presente esse tipo de reflexão que o Papa tomou na Praedicate
Evangelium pode ajudar também a encontrar os espaços para as lideranças dos
leigos em outras áreas da vida da Igreja.
Dom
Total : E essa reforma da Cúria é, na verdade, um reflexo dessa ‘macro-reforma’
que Francisco vem fazendo. Vemos esse impulso desde a Evangelii Gaudium…
Padre Alexandre Awi de Mello : Sem dúvida. A reforma da
Cúria que o Papa leva adiante é reflexo de uma ecclesia semper reformanda, ou
seja, uma igreja que está sempre buscando se adaptar aos tempos sem perder a
sua essência, a sua doutrina fundamental, mas ao mesmo tempo está sempre
disposta, para ser fiel à sua missão, a responder às necessidades do tempo.
Isso não significa se adaptar ou transformar o que é essencial, relacionado a
seu funcionamento - e a cúria é algo que diz desse funcionamento. A própria
discussão sobre a presença dos leigos é algo que também já passou por muitas
etapas diferentes e hoje, sem dúvida, esse tema é acentuado e há esse esforço
de buscar caminhos para que isso aconteça de forma adequada e possa
corresponder às necessidades da Igreja e do mundo hoje.
Dom
Total : Os comentários que a gente vê nas redes sociais são os mais absurdos
possíveis em relação ao sínodo da sinodalidade. Alguns dizem que o papa está ‘protestantização
a Igreja’, ao inserir os leigos em espaços de decisão. É um equívoco, porque
não existe essa proposta de destruir nenhuma hierarquia. Explica melhor isso
pra gente…
Padre
Alexandre Awi de Mello : Infelizmente, acho que estamos vivendo, no Brasil,
e em algumas partes do mundo, a polarização que é própria da nossa sociedade. É
uma pena ver o Brasil polarizado, do ponto de vista político-social; e essa
polarização se projeta na vida da Igreja. Tudo o que é polarizado está marcado
por ideologias. Então, as pessoas tentam entender essas realidades a partir das
ideologias e não a partir daquilo que realmente está sendo dito, que está sendo
feito. De fato, o Papa é o primeiro a enfatizar que sínodo não é democracia,
mas que é um espaço onde o Espírito Santo age. O que justifica a sinodalidade é
o batismo e isso não significa negar a hierarquia, pelo contrário : cada um na
sua função para a construção de todo o corpo. Infelizmente, os grupos que fazem
esses comentários contrários à sinodalidade são formados por pessoas que já
estão ideologizadas, porque estão o tempo inteiro achando que essa ou aquela é
uma ‘posição mais de esquerda do que de direita’.. Hoje, no Brasil, quase não
conseguimos falar de nada sem colocar essas categorias que não são as
categorias da Igreja : progressistas e conservadores, esquerda e direita, etc.
O Papa é evangélico, segue o Evangelho. É cristão, é de Jesus Cristo. O que o
inspira, o que inspira a hierarquia em geral - CNBB, incluída -, é o Evangelho.
Não há intenção de polarizar, politizar ou de tomar partido, embora pessoas
concretas possam cometer erros na hora de lidar com essas realidades. Mas a
intenção do Papa é aplicar a doutrina da Igreja que foi se construindo ao longo
desses 2 mil anos. Não há nada que ele tenha feito que não seja orientado pela
doutrina. Não mudou em nada a doutrina da Igreja.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1580538/2022/06/reforma-de-francisco-sobre-leigos-em-cargos-de-governo/
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