Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Missionário Comboniano
‘Missão
é dar e receber. Quem é enviado em missão, leva consigo o Evangelho de Jesus, a
fé cristã, a experiência de comunidade que vamos construindo juntos. Também
recebemos muito e, quando partimos, levamos um ‘alforge’ cheio de coisas
lindas para partilhar. No encontro com o povo ao qual somos enviados,
encontramos tesouros de sabedoria que sempre nos surpreendem.
Já
há alguns meses que partilho nesta página algumas reflexões sobre a ligação
entre a fé que anunciamos como missionários e o mundo da Natureza que nos
rodeia. Um povo indígena do Brasil lembra, numa antiga lenda, o dom que é a
noite, a escuridão. Contam eles que, no princípio do mundo, não havia noite na
Terra, era sempre dia e tudo estava completamente iluminado sem interrupção.
Então o rei da Terra pediu ao rei das profundezas escuras do mar que lhe desse
a sua filha em casamento. Ele aceitou, e lá veio a princesa. Pouco tempo
depois, ela começou a definhar e a ficar feia, com tanta luz ela não tinha
descanso e a vida tornava-se triste e insuportável. Mandou então alguns servos
ao seu pai, nas profundezas escuras do mar, que lhe trouxessem um alforge cheio
de noite e escuridão. Foram, e regressaram logo, mas ao porem pé na terra de
novo, começaram a ouvir, lá dentro do alforge, melodias desconhecidas, o canto
de pássaros noturnos, sentiram estranhos perfumes a sair lá de dentro e, cheios
de medo, deixaram cair o alforge, que, ao tocar no chão, se abriu logo,
deixando sair cá para fora as sombras da noite, os pássaros e animais que só
saem no escuro, as rãs que cantam nos pântanos ao cair da noite, as flores que
soltam os seus perfumes fortes a coberto da escuridão... Todo o mundo da noite
fugiu do alforge e se espalhou pela Terra.
E
foi assim que os tesouros da escuridão não ficaram só na posse da filha do rei,
mas se espalharam pelo mundo inteiro.
A
partir desse dia – pois então começou a alternar-se um tempo de luz, o dia, e
um tempo de escuridão, a noite – também os humanos começaram a apreciar a
beleza que é o pôr do Sol que anuncia a paz do crepúsculo, ficaram extasiados
com a maravilhosa sinfonia de sons e cantos que se ouvem à noite, quando os
ruídos do dia se acabam. Quem já gostava de cheirar as flores, ficou encantado
com o perfume que algumas delas exalam só quando desce a escuridão da noite.
Muitos aprenderam a olhar para o céu e gozar o extraordinário espetáculo que é
uma noite estrelada. Outros descobriram a paz da noite em que deixam a azáfama
dos trabalhos do dia e se concentram no carinho das pessoas com quem partilham
o caminho da vida. E muitos descobriram a noite como o templo mais belo onde
encontrar a Deus e a sua paz.
Este
povo do Brasil aprendeu a apreciar a importância e o valor da noite seja para a
Natureza, seja também para a nossa vida humana. Podemos descobrir muito em
comum com a nossa tradição cristã : a noite como o convite à
interioridade, aos afetos pessoais, ao silêncio onde se recupera a serenidade e
se entra em contato com Deus. O próprio Jesus era bem conhecido por sair,
muitas vezes, para um lugar solitário para longos diálogos com Deus, no segredo
da noite.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.combonianos.pt/alem-mar/opiniao/4/753/o-alforge-da-noite/
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