Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘1ª
leitura : (At 2,1-11) O milagre das línguas – Pentecostes é
interpretado como acontecimento escatológico a partir da profecia de Jl 3
(cf. At 2,16-21). Mas, sobretudo, é o cumprimento da palavra do Cristo
(Lc 24,49; At 1,4; cf. Jo 14,16-17.26). Passa como um vendaval ao ouvido, como
fogo aos olhos; mas permanece como transformação do ‘pequeno rebanho’ em
Igreja missionária. Também hoje. A Igreja do Cristo se reconhece pelo
espaço que ela dá ao Espírito e pela capacidade de proclamar sua
mensagem. * 2,1-4 cf. Mt 3,11; Lc 3,16; Jo 20,22; At 4,31.
2ª
leitura : (1Cor 12,3b-7.12-13) Unidade do Espírito na diversidade dos dons – ‘Jesus é o
Senhor’ é a confissão que une a Igreja primeva (cf. Fl 2,9-11). E
esta confissão só se consegue manter na força do Espírito. Como a unidade
da confissão, o Espírito dá também a multiformidade dos serviços na
Igreja. Todos que pertencem a Cristo são membros diversos do mesmo Corpo.
* 12,3 cf. Rm 10,9; Fl 2,11 * 12,7 cf. At 1,8;
1Cor 12,28-30; Rm 12,6-8; Ef 4,11-13 * 12,12-13 cf. Rm 12,4-5; Ef 4,4-6.
Evangelho
: (Jo 20,19-23) Dom do Espírito pelo Cristo ressuscitado – Celebramos a
6ª-feira Santa, Páscoa e Pentecostes em três dias diferentes, mas a
realidade é uma só : a ‘Exaltação’ de Cristo na Cruz e na Glória,
fonte do Espírito que ele nos dá. No próprio dia da Páscoa, diz Jo, Jesus
vem entregar este dom aos seus, com a sua paz e a missão de tirar o
pecado do mundo, missão de Jesus mesmo (cf. 1,29.35). O mundo ressuscita
com Cristo pelo Espírito dado à Igreja. * 20,19-20 cf. Lc 24,36-43; Jo
14,27; 15,11; 16,22 * 20,21-23 cf. Jo 17,18; Mt 28,19; 16,19;
18,18.
Pentecostes
é a plenificação do Mistério pascal : a comunhão com o Ressuscitado só é
completa pelo dom do Espírito, que continua em nós a obra do Cristo e
sua presença gloriosa. A liturgia de hoje acentua a manifestação
histórica do Espírito no milagre de Pentecostes (1ª leitura) e nos
carismas da Igreja (2ª leitura), sinais da unidade e paz que o Cristo
veio trazer. Isto, porque a pregação dos apóstolos, anunciando o
Ressuscitado, supera a divisão de raças e línguas, e porque a diversidade
de dons na Igreja serve para a edificação do povo unido, o Corpo do qual
Cristo é a cabeça. Ambos estes temas podem alimentar a reflexão de hoje.
No
antigo Israel, Pentecostes era uma festa agrícola (primícias da safra, no
hemisfério setentrional). Mais tarde, foi relacionada com o evento
salvífico central da Aliança mosaica : ganhou o sentido de comemoração da
proclamação da Lei no monte Sinai. Tornou-se uma das três grandes festas
em que os judeus subiam em romaria a Jerusalém (as outras são Páscoa e
Tabernáculos). Foi nesta festa que aconteceu a ‘explosão’ do
Espírito Santo, a força que levou os apóstolos a tomarem a palavra e a
proclamarem, diante da multidão reunida de todos os cantos do judaísmo, o
anúncio (‘querigma’) de Jesus Cristo. Seria errado pensar que o
Espírito tivesse sido dado naquele momento pela primeira vez. O evangelho
(de João) nos ensina que Jesus comunicou o Espírito no próprio dia da
Páscoa. O Espírito está sempre aí. Mas foi no dia de Pentecostes que
esta realidade se manifestou ao mundo. Por isso, ele aparece em forma de
línguas, operando o milagre das línguas e reparando a ‘confusão babilônica’.
O
Espírito leva a proclamar os magnalia Dei em todas as línguas. O conteúdo desta
proclamação, já o conhecemos dos domingos anteriores : é o querigma da
ressurreição de Jesus Cristo. Novamente, o Sl 104[103] comenta este fato
(salmo responsorial).
A
2ª leitura mostra, por assim dizer, a obra ‘intra-eclesial’ do Espírito :
a multiformidade dos dons, dentro do mesmo Espírito, como as múltiplas
funções em um mesmo corpo. Paulo chama isto de ‘carismas’, dons da
graça de Deus; pois sabemos muito bem que tal unidade na diversidade não
é algo que vem de nossa ambição pessoal (que, normalmente, só produz
divisão). É o Espírito do amor de Deus que tudo une.
No
evangelho encontramos a visão joanina da ‘exaltação’ de Jesus : é
a realidade única de sua morte, ressurreição e dom do Espírito, pois sua
morte é a obra em que Deus é glorificado, e seu lado aberto é a fonte do
Espírito para os fiéis (Jo 7,37-39; 19,31-37; cf. vigília). Assim, no
próprio dia da ressurreição, Jesus aparece aos seus para lhes comunicar a
sua paz (cf. 14,27) e conceder o dom do Espírito, para tirar o pecado do
mundo, ou seja, para que eles continuem sua obra salvadora (cf. 1,29.35).
Este
Espírito do Senhor exaltado é o laço do amor divino que nos une, que
transforma o mundo em nova criação, sem mancha nem pecado, na qual todos
entendem a voz de Deus. É essa a mensagem da liturgia de hoje. O mundo é
renovado conforme a obra de Cristo, que nós, no seu Espírito, levamos
adiante. Neste sentido, é a festa da Igreja que nasceu do lado aberto do
Salvador e manifestou sua missão no dia de Pentecostes. Igreja que
nasce, não de organizações e instituições, mas da força graciosa (‘carisma’)
que Deus infunde no coração e nos lábios. A festa de hoje nos ajuda a
entender o que é renovação carismática : não uma avalanche de fenômenos
estranhos, mas o espírito do perdão e da unidade que ganha força decisiva
na Igreja. O Espírito Santo é a ‘alma’ da Igreja, o calor de nossa
fé e de nossa comunhão eclesial. A antiga sequênciaVeni Sancte Spiritus
expressa isso maravilhosamente, e seria bom pôr os fiéis, mediante canto
ou recitação, novamente em contato com esse rico texto.
A
Igreja, por sua unidade no Espírito, no vínculo da paz (Ef 4,3), torna-se
sacramento (sinal operante), do perdão, da unidade, da paz no mundo, na
medida em que ela o coloca em contato com o senhorio do Cristo pascal, no
querigma e na práxis.
Início
da missão profética
Pentecostes
é o aniversário da Igreja? Sob certo aspecto, sim. A primeira comunidade
tinha sido reunida por Jesus durante a sua vida. Mas o que foi tão
decisivo na data de Pentecostes, depois de sua morte e ressurreição, é
que aí começou a proclamação ao mundo inteiro da Salvação em Jesus
Cristo, morto e ressuscitado. Para os antigos judeus, Pentecostes era o
aniversário da proclamação da lei no monte Sinai : esta proclamação
constituiu, por assim dizer, Israel como povo, deu-lhe uma ‘constituição’.
De modo semelhante, quando os apóstolos proclamam no dia de
Pentecostes a salvação em Jesus Cristo, é constituído o novo povo de
Deus. Não só Israel, mas todos os povos são agora alcançados, cada um em
sua própria língua (1ª leitura).
Até
hoje, a Igreja continua procurando alcançar todos os povos, grupos,
classes e raças, numa linguagem que os atinja. Não necessariamente na
linguagem que lhes agrade! Aos pobres, terá que falar uma linguagem de
carinho e animação; aos ricos, uma linguagem provocadora, para
descongelar seu coração. Mas, de qualquer modo, a todos ela deverá
explicar – na linguagem adequada – que na conversão a Cristo se encontra
a salvação.
O
verdadeiro milagre das línguas não consiste em dizer ‘Aleluia’ em
todas as línguas, mas em falar com clareza para todos os povos, raças e
classes. Os diversos dons do Espírito Santo, de que fala a 2ª leitura,
servem exatamente para isto : para atingir as pessoas de todas as
maneiras, para sermos profetas da Nova Aliança, selada por Cristo em seu
próprio sangue e, agora, publicada para o mundo sob o impulso de seu
Espírito. Como Moisés e os setenta anciãos no Sinai se tornaram
porta-vozes de Deus e da antiga Aliança, assim agora, a partir de
Pentecostes, a Igreja deve tornar-se toda profética, denunciando o que
está errado e anunciando a salvação que está na fraternidade e na
comunhão que Jesus veio instaurar. Assim, o Espírito de Deus renovará,
pela Igreja, a face da terra (cf. salmo responsorial).’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1580318/2022/06/inicio-da-missao-profetica/
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