quarta-feira, 30 de março de 2022

A necessidade de cursos de teologia em instituições públicas

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante


‘Nestes últimos dias, mais uma vez, ficou-se sabendo de outro escândalo envolvendo pastores evangélicos. Trata-se da pasta do Ministério da Educação, em que pastores ligados ao Ministro cobravam propina para intermediar verbas para escolas de diversos municípios. Nessas tratativas, como mostram diversas reportagens, também se pedia que se comprassem 1000 bíblias, no valor de R$50,00 cada, o que daria R$50.000,00 a mais por essa intermediação.

Que tal caso seja bizarro e vergonhoso para a comunidade evangélica, não se tem dúvidas. Considerar-se como pedágio para o uso de verba pública, fruto de impostos pagos pelos/as cidadãos/as do município, é um acinte. Contudo, mais uma vez, tal situação revela algo muito importante, que aparentemente, tem-se deixado de lado durante muito tempo, a saber, a urgência de cursos de teologias em universidades públicas no país.

Já há algum tempo, tenho insistido em diversos textos neste portal sobre essa temática. A questão religiosa é um fator importante para a sociedade brasileira. Por mais que diversos discursos acadêmicos tentem a todo custo reduzir a teologia a mera questão confessional, as consequências de se deixar tais cursos somente em instituições eclesiásticas tem se mostrado como um grande problema para a sociedade.

Parte desse problema é que nas faculdades eclesiais, em sua maioria, o que se tem são líderes eclesiásticos (pastores, pastoras, padres, bispos etc.) como aqueles e aquelas responsáveis pelo ensino. Nas mais cuidadosas, há a exigência de que o corpo docente tenha uma formação adequada, com mestrado e doutorado. Em outras, principalmente evangélicas, em muitos casos nem isso é exigido, uma vez que a hora de um/a docente doutor/a é mais cara para a faculdade, o que implica ter somente o mínimo necessário para manutenção do curso junto ao Ministério da Educação (MEC). Sem contar aquelas que não são nem reconhecidas pelo MEC, geralmente evangélicas, e que servem como seminários doutrinais, nos quais a doutrina de determinado segmento é ensinada aos futuros/as pastores/as e líderes dessas denominações.

Uma vez que o ensino teológico formal fica restrito somente a esses meios eclesiásticos, o que se tem muitas vezes é um ensino pouco diversificado, com uma visão restrita da diversidade religiosa presente no país e, não raras as vezes, formadora de panelinhas de ensino, em que somente amigos e amigas dos líderes recebem a oportunidade de ensinar alguma disciplina. Tal ensino, por sua vez, sendo vigiado para que não se fale nada que não seja de acordo com ‘a sã doutrina’ de determinado segmento.

Juntamente com isso, tem-se o alto custo para estudar teologia no país. Uma vez que todos esses cursos são em faculdades privadas, na maioria das vezes, um curso presencial se torna inviável de ser feito pelas pessoas comuns. Acrescenta-se a isso a ausência de mercado de trabalho e se tem sempre o mesmo clube no ensino teológico do país.

A ausência de uma teologia pública aliada ao fortíssimo sentimento religioso existente no Brasil se mostra, assim, como prato cheio para líderes inescrupulosos e manipuladores, que usam o discurso da fé para enganar seus fiéis, controlar o estado e fazer com que o país avance para uma teocracia, o que por si só é extremamente perigoso.

Fomentar o ensino de teologia nas universidades públicas se torna urgente, se não queremos que cada vez mais setores fundamentalistas cristãos se infiltrem nos ambientes de tomada de poder e transformem o país em um outro esquema de amigos e amigas do líder.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1571810/2022/03/a-necessidade-de-cursos-de-teologia-em-instituicoes-publicas/

domingo, 27 de março de 2022

Os quatro âmbitos da consciência no pensamento de Bernard Lonergan

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Uma boa exemplificação seria imaginar um mundo bidimensional em que seus habitantes conseguem ver somente coisas em duas dimensões

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘Bernard Lonergan (1964-1988) foi um teólogo jesuíta canadense que possui uma reflexão interessantíssima tanto para a filosofia como para a teologia contemporânea. Neste pequeno texto, gostaria de apresentar os quatro âmbitos da consciência definidos por ele, a saber, o âmbito do senso comum, o da teoria, o da interioridade e o da transcendência.

Segundo Lonergan, o âmbito do senso comum é o mundo do dia a dia, algo que muda de cultura a cultura. Podemos dizer que o senso comum são todas as maneiras de relacionar as coisas a nós, sendo definido pelo mundo da experiência. Para ficar mais claro, basta imaginarmos o mundo de uma criança recém-nascida onde tudo que existe é aquilo que se pode experimentar, totalmente apreendido por meio dos sentidos.

O segundo âmbito é o da teoria. Este começa a surgir quando começamos a fazer algumas perguntas que o senso comum não consegue responder. Perguntas do tipo : ‘o que é isso?’, ‘por que tal coisa é dessa forma?’, por exemplo, são próprias do âmbito da teoria no pensamento de Lonergan.

Nesse campo procuramos as relações entre as coisas e não ficamos baseados somente nos dados que recebemos de nossas experiências cotidianas. Um bom exemplo que podemos citar é o de Sócrates quando ele perguntava sobre as definições das coisas. Ao se perguntar : ‘o que é a justiça?’, ou ‘o que define um homem bom?’ etc., Sócrates coloca perguntas que fogem ao nível do senso comum e necessitam de uma explicação em nível teórico. Essa diferenciação da consciência entre teoria e senso comum, de acordo com Lonergan, é algo que deve ser feito pelo ser humano.

O terceiro âmbito é o âmbito da interioridade. Este começa a surgir quando as perguntas depois da teoria nos fazem voltar para dentro dos nossos processos cognitivos. Não é mais suficiente procurar a relação da coisa em si, mas como se conhece essas relações. Nesse ponto, não se presta atenção aos objetos em si somente pelos olhos da teoria, mas também se passa a prestar atenção no sujeito que a conhece. Dessa forma, após o momento teorético, refletindo, deve-se procurar algo que une o senso comum à teoria, partindo para o nível da interioridade.

Uma boa exemplificação seria imaginar um mundo bidimensional em que seus habitantes conseguem ver somente coisas em duas dimensões. O habitante que atinge o nível da interioridade seria semelhante a uma formiga que vive em um mundo tridimensional e consegue ver todos os movimentos que ocorrem sobre o mundo bidimensional. Se tomarmos tal exemplo, segundo Lonergan, essa simples formiga teria uma visão muito melhor desse mundo do que todos os habitantes do mundo bidimensional.

O quarto âmbito proposto por Lonergan é o âmbito da transcendência. Nele não é possível se chegar naturalmente, sendo necessário que tal transcendência venha primeiramente a nós. Quando isso acontece, quando a consciência interiorizada entra em contato com o mundo da transcendência, ela começa a mudar a sua forma de viver. Esse âmbito, para Lonergan, é o âmbito em que estamos próximos de Deus.

Conhecer o pensamento de Lonergan é instigante e, sem dúvida, sua filosofia e teologia podem contribuir muito para a compreensão do mundo em que vivemos. Se essas pequenas e superficiais indicações servirem para aguçar o interesse para a leitura desse pensador, esse texto terá cumprido o seu objetivo.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1570868/2022/03/os-quatro-ambitos-da-consciencia-no-pensamento-de-bernard-lonergan/

sexta-feira, 25 de março de 2022

Uma vocação com propósito: a nova realidade das religiosas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Religiosas rezam durante a Missa de abertura da Vigília Nacional de Oração pela Vida na Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição, em Washington, em 23 de janeiro de 2020

*Artigo da Irmã Laura Teresa Downing,

das Servas do Imaculado Coração de Maria, Pensilvania (USA)

Tradução  : Ramón Lara


‘Quando paro um momento para pensar realmente sobre o fato de ser uma irmã religiosa, sou atingida por uma sensação de admiração. Como uma católica de berço nascida no início dos anos 1980 nos subúrbios de Washington, D.C., que tinha um casamento dos sonhos planejado aos 8 anos de idade, se tornou uma irmã do Imaculado Coração de Maria?

Minha jornada começou em uma família católica irlandesa. Meus irmãos e eu passávamos os dias alternando entre aulas de catecismo, reuniões de escoteiros, aulas de dança irlandesa e treinos de futebol. Além de nossa tia Peg, uma Irmã de Misericórdia, nossas infâncias foram em grande parte desprovidas de ‘freiras’. Ainda assim, os filmes ‘Mudança de Hábito’ eram um marco em nossas noites de cinema em família, e às vezes me pergunto se esse foi um sinal que inicialmente perdi.

Meu primeiro indício de uma vocação religiosa ocorreu quando estava na quinta série, o único ano em que frequentei a escola católica. Estava caminhando para o recreio e vi minha diretora – uma irmã que tentei evitar por causa de minhas muitas transgressões às regras do uniforme – vindo em minha direção, e de repente tive a sensação de que seria ‘como ela’ um dia.

Meu discernimento vocacional começou a sério quando me matriculei no Colégio da Imaculada (agora Universidade Imaculada) na Pensilvânia. Naquela época, havia cerca de 50 irmãs do Imaculado Coração de Maria na faculdade, e fui cativada por sua alegria e pelo que passei a chamar de ‘santa normalidade’. Essas mulheres obviamente em oração torciam nos jogos de basquete, riam ruidosamente no refeitório e chamavam os bois pelos nomes. Descobri que meu fascínio pelas irmãs deu lugar a sonhar acordado em se tornar uma.

Mas foi uma viagem missionária a Callao, Peru, que selou o acordo vocacional. Durante meu tempo trabalhando em uma escola para meninas e fazendo evangelismo na comunidade vizinha, estava com irmãs que muitas vezes falavam de sua vocação dentro de uma comunidade. Na época, eu me perguntava se algum dia teria um senso tão específico de propósito e missão. Mas agora eu tenho isso, e isso me ajuda a me encaixar em uma comunidade que é predominantemente composta por irmãs da idade dos meus pais ou mais velhas.

Atualmente, moro com 27 irmãs, e temos entre 40 e 80 anos. Às vezes, a diferença de idade pode ser difícil, e não apenas porque todo mundo me pede para resolver seus problemas de tecnologia. Mas pode ser mais difícil para as irmãs mais velhas : que tem que ouvir músicas diferentes soando através das paredes do meu quarto e o fato de eu dizer ‘doce’ com mais frequência do que elas gostariam, mas o fato de que minha experiência vocacional agora é tão rara representa um achado para a comunidade.

As irmãs mais velhas pensam nas coisas vivificantes que eu não experimento, mas que faziam parte da comunidade quando eram jovens : os grandes grupos com os quais se formaram, uma camaradagem nascida de muitas irmãs amigas da mesma idade. Às vezes eu gostaria de ter essas coisas também, mas nunca esperei. Esses momentos são facilitados por uma rápida chamada de vídeo ou mensagem de texto com alguém da minha geração.

A verdade é que nossa realidade como religiosas mudou e continua mudando. Não podemos tentar recriar a vida religiosa das décadas de 1950 e 1960 para preencher nossas fileiras e equipar nossas instituições. A vida religiosa de uma pessoa é agora permeada pela intencionalidade : a escolha de entrar, a decisão de permanecer, o discernimento de ministérios e missões. Nada pode ser dado como garantido, então há uma profunda gratidão pelo que está acontecendo e um entusiasmo pelo que está por vir. É importante lembrar disso porque podemos facilmente e com muita frequência nos distrairmos com histórias sobre o envelhecimento de nossas comunidades religiosas.

A verdade é que coisas maravilhosas estão acontecendo em nossas comunidades religiosas, porque Deus não terminou conosco. No meu dia a dia como religiosa, continuo sendo inspirada pela alegria e santa normalidade das irmãs com quem vivo, mesmo que sempre me peçam para consertar a televisão.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1570613/2022/03/uma-vocacao-com-proposito-a-nova-realidade-das-religiosas/

quarta-feira, 23 de março de 2022

Após apoiar invasão da Ucrânia, Patriarca da Rússia, Kirill critica o mundo

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
O presidente russo Vladimir Putin, à direita, ouve o Patriarca Ortodoxo Russo Kirill de Moscou durante uma recepção no Kremlin em Moscou em 28 de julho de 2015

*Artigo de Jonathan Luxmoore, escritor

Tradução  : Ramón Lara

 

‘Enquanto as tropas e tanques russos lutavam contra as forças ucranianas durante a terceira semana de sua sangrenta invasão, as perspectivas de paz pareciam estar desaparecendo.

Enquanto isso, em meio às cenas de destruição arbitrária, a postura militante do Patriarca Ortodoxo Russo Kirill também parecia acabar com as esperanças de laços mais estreitos entre sua comunidade e a Igreja Católica.

A vocação de toda Igreja é lembrar os princípios básicos do Evangelho – Kirill não apenas abandonou isso, mas está realmente sacralizando essa agressão cruel’, disse Marcin Przeciszewski, diretor veterano da Agência de Informação Católica da Polônia, ao NCR.

O velho discurso sobre líderes católicos e ortodoxos compartilhando a defesa dos valores cristãos tradicionais parece um absurdo agora’, disse Przeciszewski. ‘Os únicos valores que Kirill está defendendo são os do imperialismo russo.’

Os exércitos do presidente russo, Vladimir Putin, invadiram nas primeiras horas de 24 de fevereiro, provocando forte resistência das forças armadas ucranianas de 200.000 homens, bem como uma forte queda do rublo russo diante das sanções ocidentais.

A guerra seguiu-se a um conflito de baixa intensidade com separatistas pró-Rússia na região de Donbas, no leste da Ucrânia, após a anexação forçada da Crimeia por Moscou em fevereiro de 2014, que deixou mais de 14.000 mortos em oito anos.

Também ocorreu após amargas disputas religiosas na Ucrânia, onde uma nova igreja ortodoxa obteve a independência em janeiro de 2019 pelo Patriarca Ecumênico Bartolomeu, que detém a primazia honorária entre os líderes das 15 principais igrejas ortodoxas do mundo.

O Patriarca Ecumênico Bartolomeu de Constantinopla e o Metropolita Epifaniy Dumenko, chefe da Igreja Ortodoxa da Ucrânia, participam da Divina Liturgia na Catedral de São Jorge em 6 de janeiro de 2019, em Istambul. A assinatura do patriarca Bartolomeu de um decreto que marca a independência da nova Igreja Ortodoxa Ucraniana atraiu fortes críticas da Igreja.

O Patriarcado russo de Moscou rejeitou amargamente a medida, insistindo que a Ucrânia, independente da Rússia desde dezembro de 1991, pertencia ao seu ‘território canônico’. Cortou laços com Bartolomeu, fazendo o mesmo mais tarde com líderes ortodoxos da Grécia, Chipre e Alexandria quando reconheceram a nova igreja.

Em dezembro, Moscou deu um passo adiante e estabeleceu duas dioceses próprias na África, que tradicionalmente estão sob a jurisdição do patriarca de Alexandria, Teodoro II, para receber padres ortodoxos e paróquias descontentes com o ‘comportamento cismático’ de Teodoro.

Pelo menos 160 paróquias ortodoxas em uma dúzia de países, e também algumas comunidades protestantes, pediram para se juntar às novas dioceses russas, atraídas por promessas de ajuda material e oportunidades de estudo, bem como proteção pelas forças militares russas.

E enquanto alguns líderes ortodoxos aceitaram o movimento russo como uma resposta justificada à disputa da igreja ucraniana, outros acusaram o Patriarcado de Moscou de usar a disputa como pretexto para uma expansão planejada há muito tempo.

Quaisquer que sejam seus parâmetros, a amarga disputa entre as igrejas forneceu um pano de fundo religioso para a invasão da Rússia. Foi mencionado em um fatídico discurso de TV de 21 de fevereiro de Putin, no qual ele negou a condição de Estado da Ucrânia e insistiu que o governo do presidente Volodymyr Zelenskyy estava ‘infringindo os direitos dos crentes’ e ‘preparando a destruição’ da igreja ucraniana ligada a Moscou.

Kirill respondeu devidamente, elogiando o ‘alto e responsável serviço ao povo’ do presidente em um discurso em Moscou horas antes da invasão e assegurando às forças armadas da Rússia que não deveriam ter ‘nenhuma dúvida de que escolheram um caminho muito correto’.

Embora Kirill tenha pedido a paz desde então, não criticou os ataques de mísseis e barragens de artilharia da Rússia, que acabaram com áreas inteiras e levaram mais de 2,5 milhões de ucranianos ao status de refugiados até 11 de março, segundo as Nações Unidas.

Tampouco Kirill questionou as contínuas exigências do Kremlin para que a Ucrânia se rendesse incondicionalmente e aceitasse a ‘desmilitarização’ e a ‘desnazificação’.

A aliança com o poder representa um perigo mortal para qualquer igreja, e a Rússia está perdendo toda a credibilidade por causa disso’, disse Przeciszewski, cujo país recebeu 1,5 milhão de refugiados de guerra, além dos 2 milhões de ucranianos que já estão abrigados lá.

Enquanto isso, a Ucrânia está testemunhando agora que certos valores são mais importantes que a própria vida, algo que nosso mundo contemporâneo precisa lembrar’, disse o diretor da rádio.

Reações angustiadas à guerra se espalharam na Ucrânia, onde o Conselho de Igrejas e Organizações Religiosas, agrupando cristãos, muçulmanos e judeus, denunciou a ‘crueldade injustificada e agressão desenfreada’ da Rússia em um comunicado de 8 de março e instou os países ocidentais a fornecer ajuda militar.

Igrejas históricas foram atacadas e bombardeadas, acrescentou o conselho, em cidades como Kharkiv, principalmente de língua russa, onde a Catedral Ortodoxa da Santa Dormição foi danificada, juntamente com a Catedral da Assunção Católica da cidade.

O chefe da igreja ortodoxa independente da Ucrânia, o metropolita Epifaniy Dumenko, confirmou em 8 de março que os locais religiosos estavam sendo atacados, apesar das alegações russas de ‘defender a igreja’ e acusou as tropas invasoras de ‘pisar as regras da lei’ em uma repetição de cenas da Segunda Guerra Mundial.

Entendo que não faz sentido prático recorrer aos ocupantes russos, eles deverão responder pessoalmente às questões que Deus faz pelo derramamento de sangue, sofrimento, lágrimas e vidas arruinadas’, disse o metropolita de 43 anos em uma mensagem, depois de visitar militares ucranianos feridos no Hospital Militar Nacional de Kiev.

Dos milhares de pessoas de Mariupol, Kharkiv, Chernihiv, Gostomel, Irpen, Bucha e outros que agora estão sendo mortos pelas tropas russas, levanto minha voz e peço aos Estados e instituições internacionais que ajam!’ disse. ‘Que a ira de Deus e a inevitável retribuição prometida a esses assassinos caia sobre eles!

Os bispos gregos (bizantinos) e católicos romanos da Ucrânia também emitiram condenações regulares.

O mesmo fez o chefe da Igreja Ortodoxa ucraniana afiliada a Moscou, o metropolita Onufriy Berezovsky, como parte dos esforços para se livrar de qualquer mancha de cumplicidade com o agressor. No início de março, Onufriy aprovou orações ‘pelo exército ucraniano, pelo poder de nosso estado e de todo o seu povo, pela vitória e pelo estabelecimento da paz’.

Berezovsky também apelou a Putin para ‘fazer tudo para parar a guerra’.

Você pode fazer isso, e nós acreditamos e queremos que você faça’, disse o metropolita a Putin em um comunicado.

O clero de Onufriy levou as coisas adiante.

Pelo menos 20 eparquias ou dioceses ucranianas ligadas a Moscou deram o passo simbólico de remover Kirill de suas listas de oração, citando seu fracasso em condenar a guerra, enquanto vários grupos do clero também exigem que sua igreja declare a independência do Patriarcado de Moscou. Uma igreja ortodoxa russa em Amsterdã anunciou que se separaria inteiramente do patriarcado.

Embora Kirill ainda reivindique a responsabilidade por todos os cristãos ortodoxos na Ucrânia, pode-se ver em suas declarações que realmente desistiu de ser um pastor para eles’, disse um padre católico na Rússia, que pediu anonimato por medo de represálias.

Se esta guerra terminar com a Ucrânia permanecendo livre, Kirill terá unido todos os cristãos da Ucrânia contra ele’, disse o padre. ‘Mesmo que a Ucrânia seja esmagada e se torne uma prisão gigante, é impossível imaginá-lo visitando o país novamente.’

À medida que mais cidades ucranianas são devastadas e mais civis mortos, mais e mais apelos para Putin interromper a ofensiva crescente vêm de líderes ortodoxos no exterior. Enquanto isso, os apelos também estão se multiplicando para o próprio Kirill.

O presidente luterano da Conferência de Igrejas Europeias, com sede em Genebra, pediu ao patriarca que ‘afirme o valor de todas as vidas humanas, incluindo as vidas de cidadãos ucranianos que estão sob ataque’, e deplorou seu ‘silencio assustador sobre a guerra não provocada’ contra um país ‘lar de milhões de cristãos’.

Enquanto isso, o presidente da Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia, Cardeal Jean-Claude Hollerich, lembrou o apelo conjunto de Kirill com o Papa Francisco em seu histórico encontro em Havana em fevereiro de 2016 ‘para ações destinadas a construir a paz e a solidariedade social’ e, da mesma forma, instou-o em uma carta de 8 de março a pedir aos governantes da Rússia que ‘cessem imediatamente as hostilidades’.

Longe de responder, o tom do patriarca russo se aguçou.

Em uma homilia de 6 de março para o Domingo do Perdão da Igreja Ortodoxa, Kirill ofereceu uma justificativa moral para a invasão, argumentando que os cristãos ortodoxos estavam sofrendo por ‘rejeitar fundamentalmente os chamados valores oferecidos hoje por aqueles que reivindicam o poder mundial’, que estavam ‘forçando as pessoas a negar a Deus e sua verdad e exigir a participação em ‘paradas gays como um teste de lealdade’.

Pregando em 9 de março, o patriarca equiparou os países ocidentais com ‘o diabo e pai da mentira’, e apoiou a afirmação de Putin de que a Ucrânia era realmente parte da Rússia e precisava de defesa contra a guerra ocidental.

Escrevendo um dia depois ao Pe. Ioan Sauca, secretário-geral interino ortodoxo romeno do Conselho Mundial de Igrejas, Kirill ignorou os pedidos das 352 denominações-membros do CMI para que ‘interviesse e mediasse’ com os governantes da Rússia para uma ‘solução pacífica’. Kirill também culpou o Ocidente por alimentar divisões na igreja e transformar os ucranianos em ‘inimigos da Rússia’.

Os povos da Rússia e da Ucrânia, que vieram de uma pia batismal de Kiev, estão unidos pela fé comum, santos e orações comuns e compartilham um destino histórico comum’, insistiu o patriarca. ‘Este trágico conflito tornou-se parte de uma estratégia geopolítica de grande escala que visa, em primeiro lugar, enfraquecer a Rússia e estimular a russofobia.

Przeciszewski, cuja agência católica documentou de perto as disputas religiosas na Ucrânia, acredita que agora é necessário repensar a Igreja Católica.

Embora algum diálogo limitado ainda possa ocorrer com os líderes ortodoxos russos, uma cooperação mais estreita com o Patriarcado de Moscou de Kirill, juntamente com a conversa de uma reunião de acompanhamento entre o patriarca e Francisco, agora é quase impossível.

Claro, você pode conversar com praticamente qualquer pessoa, mas a menos que o Patriarca Kirill estivesse preparado para mudar sua linha, tal reunião não faria sentido’, disse o especialista polonês ao NCR.

No futuro, quando falarmos de ortodoxia na Europa Oriental, teremos que falar tanto de Kiev quanto de Moscou’, disse Przeciszewski. ‘Ambos são igualmente importantes - e à medida que a autoridade de Moscou diminui, a autoridade de Kiev aumentará.

A atitude de Roma já pode estar endurecendo.

Quando Francisco lamentou os ‘rios de sangue e lágrimas’ que agora ‘fluem na Ucrânia’ em sua mensagem do Angelus de 6 de março, descrevendo a ofensiva como ‘não apenas uma operação militar, mas uma guerra semeando a morte’, seu texto não foi publicado pela Igreja Católica na Rússia.

Novas emendas ao Código Penal prescrevem multas pesadas e penas de prisão de até 15 anos para ‘divulgação pública de falsidades sobre as forças armadas da Rússia’, e padres e bispos podem ser presos e perseguidos se usarem as palavras ‘guerra’ e ‘invasão’ nas homilias.

O Vaticano disse que seu secretário de Estado, o cardeal Pietro Parolin, pediu negociações em uma conversa telefônica com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, repetindo também a disposição da Santa Sé ‘de fazer todo o possível para ajudar a paz’.

Parolin também criticou o sermão de Kirill em 6 de março, dizendo que suas palavras inflamatórias eram ‘inúteis e não promovem a compreensão’.

Enquanto isso, um comentário do Vatican News se referiu criticamente a ‘aqueles que afirmam chamar essa guerra suja de ‘uma operação militar’, dizendo que Francisco ‘refutou as notícias falsas que buscam apresentar o que está acontecendo com subterfúgios verbais para mascarar a realidade cruel.

Em um sinal do crescente isolamento da Igreja russa, teólogos da República Tcheca à Grécia pediram sua expulsão do Conselho Mundial de Igrejas por ‘violar os valores fundamentais do cristianismo’, enquanto a Universidade de Friburgo, fundada pelos jesuítas, confirmou em 8 de março havia suspendido o metropolita Hilarion Alfeyev, diretor de relações exteriores do Patriarcado de Moscou, de sua cátedra na faculdade de teologia.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1569859/2022/03/apos-apoiar-invasao-da-ucrania-patriarca-da-russia-kirill-critica-o-mundo/

segunda-feira, 21 de março de 2022

Francisco formaliza sua reforma. O que muda?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Finalmente, a ‘cereja do bolo’ do pontificado do Papa Francisco. Após 9 anos intensos de reuniões e debates, o pontífice, juntamente com seu grupo de cardeais conselheiros, chegaram a um consenso sobre ‘o que não funciona mais’ em relação à administração central da Igreja - a cúria romana - e o que precisa melhorar para torná-la mais pastoral e menos burocrática.

A data para a publicação não foi escolhida por acaso : 19 de março, dia em que o primeiro papa latino-americano da história iniciou seu governo, em 2013, com a missão de reformar a Igreja. De fato, o próprio documento faz questão de destacar que a reforma foi amplamente solicitada pelos cardeais eleitores, reunidos em conclave naquele ano.

O novo documento substitui a Pastor Bonus, de João Paulo II, de 1988. Embora grande parte das mudanças elencadas no texto já tenham sido colocadas em prática, o novo ‘organograma’ curial, criado por Francisco, surpreende. E vou explicar por qual razão, elencando algumas dessas transformações.

Para início de conversa, não existirão mais os pontifícios conselhos, que surgiram após o Concílio Vaticano II e foram ampliados pela reforma de João Paulo II. Sendo assim, todos os organismos da Cúria Romana passam a ser considerados ‘dicastérios’, o equivalente a ‘ministérios’ dentro de um governo. E quem os coordena - sem exceção - passam a ser os prefeitos, o que dá mais autonomia jurídica a esses organismos. É o que ocorria, por exemplo, com as congregações, que também passam a ser chamadas somente de dicastérios.

Outra coisa que o documento especifica, já na introdução, é que leigos poderão ‘assumir papéis de responsabilidade e de governo’ dentro dessa estrutura, algo que, antigamente, só cabia aos clérigos executar. Isso o Papa já colocou em prática através das inúmeras nomeações que fez ao longo dos seus 9 anos de pontificado, mas a ideia é não restringir determinadas funções somente para padres ou religiosas. A constituição, no caso, formaliza essa abertura, garantindo que os sucessores de Francisco também o façam.

O Papa também fala de uma ‘sã descentralização’, restringindo à Cúria Romana o papel de se ocupar de problemas que possam interferir na doutrina, disciplina e comunhão na Igreja. Em questões de ordem prática, nas dioceses, o bispo terá mais autonomia. Isso também já tem ocorrido a partir das últimas decisões pontifícias. Para citar um exemplo, a carta apostólica Mitis Iudes Dominus Iesus (2015) coloca nas mãos dos bispos a faculdade de julgar os casos de nulidade matrimonial. Antes, se fazia isso através de uma ‘dupla sentença’ - ou seja, na diocese e na Santa Sé. Agora, é o bispo quem dá o veredito, através de um processo mais breve.

Outra novidade está relacionada ao dicastério para a Evangelização, que nasce da fusão entre a Congregação para a Evangelização dos povos (Propaganda Fidei) - que se ocupava da evangelização em terras de missão - e Nova Evangelização - que promovia o uso de novas formas de levar o Evangelho em lugares de longa tradição cristã.

A parte mais impressionante da mudança é o fato de que a autoridade suprema desse organismo passa a ser o Papa, um caso único na história das reformas. Quem o auxilia são dois ‘pró-prefeitos’ - outro caso único. E também cabe a esse ministério aprovar a construção de novos santuários de devoção em resposta às manifestações de piedade popular pelo mundo, bem como coordenar a catequese na Igreja. Com essa nova configuração, esse dicastério se torna o mais importante dentro do organograma, ocupando o lugar do agora ‘Dicastério para a Doutrina da fé’, que antes assumia esse posto.

Outra norma interessante diz respeito aos funcionários do Vaticano. Se forem clérigos e religiosos professos, só poderão assumir cargos dentro do Vaticano por 5 anos. Salvo em casos que o Papa ou o bispo solicitem, a pessoa deve voltar para a sua diocese de origem.

A elemosineria apostólica, que, a grosso modo, é quem promove a solidariedade em nome do papa, também se transforma em ‘Dicastério da Caridade’, sendo elevado à qualidade de super organismo dentro da estrutura vaticana, deixando de ser um simples ‘escritório’ de doações.

E para trabalhar no Vaticano, o documento também estabelece critérios. A pessoa precisa ter ‘boa experiência pastoral, sobriedade de vida e amor aos pobres, espírito de comunhão e serviço, competente para o cargo a ela confiado e capaz de discernir os sinais dos tempos’, especifica o documento.

Praedicate Evangelium entra em vigor no dia 5 de junho, festa de Pentecostes. Com essa, foram feitas, até agora, 5 reformas da Cúria Romana na história do catolicismo. As anteriores foram as de: Sisto V (1588), Pio X (1908), Paulo VI (1967) e João Paulo II (1988).’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1570605/2022/03/francisco-formaliza-sua-reforma-o-que-muda/

domingo, 20 de março de 2022

Os Jesuítas celebram o 400º aniversário das canonizações de Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
 *Artigo d0 Padre Jim McDermott, SJ

 Tradução  : Ramón Lara


‘Em 12 de março, a Companhia de Jesus celebra o 400º aniversário das canonizações de Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier, dois dos sete homens que juntos formaram a Companhia de Jesus sob a liderança de Inácio em 1540.

Embora as vidas de Inácio e Xavier sejam bem conhecidas, pouco foi relatado sobre os eventos em torno de sua canonização. Então, neste aniversário, aqui estão seis fatos interessantes sobre este momento importante na vida dos jesuítas e da Igreja Católica.

1. O processo de canonização de Inácio levou-o a ser apresentado de forma cada vez mais santa.

De acordo com o professor da Penn State Ronnie Po-Chia Hsia, quase desde o momento em que o Papa Sisto V estabeleceu a Sagrada Congregação dos Ritos em 1588 (o precedente da atual Congregação para as Causas dos Santos), a Companhia pressionou para que Inácio fosse canonizado. Em 1594, o superior geral jesuíta Claudio Acquaviva pediu a abertura do processo, com declarações de apoio do rei Filipe II e Maria da Áustria e do embaixador espanhol.

Este não foi simplesmente um ato de devoção por parte da Companhia; como fundador espiritual e primeiro general da ordem, a posição de Inácio na Igreja teve ramificações para a Sociedade. Sua canonização daria à ordem um maior grau de legitimidade e segurança, tanto dentro da Igreja quanto em suas obras no mundo.

Contudo, apesar do apoio que Inácio recebeu e do caso apresentado pelo primeiro cardeal jesuíta da Companhia, Francisco Toledo, Clemente VIII rejeitou o pedido, porque até agora nenhum milagre havia sido atribuído a Inácio.

Como Hsia relata em seu livro The World of Catholic Renewal 1540-1770, isso levou a Companhia a mudar a maneira como representava Inácio na arte e em outros lugares. Como demonstrado em sua famosa autobiografia, mesmo antes da morte de Inácio, os jesuítas ao seu redor pretendiam criar um retrato dele que fosse atraente para os outros. Mas depois dessa rejeição, esse retrato enfatizou sua santidade em um grau cada vez maior.

Em 1601, Pedro de Ribadeneira, S.J., publicou uma nova versão de sua famosa biografia de Inácio. Mas agora incluía 80 xilogravuras de Inácio tendo visões e ostentando uma auréola, e Ribadeneira o descrevia como um herói que já havia sido canonizado no céu. Outra arte do período tem Inácio similarmente aureolado ou envolto na luz do céu, como a famosa pintura de Pedro Paul Reubens de Inácio em uma casula vermelha segurando as Constituições enquanto olhava para o céu, seu rosto brilhando; ou outro em que Inácio, em uma postura e roupa quase idênticas, estende a mão sobre um grupo de pessoas chorando em uma igreja, tirando os demônios deles enquanto querubins flutuam acima de sua cabeça e um espírito sombrio voa para longe.

Em 1605, os jesuítas bávaros chegaram a incluir o texto para a canonização de Inácio em sua própria biografia de sua vida, como se fosse uma certeza, deixando espaços em branco para que os leitores pudessem inserir o nome do papa e a data em que ocorreu a canonização.

O ponto alto desse processo de recriação de Inácio como santo é a extraordinária ‘Apoteose de Santo Inácio’ no teto da Igreja de Sant'Ignazio em Roma. Projetado e pintado pelo irmão Andrea Pozzo, SJ, o trabalho trompe l'oeil faz parecer que o teto da igreja realmente se abre para o céu e o céu, onde Inácio, com raios de luz vindos de sua cabeça, olha para o perto de Cristo.

A arte por si só necessária para criar esse nível de ilusão era em si uma poderosa expressão dos poderes milagrosos de Inácio. (Se você estiver em Roma, você realmente precisa ver esta obra).

2. A canonização de 1622 foi importante além dos jesuítas.

Enquanto alguns na Companhia de Jesus podem descrever o dia 12 de março como a canonização de Inácio e Xavier, de fato, cinco homens e mulheres foram canonizados neste dia : além dos jesuítas, Santa Teresa de Ávila, fundadora dos Carmelitas Descalços; São Filipe Neri, fundador dos oratorianos; e São Isadore, o Operário. Neste único evento, o Papa Gregório XV colocou o selo de aprovação da Igreja não apenas nos jesuítas, mas nessas outras comunidades religiosas jovens e prósperas.

3. A canonização fez parte de um processo maior para fortalecer a autoridade papal.

A canonização de 1622 também foi a primeira vez que os canonizados tiveram que passar pelo processo de serem beatificados primeiro. Como Simon Ditchfield, professor da Universidade de York, disse ao Catholic News Service, durante a maior parte da história da igreja, os santos foram nomeados principalmente pela aclamação popular da comunidade em que trabalhavam.

A Reforma trouxe consigo novos níveis de escrutínio e organização da Igreja a partir do Vaticano, incluindo a Congregação dos Ritos Sagrados e uma sequência clara para a avaliação dos candidatos e processo de canonização. Agora a santidade veio através de Roma.

Ao nomear cinco santos de uma só vez, o Papa Gregório deixou isso bem claro.

4. A canonização também serviu a um importante fim político.

De acordo com o historiador jesuíta John Padberg, em uma história contada pelo especialista em comunicações da Província Central e do Sul dos jesuítas dos EUA Jerry Duggan, Gregório escolheu esses santos muito especificamente. Em sua vida anterior como cardeal Alessandro Ludovisi, Gregório era conhecido por seu bom senso e diplomacia. Ele havia ocupado a Sede Apostólica, a mais alta autoridade judicial da Igreja Católica, além do próprio papa. Também foi chamado para resolver disputas entre o papa e diferentes governos e também entre vários partidos.

Como Padberg explica a Duggan, na época, a França e a Espanha eram as duas principais potências católicas na Europa. O antecessor de Gregório, o papa Paulo V, mostrou-se a favor da França. Assim, como tentativa de equilibrar a balança, quatro dos cinco canonizados em 12 de março de 1622 eram da Espanha. O quinto, Felipe Neri, era da Itália. (Como italiano, Neri era o favorito da cidade natal. Muitos romanos supostamente descreveram o evento como ‘Quatro Espanhóis e um Santo’.)

Gregório também escolheu este momento para dar à nova capital da Espanha, Madri, seu santo padroeiro, Santo Isidoro. De fato, a canonização de Isidoro foi o principal evento do dia, segundo Simon Ditchfield; O rei Filipe IV pagou por uma estrutura ‘teatro’ a ser construída dentro de São Pedro, decorada com cenas da vida e milagres de Isidoro. ‘Os outros foram, tecnicamente, apoiados nesta cerimônia’, disse Ditchfield ao CNS.

Mais do que uma boa diplomacia, na época da canonização, as nações da Europa já haviam iniciado a descida para a série de conflitos que seria chamada de Guerra dos Trinta Anos. Mais de oito milhões de pessoas morreriam ao longo desses anos de violência, fome e doenças.

Embora essas guerras sejam frequentemente apresentadas como sendo entre protestantes e católicos, a realidade era muito mais complicada. Quando Gregório assumiu o cargo, a França, a Veneza e a Saboia estavam perto do ponto de guerra com a Espanha e o Sacro Império Romano. Como uma tentativa de evitar que as coisas se agravassem ainda mais, Gregório fez com que o exército papal guardasse uma série de passagens alpinas nas quais a Espanha dependia para se comunicar com o Império.

No final, a França e a Espanha de fato entrariam em guerra. Mas isso não aconteceu durante o reinado de Gregório.

5. A relação do Papa Gregório XV com os jesuítas continuaria.

O Papa Gregório foi o primeiro Papa a ter sido educado pelos jesuítas, estudando com eles em Roma nos colégios alemão e romano – e não muitos anos após a morte de Inácio. Embora tenha sido papa apenas por 30 meses, eleito em 14 de fevereiro de 1621 e morrendo em 8 de julho de 1623, nessa época ele não apenas canonizou Xavier e Inácio, mas também usou seu próprio dinheiro para pagar igrejas e escolas em missões jesuítas.

Gregório tinha problemas de saúde quando foi eleito papa. Como Inácio, sofria de doenças estomacais que podem ter sido causadas ou agravadas por sua prática de jejum. E após sua morte, deixou à Sociedade dinheiro para construir a igreja em Roma com o nome de Santo Inácio, que ostentaria a surpreendente arte do irmão Pozzo. Quando foi concluído, Gregório foi enterrado lá, junto com os restos mortais de seu sobrinho e ajudante de campo cardeal Ludovico Ludovisi.

Seu túmulo ostenta um belo conjunto de figuras esculpidas projetadas pelos alunos de Gianlorenzo Bernini. Gregory senta-se cercado por anjos, como Inácio acima dele. E onde as mãos de Inácio se estendem maravilhadas com a visão de Jesus, a mão de Gregório se estende em boas-vindas.

6. A vida de Inácio e Xavier terminou sem a grandeza que receberam na morte.

Os caminhos de Inácio de Loyola e Francisco Xavier como jesuítas foram em muitos aspectos opostos. Xavier passou a vida na estrada, conhecendo pessoas e construindo igrejas. Inácio passou sua vida como jesuíta em Roma, sentado em uma sala escrevendo as Constituições, respondendo a cartas e construindo a Companhia como uma organização (um trabalho em que os dois homens morreram de maneira tristemente semelhante. E em seus últimos dias, esperou em uma ilha estéril na Baía de Cantão pelo navio que o levaria para o continente. Mas o barco nunca veio. Enquanto isso, Francisco adoeceu. Morreu em uma cabana de palha na praia, podia ver a China ao longe.

Foi quase quatro anos depois que Inácio morreu em Roma. E mesmo morando na Cúria Jesuíta, a casa-mãe da Sociedade, também se viu mais ou menos sozinho no final. O Santo ficou doente tantas vezes antes de se recuperar por um momento, que ficou difícil dizer o quão sério levar qualquer luta em particular. Em 30 de julho, pediu a seu secretário Juan Polanco, S.J., que fosse ao papa e recebesse sua bênção porque acreditava que estava morrendo. Polanco perguntou-lhe se estaria bem que esperasse um dia porque tinha muitas cartas para enviar. (Esta é uma história muito jesuíta.)

Ao amanhecer, ficou claro que Inácio ia realmente morrer. Mas já era tarde demais para ir ao papa, embora Polanco tenha ido mesmo assim, ou para conseguir o confessor que também pedira. Não está claro quem exatamente estava com Inácio no final. Algumas histórias não sugerem ninguém.

Parece que há uma grande ironia nisso. Estes são dois dos grandes santos da Igreja, pessoas que acreditavam ser santos mesmo durante suas vidas, mas em seu momento de necessidade ninguém estava lá.

Mas um jesuíta que conheço, Paul Harman, S.J., insiste que não, isso não é ironia. É graça. Desde cedo Inácio e Francisco jogaram fora todos os sonhos extravagantes que haviam planejado para suas vidas, todas as grandes coisas que iam fazer porque decidiram que queriam outra coisa : estar nas mãos de Deus. E levou toda a vida deles, mas no final eles receberam essa graça completa. Finalmente, não sobrou nenhum romance, nenhum seguidor dedicado, nenhum feito heroico. Finalmente, entregaram tudo, tudo, e poderia ser apenas Deus e eles. Deus os tomou pelas mãos.

Sua entrega e a resposta de Deus : Isso é o que a Igreja celebra neste mês.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1569855/2022/03/os-jesuitas-celebram-o-400-aniversario-das-canonizacoes-de-santo-inacio-de-loyola-e-sao-francisco-xavier/

sábado, 19 de março de 2022

A religião como critério de mensuração de status moral

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante


‘Por mais estranho que se possa parecer, a religião ainda é usada para mensuração do status moral das pessoas. Se formos mais à fundo, é possível perceber que tal critério não se encontra apenas nas pequenas comunidades locais, mas de alguma forma, pelo menos no Ocidente, atinge todo um imaginário social, de maneira que podemos pensar na construção de uma representação social que acredita que as pessoas que têm alguma religião são mais próximas de Deus e mais moralmente corretas do que aquelas que não a possuem.

Quando olhamos para o meio cristão, essa característica aparenta ser mais notável. Afinal, ainda é muito comum se ouvir ali que aqueles e aquelas que não se converteram, por melhores que sejam em suas condutas, ainda estão longe de Deus, ou ainda, que tais pessoas vão para o inferno (leia-se : câmara de tortura na qual as pessoas não cristãs tendem a sofrer pelos séculos dos séculos), ou ainda que a essas pessoas não convertidas faltaria a base da moralidade, que seria a obediência ao texto bíblico.

Pode parecer esquisito (e realmente é), mas esse tipo de visão ainda se impõe em diversos cenários cristãos. Além dessa comparação com os de fora, a comparação com os de dentro também se estabelece. Comumente se pensa que o/a pastor/a ou o padre é uma pessoa mais próxima de Deus do que o resto da comunidade. Uma fala do tipo : ‘vou pedir para o/a pastora orar, porque Deus o/a responde’ ainda se ouve em diversas comunidades cristãs, como se status ministerial fosse garantia de intimidade com Deus. De alguma forma, tem-se a ideia de que aqueles e aquelas imbuídos/as de alguma autoridade na comunidade teriam uma espécie de ‘acesso especial’, como se fossem clientes ‘premium’ do grande banco celestial, e por esse motivo, teriam acesso a um atendimento ‘personalité’, ao contrário das outras pessoas, que deveriam esperar na fila dos guichês normais de atendimento.

Pensar a religião como critério de moralidade ou de intimidade e relacionamento com Deus se mostra como algo extremamente pernicioso. Não só pelo risco direto de se discriminar e desumanizar as outras pessoas que não compartilham da mesma fé, como também pela legitimação que tal pressuposto dá para que charlatões/ães se proliferem no meio do povo.

A realidade, porém, nos mostra que a religião nunca deve ser vista como critério de intimidade com Deus ou como critério de moralidade. Basta nos lembrarmos dos diversos casos de abusos sexuais em diversas comunidades cristãs que vieram à tona recentemente. Da mesma forma, pessoas que usam de sua pertença religiosa para se considerarem superior às outras, na maioria das vezes tendem a usar tal pertencimento como escudo para esconderem suas falhas e pecados.

Isso, claro, não é um problema contemporâneo. Jesus mesmo, em sua parábola do fariseu e do publicano, nos conta sobre certo fariseu, que se considerando superior aos outros por causa de suas ações religiosas, orava de si para si, enquanto o publicano, reconhecendo-se em sua humanidade falha, humilhando-se orava pedindo misericórdia. Como conclui Jesus, o segundo saiu justificado e o primeiro não.

O cristianismo como um todo, caso queira ser uma voz digna de ser ouvida ainda hoje, necessita urgentemente se tornar como o publicano da parábola de Jesus. Perceber-se como uma religião como qualquer outra, nem superior, nem inferior, ensinando a/à seus/suas fieis tal princípio. Com isso, renunciar ao poder que já há muito tempo se acostumou a ter, esvaziando-se dele para, através da volta à mensagem simples de Jesus, deixar-se ser mais um instrumento nas mãos de Deus para a transformação do mundo em um lugar melhor de se viver.’

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1569668/2022/03/a-religiao-como-criterio-de-mensuracao-de-status-moral/