Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo da redação da Aleteia
Fariseus de esquerda e direita estarão
sempre a postos para condenar a justiça, o amor e a misericórdia em nome de
regras - esquecendo que as regras só fazem sentido quando baseadas na justiça,
no amor e na misericórdia
‘Nisto conhecerão todos
que sois meus discípulos : se vos amardes uns aos outros’ (João 13,35).
Não existe absolutamente nenhuma forma de ‘provar’
o próprio catolicismo que não seja o amor ao próximo.
E como se prova o amor ao próximo?
Cristo responde : ‘Ninguém tem maior amor do que
aquele que dá a sua vida pelos seus amigos’ (João 15,13).
E quem é amigo de Cristo?
Cristo responde : ‘Vós sois meus amigos se fizerdes
o que vos mando’ (João 15,14).
E o que Cristo nos manda?
Cristo responde : ‘Amai os vossos inimigos,
fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. Deste
modo sereis os filhos de vosso Pai que está no céu, pois Ele faz nascer o sol
tanto sobre os maus como sobre os bons e faz chover sobre os justos e sobre os
injustos. Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem
assim os próprios publicanos?’ (Mateus 5,44-46).
Tudo isso deveria ser a coisa mais batida
do universo para qualquer um que tem o atrevimento de se dizer ‘cristão
autêntico’.
Mas…
Assim como ocorria no tempo do próprio
Jesus sobre esta terra, o aparente zelo religioso pode ser um
abominável disfarce para um nível assassino, apóstata, diabólico de egoísmo,
vaidade, arrogância, sectarismo e desprezo escandaloso pelo próximo.
Aparentavam grande zelo aqueles que não
hesitavam em ‘coar um mosquito e engolir um camelo’ (cf. Mt 23,24),
denunciou Jesus depois de descrevê-los : ‘Atam fardos pesados e esmagadores
e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer
com o dedo’ (Mt 23,4). Mais veemente ainda : ‘Ai de vós, escribas e
fariseus hipócritas! Percorreis mares e terras para fazer um prosélito e,
quando o conseguis, fazeis dele um filho do inferno duas vezes pior que vós
mesmos’ (Mt 23,15).
Os fariseus hipócritas prezam a forma
acima do conteúdo.
Para eles, o importante é o protocolo, a regra, a lei exterior – mesmo que o
espírito seja traído da mais nefasta e satânica maneira em nome das aparências.
Um fariseu preza as exterioridades e se
preocupa com as aparências, formalidades e rigidezes protocolares. E
não há nada de errado nisto – desde que não se fique apenas nisto. ’Ai
de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pagais o dízimo da hortelã, do endro e
do cominho e desprezais os preceitos mais importantes da lei : a justiça, a
misericórdia, a fidelidade. Eis o que era preciso praticar em primeiro lugar,
sem contudo deixar o restante’ (Mt 23,23).
Justiça, misericórdia, fidelidade. Amor ao próximo – inclusive aos
inimigos. Amor ao próximo até dar a vida pelos amigos. Orar pelos
que nos perseguem. Perdoar até setenta vezes sete. ‘Eis o
que era preciso praticar em primeiro lugar’.
O erro dos fariseus, que se explicita nas
suas palavras e nos seus atos (porque ‘pelos seus frutos os conhecereis’,
cf. Mt 7,20), é um erro de priorização.
Nos tempos atuais, como em qualquer outro
tempo, esses erros continuam a ser cometidos na priorização da forma, do
protocolo, da regra, que, mesmo sendo necessários, não podem jamais
sobrepor-se ao amor. Afinal, é só a serviço do amor que existem as formas
boas de comportamento.
O papa Francisco vai a Cuba? Não pode. É comunista. Mas e o amor ao próximo?
Não pode. É comunista. Mas como ajudar os cubanos a viverem a fé com liberdade
sem ir até as causas da sua falta de liberdade para superá-las com amor,
misericórdia, justiça? Não pode. É comunista.
O papa Francisco se encontra com o
patriarca Kirill? Não
pode. É laranja da KGB. Mas e a reconciliação? E o pedido de Cristo ‘para
que todos sejam um’? Não pode. É laranja da KGB. Mas a Igreja ortodoxa
existe há mil anos, séculos e séculos antes do surgimento da KGB. Não pode. É
laranja da KGB.
O papa Francisco escreve uma encíclica
sobre o cuidado da nossa casa comum? Não pode. É New Age, ecologismo e comunismo
verde. Mas Deus não nos confiou o cuidado responsável da criação já no primeiro
livro da Bíblia? Não pode. É New Age, ecologismo e comunismo verde. Mas Jesus
mesmo não estava sempre em contato com a natureza, não contemplava e citava
constantemente em suas parábolas e discursos as sementes, os ramos, as árvores,
os campos, os lírios, as flores, o trigo, os frutos, o mar, os pássaros? Não
pode. É New Age, ecologismo e comunismo verde. E São Francisco de Assis, que
chamava de irmãos e irmãs o sol e a lua e os animais e plantas? Não pode. É New
Age, ecologismo e comunismo verde.
O papa Francisco fala de justiça na
distribuição dos bens materiais? Não
pode. É teologia da libertação. O papa defende uma economia a serviço das
pessoas e não pessoas a serviço da economia? Não pode. É teologia da
libertação. Ir até as periferias da existência, promover a equidade no acesso
aos recursos, garantir uma sobrevivência digna, derrotar o pecado gravíssimo da
usura e da ganância? Não pode. É teologia da libertação.
O papa Francisco denuncia a cultura do
descarte e da coisificação dos seres humanos? Não pode. É obscurantismo e insensibilidade
reacionária. O papa arremete contra a irresponsabilidade no desfrute
inconsequente do sexo? Não pode. É obscurantismo e insensibilidade reacionária.
O papa reitera que o aborto é um crime abominável, perpetrado em nome do
egoísmo, do utilitarismo e da eugenia, que inventaram o suposto ‘direito’
a ter ‘filhos perfeitos’, como se uma vida humana fosse comparável a um ‘sonho
de consumo’? Não pode. É obscurantismo e insensibilidade reacionária.
O papa Francisco reafirma a doutrina moral
da Igreja? Não pode. É dogmatismo e
intolerância. Ele reitera que o sacerdócio instituído por Cristo foi confiado
somente aos seus discípulos homens? Não pode. É dogmatismo e intolerância. O
papa Francisco reafirma que o matrimônio – não só cristão, mas natural – é
exclusivamente entre um homem e uma mulher, é indissolúvel e é aberto à vida?
Não pode. É dogmatismo e intolerância.
O papa Francisco prioriza a misericórdia
na pastoral familiar? Não
pode. É modernismo, heresia e sentimentalismo. Os casais em segunda união devem
receber compreensão, amor e misericórdia, precisamente porque é necessário
testemunhar ao mundo o compromisso indissolúvel do matrimônio para as próximas
gerações? Não pode. É modernismo, heresia e sentimentalismo. Os homossexuais
não devem ser julgados e condenados, mas sim acolhidos com respeito,
fraternidade e amor cristão? Não pode. É modernismo, heresia e sentimentalismo.
Mas Cristo não andava com as prostitutas, pecadores e publicanos? Não pode. É
modernismo, heresia e sentimentalismo. Mas Cristo não acolhia e oferecia amor e
misericórdia a samaritanos, pagãos e romanos drasticamente imorais? Não pode. É
modernismo, heresia e sentimentalismo.
O papa Francisco pede acolhimento para
migrantes e refugiados? Não
pode. São terroristas infiltrados. O papa mandou abrir as portas das igrejas de
todo o mundo para acolher os refugiados, ainda que não sejam cristãos, ainda
que sejam muçulmanos? Não pode. São terroristas infiltrados. Mas muitos deles
são crianças. Não pode. São terroristas infiltrados. Mas milhares deles, mesmo
muçulmanos, estão sendo perseguidos, torturados e assassinados em seus países.
Não pode. São terroristas infiltrados. E as obras de misericórdia? Não pode.
São terroristas infiltrados.
O papa Francisco pede ecumenismo entre os
cristãos e diálogo civilizado e amoroso com as outras religiões? Não pode. É estupidez, frouxidão e traição. Mas
como é que os não cristãos vão conhecer a Cristo se os cristãos não O
testemunharem na prática? Não pode. É estupidez, frouxidão e traição. E como
vai brilhar a nossa luz diante dos homens se a escondemos deles, recusando-nos
até a manter contato? Não pode. É estupidez, frouxidão e traição.
Os fariseus de esquerda e direita estarão
sempre a postos para condenar a justiça, o amor e a misericórdia em
nome de regras e protocolos, esquecendo que as regras e protocolos só fazem
sentido quando baseadas precisamente na justiça, no amor e na misericórdia.
Diante da tentação constante do farisaísmo
de direita e de esquerda, sejamos justos, amemos e
pratiquemos a misericórdia.
Afinal, ‘ainda que eu falasse as
línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como o bronze que soa,
ou como o címbalo que retine’ (I Coríntios 13,1).
Afinal, ‘ama e faz o que queres’
(Santo Agostinho), porque, se amas de verdade, só vais querer fazer o melhor
pelo próximo.
Amemos. Com obras. Na prática. Inclusive
aos inimigos. Até dar a vida. Isto é o Evangelho. Isto é o cristianismo.
O resto é ideologia farisaica.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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