Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘Falar para o próprio gueto não
é uma tarefa difícil. Na verdade, a meu ver, mostra-se como uma das coisas mais
fáceis de se fazer. Afinal, todas as pessoas pertencentes ao gueto estão
cientes dos termos usados, das construções argumentativas, dos pressupostos
históricos etc., o que faz com que qualquer discurso feito por um dos/as
membros/as seja facilmente compreendido.
Em qualquer área tal
característica funciona do mesmo jeito. Basta ver, por exemplo, um grupo de
profissionais de TI conversando, ou um grupo de antropólogos, filósofos,
matemáticos etc. Em outras palavras, cada grupo tem seu linguajar próprio e seu
campo semântico apropriado que, uma vez que determinada pessoa entra em tal
grupo, a comunicação se dá quase que exclusivamente dentro de tais parâmetros
Com a teologia isso não é
diferente, obviamente. Durante séculos, principalmente no Ocidente, o
cristianismo forjou sua própria linguagem teórica e especulativa. Qualquer
leitura da história da Igreja mostra o quanto as primeiras comunidades cristãs
tiveram que se haver com os diversos questionamentos feitos pelos que não
pertenciam à nova seita que se inaugurava. A partir de tais questionamentos,
por sua vez, a teologia cristã criou um arcabouço teórico-conceitual muito
vasto, utilizando-se desde a filosofia grega até, em tempos modernos, a própria
ciência.
No entanto, embora esse
processo tenha sido necessário e importante para a consolidação do próprio
cristianismo como religião no Ocidente, também tal procedimento transformou, em
vários aspectos, a teologia em um gueto, cujo discurso só faz sentido para
teólogos e teólogas contemporâneas.
Todavia, se voltarmos à
mensagem de Jesus e aos Evangelhos, perceberemos que Jesus não era um ‘intelectual’,
alguém que citava conceitos e fazia a concatenação sistemática de seu ensino.
Muito pelo contrário, Jesus era simples, andava com as pessoas simples e falava
uma linguagem simples.
O ensinamento de Jesus era
narrativo, e por meio dessas narrativas falava sobre quem é Deus, o que Ele
espera de seus filhos e filhas, que tipo de relação gostaria de estabelecer com
o mundo etc. Por meio das parábolas, atingia o seu meio, que era composto por
camponeses/as e pessoas que lidavam com o serviço braçal e com a terra, de
maneira que só poderiam entender a mensagem se esta estivesse em uma linguagem
que fizesse sentido para elas.
Isso quer dizer que deva jogar
fora todo arcabouço teórico-conceitual do cristianismo, como se não valesse
nada e fosse mera deturpação da fé genuína? Claro que não. No entanto,
mostra-se extremamente importante não transformar a sistematização na mensagem,
como se somente se compreendessem os conceitos se pudesse, então, viver uma fé
verdadeira.
A Boa Nova sempre precisa ser
boa para quem a escuta e não para quem a fala. Nesse sentido, enquanto a
teologia continuar falando somente a partir de sua linguagem rebuscada e de
difícil compreensão, ao invés de ser instrumento para levar a mensagem de
Jesus, será um entrave para aqueles e aquelas que querem se achegar à Deus. Em
outras palavras, se consolidará como mais um gueto dentre tantos outros
existentes no mundo.
Conhecer o conceitos é
importante? Sim. Saber a história da construção dos dogmas e das teologias?
Também. Estudar teologia seriamente é necessário? Sim, sem dúvida. Mas nenhuma
dessas questões pode se tonar maior que a mensagem simples do Evangelho que
afirma que Deus ama o mundo e reconciliou consigo a humanidade, desejando se
relacionar com ela. Essa Boa Nova é simples e deve, sempre que possível, ser
narrada de maneira que as pessoas de nosso tempo a entendam.’
Fonte : *Artigo
na íntegra
https://domtotal.com/noticia/1559360/2022/01/transformamos-a-teologia-em-gueto/
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