Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘Somos seres capazes de razão e
linguagem verbal. Essas características, talvez, sejam as mais marcantes dentro
do gênero humano. Embora saibamos que os animais tenham em alguma medida certa
forma de racionalidade, seria ingênuo pensar que o poder de síntese,
representação, conceituação etc. seja o mesmo que os dos seres humanos.
Essa capacidade de raciocinar e de
verbalizar traz, ou pelo menos deveria trazer, grande responsabilidade para a
humanidade. Afinal, é sobre ela que recai o dever de conservação do planeta e
de promoção de igualdade e justiça social entre si, mesmo eu suspeitando que se
a conservação do planeta fosse deixada a cargo dos animais ele estaria em
melhores condições do que hoje.
Da mesma forma que tais capacidades
implicam responsabilidade, também permite pensar algo que está para além de
nós, ou seja, pensar questões que consideramos como fulcrais e existenciais, do
tipo ‘de onde viemos?’, ‘para onde vamos?’, ‘qual o sentido da
vida?’, dentre várias outras que tratam do âmago da existência humana.
Ao pensar nelas também surge em muitas
culturas as questões das divindades. Mesmo que para uma sociedade pós-cristã a
ideia de Deus, tal como cunhada na Antiguidade, esteja se arrefecendo, de
maneira que em muitos lugares e para muitas pessoas a ideia de acreditar em
algo assim seja considerado infantil, não racional, e que remete às carências
mal resolvidas, ainda há um longo caminho até que tal pensamento se torne
mundial, se é que tal evento um dia acontecerá.
Ao mesmo tempo, alguns estudos tentam
mostrar certo gene da crença. Ou seja, a ideia de que haveria no ser humano
algo que lhe fosse inato e que o predisporia a ter fé em alguma coisa que
esteja para além dele. Por mais problemático que tal tentativa de explicar a fé
por meio científico possa ser (até mesmo porque o termo fé é polissêmico),
serve como exemplo de como tal questão se mostra como incômodo para muitas
pessoas ainda na contemporaneidade. Em outras palavras : diante do fato de que
o ser humano desenvolve a fé, pensar como isso é possível se mostra como
desafio para ciência e diversos estudiosos sobre a temática.
No cristianismo também se pensa e fala
sobre a questão de Deus. Mesmo que Deus seja um pressuposto para nós, ainda
assim ele se coloca como questão que dá a pensar, principalmente quando a fé
cristã afirma que esse Deus se encarnou na pessoa de Jesus Cristo. Diante
disso, falar a respeito de Deus se torna também falar a respeito do ser humano
Jesus de Nazaré. Claramente, isso não transforma toda a teologia em
antropologia, como queria Feuerbach no século 19. Antes, a encarnação, morte e
ressurreição de Jesus (pilares da fé cristã) revelam que compreender e realizar
a vontade de Deus passa, necessariamente, pela humanidade, não se encerrando
nela própria, visto que a ressurreição aponta para algo para além de nós, que
vem da parte de Deus, que é a nova criação de todas as coisas.
Afirmar a humanidade de Deus em Jesus
Cristo implica dizer que tudo aquilo que é referente ao humano toca a divindade
do próprio Deus, de maneira que se torna impensável, na esfera cristã, um Deus
que seja distante e que viva em seu mundo, indiferente às realidades do ser
humano. Em outras palavras, torna-se impensável um Deus que não seja capaz de
sofrer com o sofrimento da humanidade.
Nesse sentido, a afirmação de um Deus
que deseja o mal ou planeja a morte de pessoas por uma pandemia para ensinar a
humanidade sobre o quão prejudicial é não o obedecer é uma aberração. Um Deus
assim não experimentou a humanidade, o sofrimento, a dor, a alegria e o desespero
que são próprios de seres como nós.
Se como cristãos pensamos e narramos
Deus como sendo amor, então tudo aquilo que oprime a humanidade também causa
sofrimento no ser de Deus, visto que, de acordo com os Evangelhos, ele não está
distante de nós, mas está em nós, caminhando conosco e nos fortalecendo na
caminhada.
Urs von Balthasar dizia que só o amor
é digno de fé. Assim, somente quando se volta à linguagem do amor enquanto ato
que visa o bem para o próximo, com ações efetivas em favor dos que sofrem é que
se pode dizer que ali estão os seguidores e seguidoras do Pai de Jesus Cristo,
também chamado de Deus pelos cristãos.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1503725/2021/03/pensar-e-falar-sobre-deus-enquanto-caracteristica-humana/
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