Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Entrevista de Gerard O'Connell para a revista AMERICA
‘Apesar dos significativos riscos
relativos à segurança e à pandemia, o Papa Francisco visitará o Iraque de 05 a
08 de março. Ele está indo ‘para consolar e encorajar’ os católicos,
cristãos e outras minorias religiosas, bem como as pessoas de maioria muçulmana
que tem sofrido muito com a guerra, terrorismo e perseguição. Ele vai para
promover a paz e ‘oferecer um mapa para o futuro das relações inter-religiosas
e para o futuro do mundo’.
Isso é o que o cardeal Leonardo
Sandri, prefeito do Vaticano da Congregação para as Igrejas Orientais, disse à
revista América em entrevista recente. O cardeal argentino visitou o Iraque em
2012 e 2015, e acompanhará Francisco na primeira visita de um papa ao que o
cardeal chama de ‘terra martirizada’.
‘A visita acarreta riscos, e o Papa
corre os riscos porque se vê como pastor, como pai, como quem vai a quem está
em dificuldade’, disse o cardeal. ‘Quanto à segurança, acredito que o
governo iraquiano tomará todas as medidas para garantir que a visita seja
tranquila’. Ele reconheceu que os membros do Daesh começaram a se reagrupar
sob a cobertura da pandemia, enquanto os estadunidenses se retiravam, e
realizavam ataques suicidas em Bagdá.
O papa, disse o cardeal Sandri, está
mais preocupado com a pandemia do que com sua própria segurança : ‘Francisco
diz : ‘Se eu for e muitas pessoas vierem me cumprimentar, isso causará
contágio. Eu não quero isso’’. Depois que esta entrevista foi conduzida, o
governo iraquiano impôs um bloqueio definido para durar de 18 de fevereiro a 8
de março para conter a disseminação da covid-19. Posteriormente, eles mudaram o
fim do bloqueio para 4 de março – um dia antes da chegada do papa.
Ele descreveu a visita de Francisco
como sendo ‘em continuidade’ com o desejo do Papa João Paulo II, que
queria visitar Ur – a pátria de Abraão, considerado o pai da fé em um Deus no
Judaísmo, Cristianismo e Islã – durante o Grande Jubileu Ano 2000, mas não foi
possível.
João Paulo II fez o possível para impedir a guerra contra o Iraque
O cardeal Sandri lembrou como em 2003,
quando era chefe de gabinete da Secretaria de Estado do Vaticano, João Paulo II
fez tudo que lhe era possível para impedir a guerra contra o Iraque; ele enviou
o cardeal Roger Etchegeray para falar com o presidente Saddam Hussein e o
cardeal Pio Laghi para falar com o presidente George W. Bush, mas ‘foi
incapaz de evitar os atentados’.
O cardeal se referiu ao Iraque como
uma ‘terra martirizada’ e falou sobre o quanto sofreu com ‘terrorismo,
violência, bombardeios e perseguição entre os diferentes componentes da
sociedade iraquiana’. Ele lembrou que o Papa Bento XVI realizou um sínodo
de bispos para o Oriente Médio que terminou em 30 de outubro de 2010, e no dia
seguinte, 31 de outubro, ‘um terrível atentado foi perpetrado pelo Daesh na
catedral sirio-católica de Bagdá enquanto as pessoas oravam, e a explosão
deixou mais de 50 mortos – padres, leigos e crianças’.
‘A causa de sua beatificação agora foi
aberta’, disse ele, e o Papa Francisco ‘visitará esta catedral e prestará
homenagem a esses mártires’.
‘Francisco quer trazer consolo,
proximidade, fraternidade, abertura, amizade a este povo que tanto sofreu e à
Igreja Católica e aos cristãos católicos desta terra que sofreram de uma forma
que os deixou dizimados’, cardeal Sandri disse. Ele explicou que esses
cristãos estão divididos em diferentes ritos : caldeus, sirio-católicos,
latinos, armênios e melquitas. Existem também outros cristãos que não são católicos,
incluindo os membros da Igreja Ortodoxa Síria do Oriente, bem como luteranos e
anglicanos.
Ele lembrou que antes da invasão dos
EUA em 2003 havia 1,5 milhão de cristãos iraquianos, mas hoje existem, no
máximo, 500 mil. ‘O número é fluido’, disse ele. Outras fontes dizem de
250 mil a 300 mil.
Embora reconhecer a situação ‘seja
difícil’, o cardeal espera que o êxodo não continue e que ‘o Oriente
Médio e o Iraque não tenham ficado sem cristãos’.
‘É importante também’, disse
ele, ‘o Papa Francisco querer agradecer a esses bispos pelo exemplo que
deram, sendo fiéis ao seu ministério de pastores e não abandonando seu rebanho.
Eles não foram embora; eles ficaram lá com seu rebanho e resistiram o melhor
que puderam nas circunstâncias. Eles deram um exemplo de bom pastor para toda a
igreja’.
O cardeal Sandri disse que o papa
costuma falar ‘do martírio dos cristãos na época atual’ e que ‘em
alguns momentos é pior do que as perseguições no período inicial do
cristianismo’.
Durante a visita do cardeal Sandri, em 2012, houve um ataque que
deixou 40 mortos
Ele lembrou sua primeira visita ao
Iraque em dezembro de 2012, em nome do Papa Bento XVI, para a reconsagração da
catedral sirio-católica em Bagdá que foi destruída no ataque terrorista. De lá,
ele viajou para Kirkuk e Erbil em um caminhão protegido pelas forças militares.
Ao chegar a Kirkuk, ele disse : ‘Encontrei
o bispo Louis Raphaël I Sako [agora o patriarca caldeu], e a primeira coisa que
ele fez foi me levar à mesquita para um encontro com os imãs sunitas e xiitas,
onde havia fizeram discursos de boas-vindas, aos quais eu tive que responder, e
eles me presentearam com uma cópia do Alcorão. E então poderíamos ir para a
catedral – mas primeiro a mesquita’.
Comentando aquela visita, ele disse : ‘Para
nós, é um outro mundo, acostumados como estamos a ter a liberdade de andar, de
ir e vir. Mas aí está um mundo de segurança’. Ele lembrou que durante a
concelebração da missa com o patriarca na catedral de Kirkurk, ‘houve uma
explosão terrível. Houve um ataque a cerca de 20km de distância que deixou 40
mortos’.
Na sua segunda visita em 2015, ele foi
a Dujoq, próximo a Mosul, onde visitou cristãos que fugiram do Daesh. Ele não
poderia entrar em Mosul, que ainda não havia sido libertado do Daesh. Durante
sua visita, ele viu ‘a grande importância da generosidade do mundo católico
[em prover assistência para aqueles cristãos em sofrimento]’. Ele revelou
que o Papa Francisco ‘destacará’ essa generosidade convidando Regina
Lynch, diretora do projeto da Ajuda à Igreja que
Sofre, para acompanhá-lo no voo.
O cardeal Sandri enfatizou que a
visita do Papa Francisco não é apenas para católicos e outros cristãos, tem
também ‘uma importante dimensão do diálogo inter-religioso com os muçulmanos’.
Ele disse que Francisco não trará
apenas ‘o apelo de João Paulo II à paz’, mas também as ideias da
encíclica ‘Fratelli Tutti’ e a declaração sobre a fraternidade humana
que ele assinou em Abu Dhabi com o Grande Imã de Al-Azhar. Em outras palavras,
disse o cardeal, ‘ele trará um anúncio pela paz e um roteiro concreto para o
futuro das relações inter-religiosas e para o futuro do mundo’.
O cardeal observou que ‘estamos
sempre pensando em um novo mundo de justiça, uma nova terra, novos céus’,
mas isso requer ‘a possibilidade de que todas as pessoas possam trabalhar
juntas, seja qual for a religião a que pertençam’. Mas, disse ele, ‘hoje
temos – graças também ao magistério do Papa Francisco – uma maior consciência
social, que se reflete também nas grandes personalidades da política e da
economia mundial, que dizem que não podemos continuar assim, com todas as
injustiças e discriminações que temos’.
Para ele, ‘a visita do Papa
Francisco tem um valor constitucional para o futuro do mundo, um projeto, uma
mensagem a que se pode agarrar para sair do abandono do mundo presente, com
todas as suas desigualdades, injustiças, pobreza, discriminações e assim por
diante. É o roteiro para o futuro da humanidade’.
Quando há um ataque em Bagdá, a maioria das vítimas são muçulmanos
O Papa Francisco viajará para Najaf em
6 de março para visitar o aiatolá Ali al-Sistani, a autoridade mais
reverenciada não apenas pelos xiitas iraquianos (cerca de 55% dos muçulmanos
iraquianos), mas também por muitos outros muçulmanos neste país e no mundo. O
cardeal não sabia se vão assinar um documento, mas, disse, ‘em qualquer caso
o documento será a foto dos dois juntos, o encontro será por si mesmo a
mensagem’.
O cardeal Sandri acredita que a visita
de Francisco ao Iraque ‘tem enorme importância porque o Oriente Médio é
dominado pela presença do Islã em suas diferentes formas, sunita e xiita e
outros também’. Significa ‘o respeito do Papa pelo Islã em um país onde
os muçulmanos também foram vítimas dessa situação. Não apenas católicos,
cristãos, mas muitos muçulmanos também sofreram o martírio pelo terrorismo, as
guerras destruidoras, divisões entre si, e quando há um ataque em Bagdá, a
maioria [das vítimas] são muçulmanas’. O cardeal sente que ‘o respeito
do papa por este mundo dominado pelo Islã [...] está produzindo um sentimento
de abertura ao papa e de amizade à Igreja Católica’.
O Papa Francisco está ansioso para
visitar o Iraque, e o governo iraquiano deseja muito que ele venha. Solicitado
para explicar isso, o cardeal disse : ‘O Iraque precisa superar uma fase em
que está considerado em estado de morte por causa de tudo o que lhe aconteceu
por causa de guerras, terrorismo, perseguições e poder dizer : ‘Não somos mais
isso’. A visita do papa traz a conotação de que ‘o país está saindo desse
estado [de morte], ou saiu dele’. A visita do papa é uma espécie de carimbo que
diz ‘venha’’.
O cardeal acrescentou : ‘Esperamos
que durante a visita isso se concretize, que eles respeitem o Papa e que nada
de inconveniente aconteça do ponto de vista da segurança’.
Questionado sobre o que consideraria
sinais de uma visita bem-sucedida, o cardeal Sandri disse que não considera
multidões como um indicador de sucesso e, em qualquer caso, ele não espera ver
isso no Iraque, não mais do que vimos quando João Paulo II foi para a Grécia.
Em vez disso, ele vê ‘o fato de que o papa se curva em nome da Igreja e
assume sobre seus ombros, como vigário de Cristo, essa humanidade sofredora, e
leva esse peso, esse povo, que está se movendo para um sucesso que não é
mostrado por multidões’.
Além disso, ‘é uma visita que já
abriu portas’, disse, e ‘tem a possibilidade de abrir ainda mais portas
para que se cumpra o desígnio de Deus, que deseja que vivamos como irmãos’.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/periscopio/2304/2021/02/os-perigos-que-aguardam-o-papa-em-viagem-historica-ao-iraque/
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