quarta-feira, 6 de maio de 2020

Qual o problema se meu próximo morrer?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Padre celebra exéquias em cemitério
Padre celebra exéquias em cemitério

*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante


O livro do Gênesis, em um dos seus primeiros relatos, narra a relação entre Caim e Abel. Ela é largamente conhecida e diversos sermões foram feitos a respeito das ofertas oferecidas por um e outro, da aceitação por Deus da oferta de Abel e recusa da de Caim.

Algo importante a ser lembrado é que o texto mostra o conselho dado por Deus a Caim para que ele estivesse atento, uma vez que o mal estava à sua porta, cabendo-lhe deixar dominar por este ou não (cf. Gn 6,7). A liberdade humana, a partir desse conselho divino, coloca-se como fator fundamental na relação da humanidade com o mal. Somente o ser humano pode decidir a respeito do mal que faz ao seu próximo e a si mesmo, trazendo sobre si a consequências de seus atos.

Diante do mal cometido, como nos mostra a narrativa, Caim ao ser questionado por Deus responde com uma pergunta descarada em relação ao destino de Abel : ‘Acaso sou eu o guardião do meu irmão?’ (Gn 4,9). À resposta sem vergonha de Caim segue a acusação e o julgamento divino sobre ele.

Em tempos de pandemia, nos quais se demanda isolamento social para que a curva do gráfico de contágio diminua e o sistema de saúde não entre em colapso, vemos diariamente pessoas que reverberam a mesma pergunta de Caim frente à indagação de Deus sobre seu irmão. Mesmo sabendo das recomendações de isolamento, acreditam que o mal não chegará a eles e, por isso, consideram que não há nada de errado em fazer somente uma saída para encontrar amigos e familiares ou para fazer exercício ao ar livre. De alguma forma, é como se dissessem juntamente com Caim : ‘que tenho eu a ver com meu irmão? Acaso sou guardião dele? Devo me importar com o que lhe acontece?’.

Ao contrário de Caim, que matou seu irmão por inveja, tais pessoas escolhem matar seus irmãos e semelhantes por puro egoísmo e satisfação de seus prazeres momentâneos, acreditando que suas demandas e necessidades de encontro, lazer etc. são mais importantes e urgentes do que o bem-estar da sociedade em que vivem.

Escolhem não perceber que suas atitudes (a princípio super bem intencionadas) colocam em risco a vida das pessoas que amam, podendo até mesmo levá-las à morte. Neste sentido, como Caim, tornam-se responsáveis por sangue inocente, simplesmente por sucumbirem aos seus desejos e pseudonecessidades.

Sabemos que são tempos difíceis e que se manter longe das pessoas que amamos é algo complicado neste tempo. Contudo, é importante seguir as orientações de isolamento social para que menos pessoas sejam afetadas pelo vírus e, consequentemente, aquelas que o forem possam ser tratadas e se recuperadas mais facilmente.

O bem-estar social neste momento é mais importante que o bem-estar individual (algo difícil de ser assimilado por uma sociedade egoísta como esta em que vivemos). Contudo, praticar isso neste momento pode ser a única forma capaz de salvar a todas as pessoas que amamos. Como mostra o texto, somente nós podemos escolher o mal ou o bem que fazemos. Deus não escolherá por nós e também não tirará as consequências dos atos que tomarmos.

Longe de querer causar medo em Caim, o conselho de Deus visava, como sempre, ao ajuste de sua rota para que trilhasse no caminho correto. Da mesma forma, a pregação de isolamento atual não é para gerar alarmismo e desespero, mas visa justamente salvar vidas e garantir que a sociedade possa se reerguer o quanto antes desse mal que nos assola.


Fonte :
*Artigo na íntegra

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