Padre celebra exéquias em cemitério
*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘O livro do Gênesis, em um dos seus primeiros relatos, narra a
relação entre Caim e Abel. Ela é largamente conhecida e diversos sermões foram
feitos a respeito das ofertas oferecidas por um e outro, da aceitação por Deus
da oferta de Abel e recusa da de Caim.
Algo importante a ser
lembrado é que o texto mostra o conselho dado por Deus a Caim para que ele
estivesse atento, uma vez que o mal estava à sua porta, cabendo-lhe deixar
dominar por este ou não (cf. Gn 6,7). A liberdade humana, a partir desse
conselho divino, coloca-se como fator fundamental na relação da humanidade com
o mal. Somente o ser humano pode decidir a respeito do mal que faz ao seu
próximo e a si mesmo, trazendo sobre si a consequências de seus atos.
Diante do mal cometido, como
nos mostra a narrativa, Caim ao ser questionado por Deus responde com uma
pergunta descarada em relação ao destino de Abel : ‘Acaso sou eu o guardião
do meu irmão?’ (Gn 4,9). À resposta sem vergonha de Caim segue a acusação e
o julgamento divino sobre ele.
Em tempos de pandemia, nos
quais se demanda isolamento social para que a curva do gráfico de contágio
diminua e o sistema de saúde não entre em colapso, vemos diariamente pessoas
que reverberam a mesma pergunta de Caim frente à indagação de Deus sobre seu
irmão. Mesmo sabendo das recomendações de isolamento, acreditam que o mal não
chegará a eles e, por isso, consideram que não há nada de errado em fazer
somente uma saída para encontrar amigos e familiares ou para fazer exercício ao
ar livre. De alguma forma, é como se dissessem juntamente com Caim : ‘que
tenho eu a ver com meu irmão? Acaso sou guardião dele? Devo me importar com o
que lhe acontece?’.
Ao contrário de Caim, que
matou seu irmão por inveja, tais pessoas escolhem matar seus irmãos e
semelhantes por puro egoísmo e satisfação de seus prazeres momentâneos,
acreditando que suas demandas e necessidades de encontro, lazer etc. são mais
importantes e urgentes do que o bem-estar da sociedade em que vivem.
Escolhem não perceber que
suas atitudes (a princípio super bem intencionadas) colocam em risco a vida das
pessoas que amam, podendo até mesmo levá-las à morte. Neste sentido, como Caim,
tornam-se responsáveis por sangue inocente, simplesmente por sucumbirem aos
seus desejos e pseudonecessidades.
Sabemos que são tempos
difíceis e que se manter longe das pessoas que amamos é algo complicado neste
tempo. Contudo, é importante seguir as orientações de isolamento social para
que menos pessoas sejam afetadas pelo vírus e, consequentemente, aquelas que o
forem possam ser tratadas e se recuperadas mais facilmente.
O bem-estar social neste
momento é mais importante que o bem-estar individual (algo difícil de ser
assimilado por uma sociedade egoísta como esta em que vivemos). Contudo,
praticar isso neste momento pode ser a única forma capaz de salvar a todas as
pessoas que amamos. Como mostra o texto, somente nós podemos escolher o mal ou
o bem que fazemos. Deus não escolherá por nós e também não tirará as
consequências dos atos que tomarmos.
Longe de querer causar medo
em Caim, o conselho de Deus visava, como sempre, ao ajuste de sua rota para que
trilhasse no caminho correto. Da mesma forma, a pregação de isolamento atual
não é para gerar alarmismo e desespero, mas visa justamente salvar vidas e
garantir que a sociedade possa se reerguer o quanto antes desse mal que nos
assola.’
Fonte :
*Artigo na íntegra
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