*A partir de texto de Martín Ugarteche Fernández, via A12
‘Martín
Ugarteche Fernández escreveu um texto no qual explica a diferença entre a
introversão e um conceito que pode soar novo para muita gente : a ‘deoversão’.
O
texto parte de um livro escrito pelo Padre Penido sobre o cardeal Newman, no
qual, entre vários outros aspectos da personalidade do santo inglês, ele
destaca a ‘deoversão’. Trata-se, à primeira vista, de uma ‘modalidade
da introversão’, mas há notável diferença entre os dois conceitos : a
introversão consiste em ficar ensimesmado, ‘voltado para dentro de si mesmo’,
enquanto a ‘deoversão’ é um voltar-se para Deus, é um movimento interior
em direção a Ele, uma espécie de subida que se faz na experiência de comunhão
com Ele.
Ambos
os conceitos têm a ver com o silêncio, mas a ‘deoversão’ envolve
um silêncio muito mais profundo que a simples ausência de palavras : é a
capacidade de estarmos atentos e guardar os fatos no coração, a exemplo de
Maria, Mãe de Jesus e nossa.
O
homem e a mulher silentes discernem quando é conveniente falar e quando é
conveniente calar. O critério fundamental para este discernimento é a caridade.
Às vezes, esse desejo pode responder a uma necessidade que temos de estar a sós
com Deus, de ouvir com mais clareza a Sua voz, de deixar que a Sua Palavra
acaricie e renove o nosso coração, depois de um momento muito intenso de
atividade. Se este for o caso, não querer falar parece plenamente justificado
e, inclusive, pode ser uma manifestação de um chamado especial que Deus nos faz
neste momento particular da nossa vida.
A ‘deoversão’
deveria ser uma experiência comum entre nós, cristãos, já que, desde o nosso
Batismo, a Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – habita em nosso
coração. Ao fazermos um movimento de ‘introspecção’, de reentrar em nós
mesmos, a nossa experiência deveria ser de profunda comunhão com Deus,
que ‘é mais íntimo a mim do que eu mesmo’, como dizia Santo Agostinho.
Esta
constatação de que a solidão não é o mais profundo em nós, já que fomos criados
à imagem e semelhança de Deus e fomos feitos partícipes do amor trinitário por
meio do nosso Batismo, também está presente numa das obras literárias de Karol
Wojtyla, que depois veio a se tornar o Papa São João Paulo II : referimo-nos à
sua obra teatral ‘Raio de paternidade’ :
‘Não me fizestes como um ser fechado, não me fechastes totalmente. A
solidão não está, de fato, no mais profundo do meu ser, mas emerge num ponto
bem preciso’.
Muitas vezes, em nossa vida, a resposta mais adequada às
situações e pessoas com as quais lidamos é realmente a de calar, a de rezar e
pedir a Deus alguma luz, antes de dizer ou fazer alguma coisa concreta. Isto não significa isolamento, mas
reverência e constatação de que precisamos da ajuda de Deus para sermos de
ajuda aos outros. Pode ser que, em algumas situações, realmente Deus nos peça a
nossa intervenção, inclusive através de uma correção fraterna. Os mestres espirituais
dizem que isto nunca deve ser feito em momentos de ira ou exaltação, mas quando
estamos tranquilos. A outra pessoa deve perceber que a nossa intenção é
realmente ajudar. Mesmo assim, a nossa correção pode não ser bem aceita num
primeiro momento. Isso foi previsto por Nosso Senhor, quando explicou aos Seus
discípulos como devia ser feita a correção numa comunidade cristã (Cf. Mt
18,15-18).
O
máximo exemplo de silêncio nos vem do Senhor Jesus. Basta uma leitura atenta da
Sua Paixão para percebermos como o Senhor escolhe os momentos para calar e
falar, sempre visando a salvação de todos, inclusive daqueles que O
crucificaram.
Depois
d’Ele, a nossa Mãe, Santa Maria, nos oferece um elevado exemplo de silêncio.
São pouquíssimas as suas palavras nos Evangelhos, sempre reverentes e em
sintonia com a vontade de Deus. Talvez um dos momentos mais emblemáticos seja o
das Bodas de Caná, passagem que é uma verdadeira escola de silêncio e de
intimidade com Seu Filho, manifestada em gestos e palavras. O que a leva a
intervir, a pedir o milagre, é a preocupação com os noivos, própria de quem é
mãe e intercessora em favor de todos os homens e mulheres.
Peçamos
a Ela que nos ajude a viver o silêncio, a saber quando falar e quando calar, para que
tanto a fala quanto o silêncio sejam em nós uma concretização do amor, como o
foram na vida dela.’
Fonte :
*Artigo na íntegra
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