No silencioso sussurro da voz do Espírito, toda nossa realidade interior fica abençoada
*Artigo
d0 Padre Adroaldo Palaoro, SJ
‘A
festa de Pentecostes é a culminância de todo o tempo pascal. As primeiras
comunidades cristãs tinham claro que tudo o que estava se passando nelas era
obra do Espírito, e tudo o que o Espírito tinha realizado em Jesus, agora
estava realizando em cada um deles(as).
Também
para cada um de nós, celebrar a Páscoa significa descobrir a presença do
Deus-Espírito em nosso interior e na realidade que nos envolve, ora como brisa
mansa, ora como vento impetuoso.
Tanto
a ‘ruah’ hebraico como o ‘pneuma’ grego significam ar, vento,
sopro. É neutro em grego, masculino em latim (‘spiritus’), feminina em
hebraico, pois transcende, acolhe e abençoa todas as identidades de gênero. É
alento vital profundo.
Brisa
suave no sufoco, vento forte na apatia. ‘O vento sopra onde quer’, vem
de tudo e de sempre, nos leva onde não sabemos.
A
raiz da palavra ‘ruah’, nas línguas semíticas, é ‘rwh’, que
significa o espaço existente entre o céu e a terra, que pode estar em calma ou
em movimento. Seria o ambiente no qual os seres vivos bebem a vida. A terra
mesma era concebida como um ser vivo, o vento era sua respiração.
Nestas
culturas, o sinal de vida era a respiração. ‘Ruah’ veio a significar ‘sopro
vital’. Quando Deus modela o homem de barro, sopra em seu nariz o hálito de
vida.
No
Evangelho deste domingo, prolongando o sexto dia da criação, Jesus sopra sobre
os apóstolos para comunicar seu Espírito.
Pentecostes
vem nos recordar que o Espírito faz parte de nós mesmos, constitui nossa verdadeira
identidade e não tem que vir de nenhum lugar. Somos habitados por ele, está em
nós, antes mesmo que nós começássemos a existir. É o fundamento de nosso ser e
a causa de todas as nossas possibilidades de crescer em todas as dimensões da
vida. Nada podemos fazer sem ele, como também não podemos estar privados de sua
presença em nenhum momento. Todas as orações, encaminhadas a pedir a vinda do
Espírito, só tem sentido quando nos levam a tomar consciência de sua presença e
ação em nós; tais orações ativam em nós o impulso para nos deixar conduzir por
essa presença inspiradora e criativa.
Assim
é o Espírito que vibra na entranha do infinitamente grande e do infinitamente
pequeno, nesta nossa Terra e no universo sem medida. O Espírito sopra onde
quer, que é como dizer ‘em tudo’, pois ama tudo e anima tudo. É a ‘alma’
de tudo quanto vive e respira. É a esperança invencível, a aspiração
irresistível de todos os seres, sem exceção. É a energia que toma forma na
matéria e a faz matriz inesgotável de novas expressões de vida, sem fim.
Nesse
sentido, nós somos a terra propícia onde atua o Espírito. Onde há mais
carência, vulnerabilidade, pobreza... há mais e maiores possibilidades
criativas. Nenhuma situação pode afastar-nos de sua visita. Toda terra baldia é
boa para o Espírito. Ele é o buscador incansável e com um ‘sim’ ousado e
forte recria de novo nossa história, estabelecendo o ‘cosmos’ (harmonia
e beleza) em nosso ‘caos’ existencial.
As ‘terras
do Espírito’ albergam milhares de nomes : chama-se esperança para
aqueles que sonham um outro mundo possível; chama-se amada paz para aqueles que
vivem em meio à barbárie dos conflitos; chama-se liberdade para aqueles que
foram privados dos seus direitos fundamentais; chama-se justiça para aqueles
que vivem continuamente sendo espoliados e explorados; chama-se beleza, porque
tudo o que foi criado é bom e precioso; chama-se humanidade porque é neste ‘húmus-chão’
onde a presença da ‘Ruah’ transforma a existência.
No
silencioso sussurro da voz do Espírito, toda nossa realidade interior fica
abençoada : os sentimentos contraditórios, os dinamismos opostos, os
pensamentos divergentes..., se harmonizam. Ele ‘desce’ para nos
encontrar e despertar nossa vida atrofiada. Com seu toque, uma identidade nova
ressurge : não somos mais estrangeiros, nem inimigos de nós mesmos. Sua
presença dá calor e sabor à nossa existência.
São
tantas as pessoas que fazem experiência de vida no Espírito, que bebem dele,
vivem dele, muitas vezes sem saber disso; elas têm uma visão aberta e são
motivo de alegria e de cuidado para aqueles que delas se aproximam; homens e
mulheres que levam alívio ao tecido da existência humana pois, com suas
presenças, dão um toque de cor e calor à realidade; como brisa leve, situam-se
junto àqueles que atravessam momentos de desânimo, de tristeza e de fracasso...
O
Espírito é o artífice secreto de todas as cores e texturas da vida, da beleza,
que conhecemos e daquela que ainda nos aguarda. Ele é a ‘alma do mundo’
e disso só podemos fazer aproximações, vislumbres...
Reconhecemos
o Espírito pelos efeitos que provoca : sem saber de onde vem nem para onde irá,
nos golpeia e clama no sofrimento dos inocentes, grita em todos os ambientes
que maltratam a vida, ali onde não se respeita a dignidade e o valor das
criaturas. Ele nos alcança na expressão terna de um rosto, na tonalidade de uma
voz, na carícia da natureza...
Ali
onde nosso ego se esvazia, o Espírito toma o lugar que lhe pertence, desde o
princípio e para sempre.
Esse
lugar não é um espaço físico nem está situado no tempo, senão que esse lugar
está dentro, vai conosco lá onde vamos. São ‘terras do Espírito’, e
habitá-las é nossa promessa.
A
humanidade sempre sonhou e buscou a ‘terra prometida’; no entanto, esta
não se reduz a um lugar geográfico ou um espaço paradisíaco. São as ‘terras
do Espírito’, terras prometidas a todos que vivem a partir de sua própria
interioridade. É preciso descalçar-se para entrar nessas terras, fazer-se
cada vez mais leves, mais humildes, peregrinos... Quem se deixa conduzir pelo
Espírito, nenhuma terra lhe é estranha; ao contrário, tudo lhe é familiar.
Eis
que nos encontramos agora no tempo do ‘distanciamento social’, para não
nos contaminar. Imperceptíveis partículas nos ameaçam onde menos esperamos. E
procuram minar e destruir nosso sistema vital.
Mas
não devemos esquecer que há outro tipo de ‘bendito contágio’, que
procura ter acesso à nossa interioridade mais profunda : é o contágio do
Espírito, que nos envolve e nos pede que tiremos todas as máscaras com as quais
nos defendemos dele. É o Espírito que alenta (suspira) na beleza, na arte, nas
relações de amor incondicional, no cuidado compassivo, na presença solidária,
nas pessoas que ajudam desinteressadamente, na hospitalidade da vida...
Jesus
Ressuscitado, no encontro com os discípulos e com cada um(a) de nós, nos
entregou definitivamente este Espírito, sua santa Ruah que o habitava e o levou
a entregar sua vida em favor da vida.
É a
‘Ruah’ que produz o contágio espiritual e que foi derramada sobre toda a
humanidade.
A
Santa Ruah é a memória permanente do ‘sim’ do Abbá e de Jesus a todos
nós. Não somos abandonados do Amor, nem da Misericórdia de nosso Deus. Onde
menos pensamos, ali surgem sinais de um grande e apaixonado amor pela
humanidade. Tanto amou Deus o mundo, tanto amou Jesus à humanidade, que nos
entregaram o Espírito Santo, essa bendita contaminação que nos envolve por
todos os lados, para que ‘tenhamos vida em abundância’.
Santa
Ruah! Bendito contágio!
Texto bíblico : Jo
20,19-23
Na oração : Espirituais somos todos, quando deixamos que, dentro de nós, o Espírito de Deus
encontre espaço livre para mover-se, sussurrar e suscitar inquietações. Ao
habitar-nos, o Espírito não nos invade, nem se impõe.
- Se abrirmos espaço à sua presença, brota uma
sadia convivência que potencia o melhor de nós mesmos, sensibiliza nosso
coração e abre os sentidos para que fiquem mais alertas e sintonizados com
as surpresas que brotam da vida.
- No ritmo da silenciosa respiração, sinta a ‘Santa
Ruah’ tendo acesso às profundezas de seu ser, pacificando,
integrando..., despertando novas energias e impulsos criativos e rompendo
o medo, a apatia, a falta de sentido...’
Fonte :
*Artigo na íntegra
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