*Artigo do Padre Rodrigo Ferreira da Costa, SDN,
pároco de Santa Luzia, Teresina, PI
‘Há duas passagens bíblicas acerca da oração que me inquietam. A primeira é da Carta de São Paulo aos Tessalonicenses que diz : ‘Orai sem cessar’ (1Ts 5,17), a outra é o próprio Jesus ensinando aos seus discípulos a verdadeira forma de rezar que diz : ‘Quando orardes, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai que está em segredo. E teu Pai, que vê o que está em segredo, te retribuirá’ (Mt 6,6). Será que o cristão de hoje, inserido nesse mundo do barulho, da produção, do trabalho, do on-line etc. é capaz de praticar esse modo de oração? Será que estas exortações se dirigem apenas a alguns privilegiados que têm ‘tempo’ para estarem às sós com o Senhor ou não diz respeito também ao homem e à mulher do campo e da cidade, que levantam cedo para trabalhar, tomam dois, três ônibus superlotados, enfrentam trânsito, e, muitas vezes, só conseguem retornar para seus lares à noite, sendo privados do próprio convívio familiar e comunitário?
Se a nossa reposta for negativa, estaremos excluindo grande parte dos cristãos da experiência de diálogo e comunhão com o seu Senhor, haja vista que a grande maioria do nosso povo, presente em nossas comunidades de fé, vem dessa realidade. Penso que para cumprirmos esta orientação de Jesus acerca da oração, a nossa vida toda deve ser orante, nosso labor, nossas angústias e dores uma oferenda agradável a Deus e todo nosso ser um hino de louvor ao Senhor da vida. Desta forma, estaremos continuamente em comunhão com Deus e, mesmo não estando com o rosário nas mãos ou ajoelhados diante Santíssimo Sacramento, o nosso diálogo com o Amado não será interrompido.
Karl Rahner, o grande teólogo do século 20, dizia que ‘o cristão do futuro ou será um místico, alguém que experimentou Algo, ou não será mais cristão. Isso porque a religiosidade do futuro não mais se baseará numa convicção unânime, natural e pública e num costume religioso, anteriores a uma experiência e decisão pessoal.’ Portanto, o cristão do séc. 21 que quiser ser crente e mensageiro da fé precisa cultivar essa autêntica experiência de Deus, que brota do interior de nossa existência e não apenas momentos religiosos que aliviam a consciência, mas não comprometem a vida. Para muitas pessoas, ‘a vida espiritual confunde-se com alguns momentos religiosos que proporcionam algum alívio, mas não alimentam o encontro com os outros, o compromisso no mundo, a paixão pela evangelização. Assim, é possível notar em muitos agentes evangelizadores - não obstante rezem - uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor. São três males que se alimentam entre si’ (papa Francisco, EG, n. 78).
Santo Agostinho ensinando sobre a oração cristã afirma que a oração não é uma forma mágica de atrair Deus a nós, porque ‘Deus é mais interior de nós do que nós mesmos’, a finalidade da oração é abrir-nos a Deus e ao seu projeto de Reino e, na dinâmica da escuta e do diálogo, perceber a sua proximidade junto a nós. Desta forma, a oração não sai apenas dos lábios, mas do mais profundo do nosso ser, numa misteriosa correspondência entre as profundezas do coração e as alturas do céu. Faz-se necessário aprendermos a rezar com o coração, mais do que com os lábios e a cabeça, a fim de que a nossa vida toda seja um hino de louvor àquele que nos ama com amor eterno e que pede de nós este mesmo amor (cf. Dt 6, 4-6).
A oração cristã parte da experiência do encontro com o Senhor, pois ele prometeu que estaria conosco todos os dias, até o fim dos tempos (cf. Mt 28, 20). Essa presença do Senhor junto aos seus, em todos os tempos e lugares, nos faz acreditar que a vida, com toda a sua beleza e dramas, é o principal ‘altar’, no qual o crente oferece sacrifícios e preces ao seu Senhor, numa atitude de proximidade e comunhão com aquele que se fez próximo de nós, por meio do seu Filho, no Espírito. A oração cristã consiste, portanto, ‘na comunhão continuada com Deus, com quem se está sempre em diálogo, a quem se escuta em cada instante do dia e a quem se procura responder com a mais total transparência e desejo de ser obediente. Existem momentos específicos, ao longo do dia, para se entregar à oração. Entretanto, ao se dizer o amém final, a vida de oração não fica em suspenso até o próximo momento, em que se deixará tudo para ficar a sós com Deus. Antes, ela continua e, em determinadas circunstâncias, no auge da ação, poderá acontecer de forma até mais intensa e comprometedora’ (Jaldemir Vitório).
Orai sem cessar! Estejais sempre em comunhão com o seu Senhor e Amado, na escuta obediente e no diálogo amoroso com aquele que nos fala face a face, ‘como um homem fala com seu amigo’ (Ex 33, 11). Essa tarefa gratificante está ao alcance de todos, ninguém deveria se sentir excluído ou incapaz de realizá-la. Pois ‘para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra’ (papa Francisco. GE, n. 14).
Descobrir a santidade ‘ao pé da porta’ (GE, n. 07), fazer da vida ‘altar’ de oração e oferenda, encontrar Deus e deixar-se encontrar por ele no cotidiano da vida etc. não significa diminuir a importância dos momentos de oração e celebração comunitários, nem tampouco criar uma espiritualidade individualista, sem carne, sem rosto, sem comunidade. Pelo contrário, olhar a vida como forma de oração é viver uma espiritualidade encarnada na história, uma oração que toca a nossa existência e nos faz sentir animados pela força do Santo Espírito a assumir a nossa cruz de cada dia no seguimento de Jesus Cristo. Noutras palavras, se a vida não for uma verdadeira forma de oração, nossa oração não será viva, nem terá eficácia em nosso testemunho cristão no mundo.’
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