*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘Estamos
numa era tecnológica. Embora haja ainda algumas pessoas que não se habituaram a
isso, que nasceram antes da era da informática e dos computadores, é inegável
que as telas ocupam também grande parte de suas vidas. Para os nascidos após a
década de 2000 no mundo ocidentalizado, já se torna impensável um mundo sem
telas, conexão com a internet ou redes sociais. Para os mais novos, então, um
mundo sem redes sociais poderia parecer extremamente sem graça e sem nada para
fazer.
Curiosamente,
é interessante perceber que, ao mesmo tempo em que se cresce a conectividade em
redes sociais e espaços virtuais, acontece também um distanciamento das
relações pessoais e presenciais. Não é difícil encontramos grupos que dialogam
diariamente em ambiente virtual, mas que demoram anos para se encontrarem
presencialmente, face a face. Da mesma forma, não raramente se descobre que a
pessoa super descolada, inteligente e mente aberta na internet, quando
conhecida pessoalmente, revela-se preconceituosa e rasa em suas argumentações.
O
mundo online oferece essa opção. Pode-se ser nas redes e passar a imagem nos
ambientes virtuais que se quiser, mesmo não tendo nada a ver com a realidade do
dia a dia. Afinal, a rede, principalmente as mídias sociais, é o lugar de
pessoas felizes, sem problemas, sem stress, viajadas, descoladas, amigas de
todas, dentre tantos outros adjetivos que se queira colocar. O importante é não
deixar lugar para tristezas, desafetos e intempéries cotidianos, pois isso não
cabe no ambiente que todos veem. A alegria deve ser pública e o sofrimento
privado. Mesmo se compartilhado, deve ser somente para um grupo selecionado
dessas mesmas redes. Nelas não há espaço para vidas imperfeitas, devendo o
mundo sempre ser colorido, ensolarado e com um sorriso no rosto.
Embora
seja tentador esse mundo online, sair dele é importante. Afinal, o mundo real
acontece longe das telas. Nele se dá o encontro verdadeiro com o ser do outro,
com a dor da vida, com as intempéries e alegrias advindas da experiência
cotidiana e dos relacionamentos diários. Abrigar-se somente num mundo online,
esquecendo-se do mundo real, não dificilmente se mostra como fuga que muitos
buscam para não ter que lidar com o absurdo que, muitas vezes, a vida revela
ser.
Do ponto de vista teológico, diante de um mundo
virtual, com o qual cada vez mais pessoas se veem encantadas e onde desejam
habitar 24 horas por dia, acredito ser de suma importância resgatar o princípio
da encarnação e seu conceito de ‘assumir a carne do mundo’. Faz-se mister
resgatar o valor do encontro com a pessoa e não seu avatar, de maneira que haja
espaço para as alegrias e tristezas que somente uma corporeidade que se
relaciona com outra pode trazer.
Isso
não quer dizer que se deva abandonar as redes sociais ou usufruir dos
benefícios da conectividade, o que não faria sentido. O que aqui se diz
consiste na atenção ao grande perigo que há em imaginar a possibilidade de
viver o cristianismo somente online, aparte da corporeidade. Somente ações
efetivas, que tocam a realidade das pessoas – principalmente dos marginalizados
da sociedade, que em sua maioria não estão nas redes –, tornam possível a real
compreensão do princípio da encarnação.
Assim,
um suposto viver cristão que se manifesta somente nas redes e não age
efetivamente no mundo não é autêntico, mas somente culto à própria vaidade.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1426098/2020/03/conectados-na-rede-e-desconectados-do-mundo/
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