Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘O
Papa Francisco chegou ao Japão neste sábado, 23, segunda e última etapa da sua
32ª Viagem Apostólica, onde até a manhã da próxima terça-feira cumpre extensa
agenda. No contexto de sua visita, trazemos alguns dados sobre a Igreja
Católica no País do Sol Nascente, começando por alguns dados históricos.
Séculos XVI-XVIII - As origens
O
cristianismo foi introduzido no Japão no século XVI por São Francisco Xavier,
que chegou ao arquipélago em 15 de agosto de 1549 proveniente de Malaca,
acompanhado por outros jesuítas. Seguiram-se os franciscanos, os dominicanos e
os agostinianos. No arco de 60 anos, esses primeiros missionários, incluindo
outro jesuíta, o italiano Alessandro Valignano (1539-1606), conseguiram
estabelecer uma comunidade cristã próspera enraizada na fé e, ao mesmo tempo na
cultura local.
Graças
ao esforço para encontrar expressões apropriadas em japonês para tornar o
cristianismo compreensível, a comunidade católica cresceu, chegando a superar
os 300.000 fiéis para os quais, em 1588, foi instituída a Diocese de Funay. Seu
centro era a cidade de Nagasaki.
As perseguições do século XVII
Essa
primeira comunidade cristã foi quase completamente destruída pelas perseguições
iniciadas no final do século XVI com a crucificação, em 1597, de 26 mártires
cristãos (6 franciscanos, 3 jesuítas e 17 fiéis) e que atingiram seu ápice no
século XVII, um dos mais violentos na história do cristianismo.
Privados
do clero e de igrejas onde celebrar liturgias, e apesar dos massacres, alguns
cristãos japoneses conseguiram sobreviver e transmitir secretamente sua fé de
geração em geração, criando uma simbologia, ritos e uma linguagem
incompreensível fora de suas comunidades. Começou assim a era do kakure
kirishitan, os ‘cristãos escondidos’, cuja existência foi descoberta
em Urakami, cercanias de Nagasaki, em meados do século XIX quando, com
discrição e entre várias dificuldades, foram lentamente retomados os trabalhos
de evangelização confiados desta vez à Sociedade das Missões Estrangeiras de
Paris (MEP).
Séculos XIX-XX - O renascimento da Igreja no Japão
Seguiu,
em 1862, a canonização dos 26 mártires cristãos de 1597, aos quais foi dedicada
uma igreja construída em 1863 em Nagasaki pelos missionários franceses das MEP.
Após a abertura forçada ao Ocidente imposta pelos Estados Unidos e a
restauração do Império Meiji em 1871, foi introduzida a liberdade religiosa que
permitiu aos cristãos praticar sua fé. O catolicismo pode assim retomar sua
difusão livremente, particularmente nas cidades de Osaka, Sendai, a então capital
Kyoto, mas também em direção ao norte.
No
país chegaram diversas Ordens religiosas, entre os quais os jesuítas,
franciscanos, dominicanos, salesianos. Ao mesmo tempo, começava a ganhar forma
a organização eclesiástica da Igreja japonesa com a ereção das Dioceses de
Nagasaki e Osaka e da Arquidiocese de Tóquio (1891).
Em
1927, a Igreja no Japão teve seu primeiro bispo de nacionalidade japonesa, Dom
Januarius Kyunosuke Hayasaka, nomeado à frente da Diocese de Nagasaki.
Relações diplomáticas com a Santa Sé
Para
favorecer boas relações com o Império do Sol Nascente, em 1919 a Santa Sé
erigiu uma Delegação Apostólica com jurisdição também sobre a Coreia e Taiwan.
Em 1942, a própria Sé Apostólica aceitou o pedido do Imperador Hirohito para
estabelecer relações diplomáticas com o Japão, um processo interrompido pela
guerra e que se concretizou em 1952 com a elevação, por parte do Papa Pio XI,
da Delegação Apostólica ao grau de Internunciatura, seguida pela instituição da
Nunciatura Apostólica em 1966, sob o Pontificado de Paulo VI.
Uma comunidade vista por longo tempo como estranha à
cultura japonesa
Não
obstante o reconhecimento da liberdade religiosa, a presença da Igreja Católica
no Japão permaneceu discreta por um longo tempo e mesmo depois da derrota do Império
do Sol Nascente para os Aliados na Guerra do Pacífico (1945), o cristianismo
continuou a ser percebido como uma religião estranha à cultura japonesa.
Somente no final dos anos cinquenta, e especialmente após o Concílio Vaticano
II (1962-1965), uma série de iniciativas colocou no centro da evangelização no
Japão a urgência da inculturação.
A Igreja no Japão no período pós-conciliar
Partindo
da tradução dos documentos do Concílio, ela continuou com a reforma da liturgia
e com a tradução dos textos litúrgicos para o japonês; a reorganização das
estruturas administrativas da Igreja; a formação do clero, dos religiosos e dos
leigos; a promoção do diálogo ecumênico e inter-religioso; o compromisso social
e a promoção da justiça e da paz.
A
histórica visita de João Paulo II ao Japão em 1981 (23 a 26 de fevereiro), por
ocasião de sua nona Viagem Apostólica, deu um ulterior impulso ao processo de
renovação da Igreja japonesa.
A
Igreja no Japão hoje é uma pequena comunidade, mas respeitada após séculos de
perseguição
A
Igreja Católica no Japão hoje conta com 536 mil batizados, o equivalente a
cerca de 0,42% da população, de maioria xintoísta e budista. A estes somam-se
os cerca de 600 mil fiéis imigrantes residentes para trabalhar. As comunidades
católicas estão concentradas em uma área homogênea compreendida entre a Ilha de
Hirado, o arquipélago de Goto e a cidade de Nagasaki. A Arquidiocese de Tóquio
ainda detém o primado no número de fiéis, seguida por Nagasaki, Yokoama e
Osaka.
Instituições educacionais católicas canal de diálogo
inter-religioso
Como
em outras realidades asiáticas, a influência da comunidade católica vai além de
seus números muito pequenos. São sobretudo as instituições educacionais da
Igreja - incluindo a prestigiosa Universidade Sophia de Tóquio
- que fizeram com que o catolicismo, após séculos de perseguição, seja hoje uma
realidade respeitada no País do Sol Nascente, especialmente nos ambientes mais
urbanizados e instruídos. As escolas católicas são de fato frequentadas
principalmente por estudantes não-batizados, aos quais é dada a possibilidade
de se familiarizar com a cultura cristã.
Elas
são, portanto, um importante veículo de anúncio da mensagem cristã e de diálogo
intercultural e inter-religioso. Um diálogo que ao longo dos anos foi se fortalecendo,
no espírito conciliar, e conheceu um novo ímpeto com o primeiro Dia Mundial de
Oração de Assis, em 1986, no qual também participaram expoentes religiosos
japoneses budistas e xintoístas e o encontro inter-religioso dos 1987 no Monte
Hiei (Kyoto).
A presença da Igreja japonesa na esfera social
Outro
fator importante que contribuiu para a boa imagem da Igreja no Japão é o
trabalho de muitas obras de caridade católicas presentes no país. Além de
numerosas estruturas de saúde, a Igreja administra casas para idosos, centros
para desabrigados e outros serviços sociais, sobretudo nas áreas mais
abandonadas nas periferias das grandes metrópoles.
Ademais,
houve dois eventos que tornaram essa presença na sociedade japonesa mais
visível : o terremoto de Kobe em 1995 e o terremoto e o tsunami catastrófico em
Fukushima em 2011, que viram organizações católicas como a Caritas na
linha de frente nas ajudas.
O compromisso da Igreja japonesa com a paz e contra
a energia nuclear
Sempre
no campo do compromisso social, outro tema no qual a Igreja é particularmente
ativa, junto com outras Igrejas e organizações, é o da paz. Nestes últimos anos
foram os bispos a indicar com crescente apreensão o risco de que o valor da paz
inscrito na Constituição de 1946 seja deixado de lado sob a pressão de eventos
internacionais e o nacionalismo emergente.
Na
mensagem de 2015 por ocasião do 70º aniversário do fim da Segunda Guerra
Mundial, eles novamente chamaram a atenção para o retorno de uma mentalidade
belicista e reiteraram que o Japão deveria continuar a ter uma vocação especial
para a paz, recordando que o conflito mundial foi ‘uma experiência horrível
também para o povo japonês’.
Além
disso, todos os anos, de 6 a 15 de agosto, no aniversário do bombardeio atômico
de Hiroshima e Nagasaki, os bispos promovem a iniciativa de oração ‘10 dias
pela paz’, na qual em 2013 também tomou parte o cardeal Peter Turkson.
A
esse compromisso com a paz, deve-se acrescentar a crescente sensibilidade da
Igreja local para as questões ambientais, em particular após o desastre de
Fukushima que colocou novamente em discussão, na sociedade japonesa, o tema da
energia nuclear e todo o modelo de desenvolvimento seguido pelo país nessas
décadas.
Novas estratégias pastorais à luz do Concílio
Vaticano II
A
Viagem Apostólica de João Paulo II ao Japão em 1981, além de contribuir para um
maior conhecimento do catolicismo na Terra do Sol Nascente, ajudou a fortalecer
a identidade da Igreja Japonesa e a conscientização de sua missão
evangelizadora. Uma missão hoje não mais dificultada pela perseguição, mas que
permanece ainda difícil em um contexto cultural distante do mundo cristão.
Essa
consciência levou o Episcopado a redefinir suas estratégias pastorais nos anos
80, à luz das indicações do Concílio. Duas ideias as ideias de fundo : que o
Evangelho da Salvação deve ser levado a todos e que a mensagem cristã da
misericórdia, do perdão e da caridade deve chegar a toda a sociedade japonesa,
com uma especial atenção aos últimos
NICE I e NICE II
Os
Bispos indicaram, portanto, três prioridades : transformar as paróquias e
dioceses em comunidades evangelizadoras; criar estruturas de cooperação dentro
das dioceses entre as Ordens religiosas, os missionários e as comunidades nelas
presentes e convocar todas as realidades eclesiais (clero, religiosos e leigos)
em uma Convenção nacional para a promoção da evangelização (NICE).
A
primeira (NICE I) foi realizada em 1987 em Kyoto. Dela os bispos extraíram as
seguintes indicações ilustradas no documento ‘Vivamos juntos com alegria’
: a exigência de uma evangelização encarnada na realidade japonesa; a de
aprofundar a fé na vida cotidiana e a de fazer das paróquias as protagonistas
da evangelização. A segunda convenção, em 1993 (NICE II), foi dedicada ao tema ‘Encontrar
uma evangelização ideal na realidade da família’, e confirmou o compromisso
com a renovação da Igreja local, a fim de torná-la mais próxima da sociedade
japonesa e, em particular, dos mais vulneráveis.
O desafio de transmitir a fé aos jovens e o papel da
família
Passados
mais de vinte anos da NICE II, o desafio da evangelização ad intra e ad
extra permanece aberto. Entre os problemas particularmente sentidos está o
da transmissão da fé às novas gerações, cada vez mais influenciada por modelos
individualistas e por estilos de vida consumistas propostos pela mídia, mas
também atraídos pelas novas seitas.
Emerge
portanto, a necessidade de uma pastoral da juventude capaz de envolver os
jovens na vida da Igreja e de responder às suas aspirações e a sua necessidade
de sentido. A experiência da JMJ é considerada nesta perspectiva muito
importante. O local privilegiado para a transmissão do Evangelho continua sendo
a família, mas as famílias católicas japonesas nem sempre se mostram à altura
para tal missão, principalmente quando um dos cônjuges pertence a outra
religião, o que é muito comum no Japão.
Este,
entre outros, é um dos dados que emergiram do questionário para o Sínodo
Extraordinário dos Bispos sobre a Família realizado no Vaticano em outubro de
2014. A investigação também destacou o escasso conhecimento dos fiéis japoneses
da doutrina da Igreja sobre casamento, família, tutela da vida e a pouca
consideração que se tem pela própria doutrina, especialmente em relação à
contracepção, ao aborto e a prevenção à AIDS.
No
geral, observa-se um distanciamento geral da instituição matrimonial, tanto que
a coabitação está aumentando mesmo entre casais católicos. O mesmo vale para o
divórcio : no Japão, a porcentagem de divórcios entre católicos não difere da
dos não-católicos. Além disso, com referência à questão da comunhão para os
divorciados e casados novamente, foi verificada uma grande ignorância em relação à doutrina
católica sobre o assunto.
Áreas rurais, nova fronteira da evangelização e o
papel dos migrantes
No
que diz respeito à evangelização ad extra, a Igreja japonesa está dando
mais atenção, em comparação com o passado, às áreas rurais, tradicionalmente
mais conservadoras e, portanto, menos dispostas a acolher o Evangelho. Para os
bispos, um novo recurso importante nessa área é representado pelos imigrantes
da fé católica (especialmente filipinos), cujo número também está crescendo
devido ao envelhecimento da população japonesa. Por esse motivo, os bispos
sentem a necessidade de maior atenção pastoral a essas comunidades para
favorecer sua integração nas paróquias.
Promovendo o papel dos leigos na evangelização
Outra
prioridade para a Igreja local é por fim a promoção do papel dos leigos na
Igreja, o que implica a necessidade de melhorar sua formação. Nesse sentido, os
bispos veem com favor a difusão de movimentos eclesiais.
Dados estatísticos¹
O
Japão ocupa uma superfície de 377.829 km², onde estão distribuídos 126 milhões
786 mil habitantes. Os católicos são 536 mil, o que corresponde a 0,42% da
população.
No
país há 16 Circunscrições Eclesiásticas, 859 paróquias, 102 centros pastorais,
29 bispos², 511 sacerdotes diocesanos, 896 sacerdotes religiosos, 20 diáconos
permanentes, 173 religiosos não sacerdotes, 4.976 religiosas professas, 174
membros de Institutos seculares, 5 missionários leigos, 1.307 catequistas, 80
seminaristas maiores, 815 centros de educação³, atendendo a 204.335 estudantes, além
de 606 centros caritativos e sociais.’
¹ Situação em 31 de dezembro de 2017
² Situação em 30 de setembro de 2019
³ De propriedade e/ou administrados por eclesiásticos ou religiosos
Fonte
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