terça-feira, 16 de julho de 2019

Os judeus de Amsterdã


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 A festa das Cabanas, (ateliê de Bernard Picart, 1724)
A festa das Cabanas, (ateliê de Bernard Picart, 1724)

*Artigo de Lev Chaim, 
jornalista e colunista


‘Encontrei uma preciosidade histórica na revista judaica holandesa Benjamin sobre o que os judeus portugueses do século 17 e 18 comiam, quando viveram em Amsterdã, após terem fugido da Península Ibérica, por causa da Inquisição que até então reinava a todo vapor em Portugal e Espanha.

No interessante texto de Tirtsah Levie Bernfeld, tomamos conhecimento de que os então judeus da Península Ibérica, que haviam se convertido forçadamente ao catolicismo, para fugir da morte certa, durante a Inquisição, então chamados de Cristãos Novos, quando se mudaram para Amsterdã, passaram a ser chamados de os Judeus Novos da capital holandesa. Devido à nova liberdade, eles voltaram com tudo ao judaísmo, inclusive na sua forma rígida de regras alimentícias e uso de especiarias.

Por meio de um quadro de Bernard Picart, de 1724 (vide a ilustração ao alto), que retrata uma família judaica portuguesa durante a refeição da festa das cabanas (Sukot), pode-se notar alguns minúsculos detalhes do cardápio judaico português. E nas escavações do local onde os judeus portugueses moravam, no centro de Amsterdã, foram encontrados ossos de frangos por todos os lados.

De acordo com a descrição desse período feita pelo escritor Menasseh ben Israel em seu livro sobre o assunto, os judeus portugueses que vieram para a Holanda voltaram ao regime ortodoxo religioso em suas refeições e também monopolizaram o fornecimento desses alimentos koshers, isto é, que estavam de acordo com a lei ortodoxa judaica. Eles não só fabricavam os pãezinhos de Páscoa (matzes), como também dominavam o comércio de carne para os seus compatriotas em Amsterdã. E tem mais: havia uma proibição para os judeus da Península Ibérica, portugueses e espanhóis, também conhecidos como Sefarditas, de comprarem alimentos de outros fornecedores judeus, tal como os do Leste Europeu, denominados de Asquenazim. Tudo isto me fez lembrar de um programa que fiz há muito tempo para a Rádio Nederland, a emissora internacional da Holanda – ‘A Primeira Sinagoga das Américas’. O programa que eu fiz foi sobre o Recife dos tempos do governador holandês Maurício de Nassau, onde todos na Holanda foram convidados a trazerem a sua colaboração para o desenvolvimento daquela região, independentemente de sua fé religiosa. A conclusão a que cheguei, ao fazer as entrevistas para aquele programa, foi que Recife, no século XVII, governado pelos holandeses, era uma célula de liberdade e tolerância para toda aquela região, contrastando muito com o restante do Brasil, que então era governado pelas autoridades portuguesas, onde ainda imperavam as leis da inquisição, que perseguiam a todos que não seguissem a fé católica. Os judeus norte-americanos ficaram bem incomodados quando se constatou que a primeira Sinagoga das Américas estava em Recife, na rua dos Judeus, e não na Nova Amsterdã, Nova Iorque, como então se pensava até há algum tempo atrás. Com as escavações arqueológicas em janeiro de 2000 da Mikvá do Recife, uma banho para fins de purificação dos judeus, descobriu-se a antiguidade da Sinagoga Kahal Zur Israel, a primeira de todo o Continente Americano.

É interessante lembrar que os judeus da Península Ibérica também contribuíram com a cultura da capital holandesa, tomando como exemplo a obra do grande filósofo judeu português, Bento de Spinoza. Apesar dele ter sido banido de sua comunidade, por defender pensamentos leigos e não de acordo com as leis ortodoxas judaicas, ele foi um grande motor para o desenvolvimento da filosofia universal e até hoje é tomado como referência importante.

Temos também em Amsterdã uma das mais lindas Sinagogas do mundo, a Sinagoga Portuguesa, construída com madeira de jacarandá do Brasil e erguida quase no final da Colônia Holandesa do Recife, que voltou para as autoridades portuguesas. Um dos rabinos desta ‘nova’ Sinagoga foi Isaac Aboab da Fonseca, que foi o primeiro religioso judeu a pisar no Recife de Maurício de Nassau, cidade então conhecida pelos holandeses como Mauritsstad. Aboab da Fonseca também participou da comissão que excomungou o filósofo Bento de Spinoza de sua comunidade judaica de Amsterdã. E assim, meus caros leitores, vamos aprendendo e nos surpreendendo com a história e suas interligações importantes.


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