Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Catacumba de Priscilla, em Roma
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Um
dia li em uma rede social : ‘Pelo jeito, voltaremos ao período das
catacumbas’. E é muito comum que as pessoas associem os primeiros cristãos
a esses cemitérios subterrâneos, ativos entre os séculos II e V e redescobertos
só no século XVI. Primeiro entendamos o que são essas galerias repletas de
sepulturas para depois desfazermos alguns mitos.
Antes
de mais nada, devemos salientar que a descoberta desses lugares emblemáticos
revolucionou o estudo a respeito da história dos primeiros cristãos. Como
muitos sabem, foi possível conhecer grande parte da iconografia cristã e alguns
costumes dos primeiros seguidores de Cristo através das várias inscrições
deixadas nas paredes dessas galerias. As figuras do bom pastor, do ‘orante’,
do monograma de Cristo e do peixe podem ser vistas ainda hoje pelos visitantes.
O ‘R.I.P’,
por exemplo, sigla bastante propagada hoje nas redes sociais, significa ‘Descanse
em paz’, Requiescant in pace em latim. Tal saudação foi
encontrada pela primeira vez em uma lápide cristã do século IV. E como
não falar das invocações ‘Paule et Petre petite…’, voltadas aos mártires
mais importantes da cristandade, as quais atestam que os cristãos do século III
já acreditavam na comunhão e na intercessão dos santos?
Missas e perseguições
A
indústria do cinema, baseada nas primeiras cartilhas da história do
cristianismo, retrata que os primeiros cristãos, no período das perseguições,
se escondiam nas catacumbas e lá realizavam suas celebrações litúrgicas. E tais
afirmações entraram em cheio no imaginário popular.
Há
uma confusão enorme a respeito dessa interpretação, pois as catacumbas, para
início de conversa, eram locais públicos para o sepultamento dos mortos,
chamadas posteriormente de coemeterium (cemitério -
dormitório) pelos primeiros cristãos. Alguns desses terrenos eram de
propriedade privada e funcionavam com o aval do império. Seguindo um costume da
época, os mortos deveriam ser enterrados fora dos muros da cidade. Daí a origem
do nome ‘Basílica de São Paulo fora dos muros’, a igreja onde foram
depositados os restos mortais do apóstolo Paulo, que fica localizada em Roma.
Sendo
assim, é no mínimo impensável que um cristão se escondesse em um lugar que era
conhecido por todos. O que podemos dizer é que era um local de peregrinação,
uma vez que os primeiros mártires foram sepultados e, consequentemente,
cultuados nesses lugares. Só em São Calisto, estima-se que centenas de cristãos
tenham sido enterrados, dentre os quais 9 papas.
Já
em relação aos cultos religiosos, eles eram realizados sobretudo nas casas dos
primeiros cristãos, as chamadas domus ecclesiae. Alguns desses
lugares foram doados à Igreja e, por conseguinte, preservaram o nome de seus
proprietários, como o caso da Basílica de São Clemente, em Roma, cujo dono era
Clemente.
Não
há fontes que atestem que os cristãos celebravam missas nas catacumbas. No
entanto, sabe-se que eles celebravam o refrigerium, uma prática de
origem pagã que consistia na realização de um banquete em honra ao morto. E
daqui nasce a confusão de que, nas catacumbas, os cristãos celebrassem o
banquete da Eucaristia. Na famosa catacumba de São Sebastião, por exemplo,
havia um espaço reservado para isso. No local, foram encontradas várias
inscrições At Paulum et Petrum refrigeravi, uma vez que os corpos
dos dois apóstolos teriam sido transportados provisoriamente para lá.
É
interessante confrontarmos os mitos que criamos com os estudos mais recentes a
respeito da história do cristianismo. Ao contrário do que muitos pensam, o
interesse pelas fontes nos leva a viver uma fé mais enraizada e menos ‘espetacularizada’.
A melhor propaganda do cristão é seu testemunho, não o proselitismo do ‘vale-tudo’,
repleto de informações infundadas. Sigamos em frente na busca e no amor pela
verdade.’
Fonte
:
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