terça-feira, 23 de outubro de 2018

Como é ser um jovem católico nessa nova era de escândalos de abuso sexual no clero?


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Quase um terço dos americanos disse que foram criados como católicos, mas apenas 21% atualmente se identificam dessa maneira.
*Artigo de Marisa Iati,
jornalista


Em uma casa amarela a poucos passos da Universidade de Georgetown, em uma noite recente, membros do grupo do campus Catholic Women at Georgetown conversaram sobre como a Virgem Maria os fortaleceu em tempos difíceis, enquanto compartilhavam um jantar na Domino's Pizza. No meio da conversa trocando ideias sobre a saudade de casa e as formas de evitar o pecado, a conversa se voltou para as novas alegações de abuso sexual por parte do clero em uma igreja agora sitiada.

A presidente do grupo, Erica Lizza, perguntou a uma dúzia de estudantes sentados em círculo como eles se apoiavam em Maria, pois a fé na qual eles confiavam para o sustento espiritual enfrenta uma crise.

Ainda sinto um certo desgosto e traição da hierarquia católica’, disse Lizza, de 21 anos de idade, depois da discussão semanal sobre o jantar. ‘Como alguém que se preocupa muito com sua fé e que está muito envolvido em uma organização ministerial do campus, é algo de que não há como fugir’.

Conversas semelhantes estão ocorrendo em refeitórios e centros de ministérios em todo o país, enquanto estudantes universitários lutam com o que significa ser católico numa época em que se sentem desapontados e irritados com a igreja.

A Igreja tem visto vários escândalos nos últimos meses : a renúncia do ex-cardeal norte-americano Theodore McCarrick em meio a acusações de abuso e um extenso relatório do grande júri da Pensilvânia que envolveu mais de 300 padres em questões de abuso de cerca de 1.000 crianças.

Em seguida, o Papa Francisco aceitou a renúncia do Cardeal Donald Wuerl de sua posição como arcebispo de Washington depois que o relatório da Pensilvânia descreveu Wuerl como tendo um histórico ambíguo na forma de responder às acusações de abuso sexual em sua antiga diocese de Pittsburgh. 

Wuerl continua encarregado da administração arquidiocesana até que o Papa nomeie seu sucessor. Os escândalos de abuso sexual do clero também abalaram o Chile e a Austrália.

Em uma época em que a igreja é frequentemente vista como atrasada em questões importantes, alguns jovens católicos responderam aos últimos contratempos, afastando-se ainda mais da instituição sitiada, enquanto outros se aproximaram.

Esta geração de estudantes universitários católicos cresceu em meio à mancha da crise dos abusos sexuais, que foi exposta pela primeira vez pelo The Boston Globe em 2002 e, desde então, tem implicado o clero em todo o mundo. A maioria nem se lembra de uma igreja pré-escândalo.

Ao mesmo tempo, eles e os jovens geralmente representam uma demografia crítica para o futuro do catolicismo, que tem uma base de paroquianos envelhecidos e tem lutado para atrair e reter jovens.

O catolicismo tem visto o maior declínio na participação entre os principais grupos religiosos, de acordo com um relatório de 2016 do Public Religion Research Institute. Quase um terço dos americanos disse que foram criados como católicos, mas apenas 21% atualmente se identificam dessa maneira.

Em uma reunião neste mês de várias centenas de bispos para discutir o ministério da igreja para os jovens, o Papa Francisco reconheceu aqueles que estiveram ao lado da igreja, apesar de suas falhas.

Eu agradeço a eles por terem apostado, porque para eles vale a pena o esforço de se sentirem parte da Igreja ou entrarem em diálogo com ela; vale o esforço de ter a Igreja como mãe, como professora, como lar, como família e, apesar das fraquezas e dificuldades humanas, capaz de irradiar e transmitir a mensagem eterna de Cristo’, disse o Papa Francisco ao abrir o sínodo, segundo uma cópia de seus comentários divulgados pelo Vaticano.


Aumentando a desfiliação com a religião

A desilusão em relação ao abuso sexual clerical não é a única força que está afastando as gerações mais jovens do catolicismo, particularmente nos Estados Unidos.

Cada vez mais ao longo das últimas décadas, os jovens adultos perceberam que podem escolher sua própria fé ou combinação de credos, além daqueles de seus pais - ou afiliar-se a nenhum, disse Theresa O'Keefe, professora de teologia do Boston College, especializada na fé adulta jovem. Uma crescente desconfiança em relação à liderança institucional de todos os tipos também significa que alguns estudantes respondem de maneira mais árdua à medida que mais denúncias de abusos clericais vêm à tona, disse O'Keefe.

William Dinges, professor de religião e cultura da Universidade Católica, disse que as pessoas que se sentem distantes da igreja são mais propensas a serem afetadas pela crise dos abusos do que as que são devotas. Muitos jovens adultos já estão frustrados com o que veem como posições menos inclusivas do catolicismo em temas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e igualdade de gênero, disse Dinges.

O jovem tem que ter uma boa resposta : ‘Por que estou aqui?’, disse O'Keefe. ‘A igreja, particularmente a liderança, tem que dar uma boa resposta. Por que as pessoas devem aparecer? A adesão não é inevitável e a adesão significativa não é inevitável’.

Caroline Zonts, estudante de segundo ano de 19 anos da Universidade George Washington, disse que começou a sentir-se desanimada pela Igreja Católica muito antes de a crise dos abusos reaparecer.

Criada ‘estritamente católica’, ela disse que as visões políticas socialmente liberais que desenvolveu no ensino médio fizeram com que ela se sentisse menos ligada à sua fé. Quando chegou à faculdade, Zonts disse que parou de praticar o catolicismo, embora ainda se considere católica.

A recente crise de abuso tornou-se outra razão pela qual ela não espera nunca mais mergulhar na igreja. Dói pensar que os padres com quem ela construiu relacionamentos podem ter cometido abuso.

Eles eram mentores para mim, eram modelos, pessoas que com as que conversei sobre a minha fé’, disse Zonts. ‘Isso é realmente difícil - saber que centenas de pessoas assim acabaram abusando de suas posições de poder.’

Como Zonts, a jovem Evelyn Arredondo Ramirez, da Universidade George Washington, sentiu que suas visões políticas mais liberais estavam em desacordo com algumas partes de sua fé católica. Mas, mesmo como defensora do casamento entre pessoas do mesmo sexo e do direito ao aborto, a jovem de 20 anos ainda frequentou a missa na maioria dos domingos durante seus dois primeiros anos de faculdade.

Sua perspectiva recentemente começou a mudar. Já aborrecida com as homilias que expressavam as opiniões políticas dos sacerdotes, sua frustração foi agravada pelo relatório do grande júri da Pensilvânia e pelas acusações de que o Papa Francisco conscientemente protegeu McCarrick da responsabilidade frente às acusações.

Ramirez não vai mais à missa e disse que se preocupa com a segurança de seu irmão mais novo em relação aos padres em sua paróquia.

Eu ainda tenho a minha Virgem (Maria) na minha mesa de trabalho, eu ainda tenho a cruz pendurada no meu quarto, e às vezes vou na Igreja apenas para entrar nela e sentar com Deus’, disse Ramirez. ‘Mas acabei de desenvolver minha própria ideia do que é ter essa conexão.’


Perguntas sobre a instituição, não sobre a fé

Muitos jovens católicos que ainda se consideram devotos responderam não se afastando, mas se esforçando para compelir a mudança de dentro da instituição. Para eles, a atual crise é encolerizante e desoladora, revigorante e fortalecedora, tudo ao mesmo tempo.

Esses jovens católicos estão entre os mais de 1.500 estudantes de Georgetown que assinaram uma petição pedindo para a universidade anular um diploma de honores concedido a McCarrick em 2004 e outro que a universidade outorgou a Wuerl em 2014.

Um porta-voz da Georgetown, em um comunicado, disse que a universidade estava revisando os graus honorários em um esforço ‘para abordar as revelações profundamente preocupantes sobre o Arcebispo McCarrick e aqueles contidos no relatório do Grande Júri da Pensilvânia’.

Entre os alunos que se sentem preocupado com essas revelações está Ana Ruiz, de 18 anos, membro de mulheres católicas em Georgetown, que disse que o escândalo fez ela duvidar tanto da sua fé como da sua devoção à igreja porque a própria fé está intimamente ligada à instituição. Os católicos acreditam que a igreja foi fundada por Jesus Cristo.

Apenas o fato de ver pessoas que definitivamente não incorporam esses valores que nós conservamos como sagrados, realmente me faz questionar se a instituição está trabalhando para o bem de Cristo e o bem do povo’, disse Ruiz enquanto os estudantes limpavam após o jantar de discussão em Georgetown.

Embora ainda comprometida com o catolicismo, Ruiz disse que poderia se afastar da instituição se deixasse de acreditar que a intuição realmente se importa com os melhores interesses dos leigos. Agora, no entanto, ela ainda se sente como se Deus estivesse no centro do ministério da igreja.

Nesse sentido, sinto que nunca poderia me libertar’, disse Ruiz. ‘Mas tudo o mais que envolve o ser católica, o aspecto humano da Igreja, pode haver potencial para conseguir ser livre, até o momento em que 'não possa mais lidar com isso.’

A infância de Lizza estava mergulhada no catolicismo, assistia com frequência à missa dominical da escola com a família e a mãe lendo para ela a Bíblia para crianças. Mesmo assim, ela não sabia ao certo o quanto queria se envolver com sua religião quando chegasse a Georgetown, porque estava preocupada sobre como sua fé devota se encaixaria com a de seus colegas. Então uma amiga a convenceu a se juntar ao grupo de mulheres católicas e Lizza encontrou um lar.

Três anos depois, chocada e enojada com a magnitude do problema de abuso sexual do clero, Lizza disse que começou a pensar que talvez todos os bispos devessem renunciar. Ela lutou para reconciliar a ideia do clero que afirmava defender o amor altruísta e a busca da justiça com o conhecimento de que muitos não haviam cumprido essa promessa.

Lizza disse que nunca considerou deixar a igreja. Em vez disso, ela se sentiu mais forte em sua convicção de que pessoas boas precisavam permanecer envolvidas na instituição para corrigir seu curso.

Ela ainda sonha com mais leigos envolvidos na Igreja, apesar de quão difícil foi para ela assistir à missa após as alegações de McCarrick e do relatório da Pensilvânia. Ela também quer que as pessoas sejam menos céticas em relação às vítimas de abuso.

Cobrir isso com certeza não funciona’, disse ela. ‘E a única maneira de realmente lidar com isso é olhar a crise de frente e fazer algumas escolhas difíceis’.’


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