Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo d0 Padre Adroaldo Palaoro, Jesuíta
‘‘Os mestres da lei, que tinham vindo de
Jerusalém, diziam que Ele estava possuído por Belzebu…’
Desconcertante : exatamente assim foi Jesus; e
sabemos disso através dos evangelhos. Jesus foi um homem que viveu e falou de
tal maneira que se revelou desconcertante para aqueles que o conheceram e se
aproximaram dele. Jesus desconcertou sua família que o considerava louco;
desconcertou àqueles que o acusavam de ‘blasfemo’,
de ‘Belzebu’, de ‘escandaloso’. Jesus desconcertou todo
mundo, até o final de sua vida, que foi o mais desconcertante de tudo.
Desconcertou porque assumiu uma postura diferente frente ao contexto social,
religioso e político no qual viveu. Jesus não se ‘encaixou’ em nenhum grupo e deixou transparecer sua liberdade
frente às leis, às tradições de seu povo, ao templo, aos poderes... Por isso
foi incompreendido e rejeitado.
Numa sociedade corrupta e deformada, uma pessoa que
se ajusta ao modo de proceder e de pensar dos intolerantes e preconceituosos,
não desconcerta ninguém; é uma pessoa ‘formatada’
que passa pela vida sem deixar ‘marcas’,
sem saber ‘por quê e para quê vive’, deixando
tudo como está.
Jesus viveu deslocamentos contínuos; fez-se
presente em diversos lugares; teve contatos com outras culturas, raças,
expressões religiosas… Tudo isso o enriqueceu, tornando-o diferente, aberto;
sua vida se ampliou, sua mente se abriu, seu coração se expandiu… Nova visão,
nova experiência…
Seu movimento de vida foi
desencadeado nas casas, ao longo dos seus percursos; Jesus desejou que também
sua casa entrasse nesse movimento em favor da vida. Mas não foi acolhido pelos
seus parentes, pois não se ‘encaixou’
mais nos esquemas da família, da religião, da sua comunidade… Seus parentes em
Nazaré continuaram vivendo uma estreiteza de vida; Jesus não voltou mais o
mesmo, saiu da ‘normalidade’ de vida
própria de Nazaré. Voltou enriquecido, expansivo, muito maior, mas não foi
compreendido.
O deslocamento de Jesus pelos territórios vizinhos
da Galiléia revela-se como um apelo e uma ocasião privilegiada para pôr em
questão nosso confinamento religioso, nossas posturas fechadas, nossas visões
preconceituosas...e abrir-nos à diversidade e ao diferente. Sem
alteridade regenerante caímos no confinamento de uma pureza de ortodoxia, de um
fascismo enrustido, de um legalismo estéril, de uma doutrina impositiva.
Confinamento que nos torna cegos aos valores e riquezas que vem de outras
expressões humanas, sociais e religiosas.
Vivemos contínuos deslocamentos geográficos,
sociais, culturais, religiosos… Tudo isso nos enriquece. Com esta riqueza
voltamos às nossas Nazarés, para ampliá-las, expandi-las. Não se trata de
impor, mas de propor; compartilhar as ricas experiências adquiridas.
Não é fácil ser diferente dos outros; não é fácil
assumir uma vida alternativa frente àqueles que estão petrificados em suas
posturas e ideias; não é fácil dizer ‘não’
onde todos, como cordeiros, dizem ‘sim’;
não é fácil fazer o que ninguém quer fazer.
Toda autêntica vida humana é vida com os outros, é
convivência, é encontro... Assim, o princípio de alteridade está
fundado no princípio de identidade; a diversidade
reforça a identidade pessoal: podemos nos compreender apesar
de sermos diferentes, porque todos somos seres criados e
agraciados por Deus, chamados a ser habitados por uma verdade que
está para além de uma religião e uma cultura específica.
Somos humanos, seres em caminho, buscadores de
sentido, buscadores da verdade e habitados pelo mesmo Deus. E viver a ‘cultura do encontro’ (Papa Francisco)
implica respeitar e se alegrar com a diversidade, considerando-a
riqueza. Saber conviver com as diferenças é sinal de maturidade. É maravilhoso
que haja raças, costumes, cultura, gênero, religiões, tradições, línguas,
formas de pensar... diferentes.
Assim, ser seguidores(as) de Jesus nos converte em
seres abertos, acolhedores da diferença.
As diferenças mobilizam a energia
e a fertilidade criadora; elas provocam intercâmbio entre as pessoas. A diversidade é
uma forma de aproximação entre os seres humanos. A diferença do ‘outro’ deve ser motivo para o encontro e
para o enriquecimento mútuo. A diferença é rebelde, quebra o
uniformismo, convulsiona a quietude, sacode a rotina. É a diferença que
gera alteridade. O outro é diversificado e não repetitivo.
Massificar as pessoas é uma forma de silenciá-las e dominá-las. Perverter a
diferença é uma atitude que degrada a pessoa. Diferença é
originalidade, é o inédito, é o que excede a medida comum, é o que distingue
uma personalidade de outra. A humanidade é profundamente diversificada em seus
talentos, valores originais e em sua vitalidade; seu tesouro está precisamente
em sua diversidade criadora.
Daí a importância e a urgência de aprender a
valorizar o que é próprio e também o que é diferente, esforçando-se para não
transformar as diferenças normais (geográficas, culturais, de
raça, de gênero...) em desigualdades. É preciso educar e preservar as
diferenças humanas.
Deveríamos pensar mais sobre a
importância das diferenças que nos humanizam. Deveríamos admirar as
diferenças pessoais e grupais, e não lamentá-las. É necessário evitar tudo o
que reprime as diferenças e desenvolver a verdadeira coexistência pessoal,
social, científica, religiosa, ética. Deveríamos remover abusos e vícios que
anulam a diferenças. Perverter a diferença é uma atitude que degrada a pessoa.
Valorizar a diferença e os diferentes implica
tratar com cortesia, saber interagir, trabalhar juntos, respeitar...
Segundo o modo de ser e proceder de Jesus, o que
mais nos desumaniza é viver com um ‘coração fechado’ e
endurecido, um ‘coração de pedra’, incapaz de amar e de abrir-se ao novo. Quem
vive ‘fechado em si mesmo’, não pode acolher o Espírito
de Deus, não pode deixar-se guiar pelo Espírito de Jesus, pois acredita que
quem é diferente ‘está possuído por um espírito mau’ (3,30).
Quando nosso coração está ‘fechado’, em nossa vida não há mais compaixão e passamos a viver
indiferentes à violência e à injustiça que destroem as relações entre as
pessoas. Passamos a viver separados da vida, desconectados. Uma fronteira
invisível nos separa do Espírito de Deus que tudo dinamiza e
inspira; é impossível sentir a vida como Jesus sentia. Quem assume atitudes
de indiferença tem medo do diferente, e
a vida vai se atrofiando...
Num coração petrificado o Espírito não
tem liberdade de atuar; dessa resistência à ação do Espírito brotam as
doentias divisões internas. São os dinamismos ‘diabólicos’ (aquilo
que divide) que se instalam em nosso interior, atrofiam nossas forças criativas
e nos distanciam da comunhão com tudo e com todos.
Não podemos permanecer trancados em redutos que
rejeitam as diferenças existenciais. Daí a importância de aprender a ver o
melhor de cada pessoa e de cada povo, superando as visões estreitas e
fundamentalistas e todo tipo de racismo, xenofobia, desprezo, mixofobia, preconceito,
dominação...
A ‘Ruah de
Deus’ nos move a construir uma Comunidade fraterna, capaz de abrir suas
portas e derrubar seus muros, para que ninguém se sinta excluído. É missão
específica da Ruah integrar as diferenças numa grande comunhão universal. Não podemos
matar a presença e a ação original do Espírito.
Texto bíblico : Mc 3,20-35
Na oração : ‘E olhando para os estavam
sentados ao seu redor…’ Estar em círculo supõe uma postura de
acolhida e comunhão com os outros, respeitando sua diversidade. Tal atitude
quebra toda pretensão de imposição, de poder, de violência... Isso só é
possível quando Jesus se faz o centro.
Trata-se de uma imagem espacial do discipulado que
pode nos ajudar a entender melhor nossas posturas vitais, tanto no nível
pessoal como no comunitário ou na missão.
- ‘Estar em
círculo’ também quer dizer que estamos vinculados a outros numa postura
corporal que tem Jesus como centro. A imagem do círculo é a que melhor expressa
o modo de seguir Jesus e não a ‘hierarquia’
que dá margem ao carreirismo e à busca de poder.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1264298/2018/06/por-que-temos-medo-de-quem-e-diferente/
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