segunda-feira, 7 de maio de 2018

A voz do silêncio


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Vivemos em uma época em que a pobreza, ou seja, a falta de Deus, não é mais percebida como uma falta.
*Artigo de Roberto Mela,
teólogo


‘O exegeta cardeal passeia no jardim da palavra humana, palavra fraca e frágil, para a qual foi confiada a revelação da Palavra, atestada na Bíblia. Esta última é, justamente, O grande código no qual bebeu a cultura do mundo ocidental e - em menor escala, e ‘secularizada’ - até os dias de hoje. A palavra é arrebatadora, poderosa, especialmente aquela poética. A palavra bíblica não é apenas epifania da revelação, mas diafania (Teihard De Chardin), transparência do divino. Especialmente a poesia abraça em si os ‘espaços em branco’ que são igualmente e talvez mais expressivos do que as palavras ditas para expressar a profundidade da realidade cantada.

A fraqueza da palavra, especialmente aquela judaica dotada apenas de 5.740 palavras, tende à expansão máxima de sentido através da musicalidade das suas expressões. Dôdî lî waānî ledôdî, ‘Eu sou do meu Amado, e o meu Amado é meu’, declara a Amada no Cântico dos Cânticos.

A poesia canta o êxtase do amor, da primavera que passa como um sopro de vento nas estações de Israel. Canta a tragédia dos sofrimentos, como aquela de Jerusalém prostrada no chão da poeira do exílio, de cuja boca escapa apenas um sussurro.

Elias no Monte Horeb só ouvirá ‘a voz de um silêncio sutil’, um silêncio que fala, porque não é um silêncio ‘negro’ - ausência de ruídos e de palavras, muito temido pelos jovens de hoje - mas um ‘silêncio branco’ mais expressivo do que o ressoar da palavra.

YHWH, o nome do Deus de Israel, o máximo do conteúdo da experiência religiosa judaica, é impronunciável, é proibido pronunciá-lo e deve ser substituído por outro nome, 'Adonay'.

A Bíblia é o alfabeto colorido da esperança, na qual mergulharam seus pincéis durante séculos os pintores’(Marc Chagall). Na paleta artística a Palavra pode ser atualizada (Paul Gauguin, Visão depois do sermão : depois da homilia, as mulheres bretãs reveem na praça de seu vilarejo a luta do anjo com Jacó no Vau do Jaboque); a palavra pode ser deformada (Carl Gustav Jung, Resposta a Jó : Deus fica curioso sobre o homem que protesta contra sua inquestionável vontade e envia Jesus à Terra para ouvir os argumentos de Jó, Jesus compreende que Jó está certo e contra os momentos da ira de Deus, desde aquele momento em diante, a levantar-se contra o Todo-Poderoso não será apenas Jó, mas também Jesus); a Palavra também pode ser transfigurada (Wolfgang Amadeus Mozart, nas Vésperas Solenes do Confessor K339 comenta o curto Salmo 116 [117] fazendo subir a soprano cada vez mais até ‘cair’ na assembleia do coro que canta com confiança agora ‘cristã’ o Glória; as palavras hésed e 'emet' do salmo, que expressam relação amorosa e não tanto misericordia e veritas da Vulgata de Jerônimo, encontram aqui expressão exaltada e fascinante).

Wozu Dichter, Por que os poetas’, questionava-se Friedrich Hölderlin, ‘por que os poetas em tempo de pobreza?’. Vivemos em uma época em que a pobreza, ou seja, a falta de Deus, não é mais percebida como uma falta’, comentava Heidegger em Os caminhos da floresta. Em um tempo de ouvidos obstruídos por urtigas as palavras dos profetas devem irromper ‘pelos portões da noite, traçando feridas de palavras nos campos do hábito’ (Nelly Sachs, The Prophets). A palavra deve encontrar ouvidos que a saibam ouvir e acolher.

Hoje, o poder da palavra dos profetas e dos poetasparece insignificante, mas ela é mais necessária do que o pão(Ravasi, p. 42), e realiza-se assim a profecia de Am 8:11 ‘...enviarei a fome a toda esta terra... não fome de pão, nem sede de água, mas fome e sede de ouvir as palavras do Senhor’.’


IHU/ Settimana News - Tradução : Luisa Rabolini


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