Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Roberto Mela,
teólogo
‘O exegeta cardeal
passeia no jardim da palavra humana, palavra fraca e frágil, para a qual foi
confiada a revelação da Palavra, atestada na Bíblia. Esta última é, justamente,
O grande código no qual bebeu a cultura do mundo ocidental e - em menor escala,
e ‘secularizada’ - até os dias de
hoje. A palavra é arrebatadora, poderosa, especialmente aquela poética. A
palavra bíblica não é apenas epifania da revelação, mas diafania (Teihard De
Chardin), transparência do divino. Especialmente a poesia abraça em si os ‘espaços em branco’ que são igualmente e
talvez mais expressivos do que as palavras ditas para expressar a profundidade
da realidade cantada.
A fraqueza da
palavra, especialmente aquela judaica dotada apenas de 5.740 palavras, tende à
expansão máxima de sentido através da musicalidade das suas expressões. Dôdî
lî waānî ledôdî, ‘Eu sou do meu
Amado, e o meu Amado é meu’, declara a Amada no Cântico dos Cânticos.
A poesia canta o
êxtase do amor, da primavera que passa como um sopro de vento nas estações de
Israel. Canta a tragédia dos sofrimentos, como aquela de Jerusalém prostrada no
chão da poeira do exílio, de cuja boca escapa apenas um sussurro.
Elias no Monte
Horeb só ouvirá ‘a voz de um silêncio
sutil’, um silêncio que fala, porque não é um silêncio ‘negro’ - ausência de ruídos e de
palavras, muito temido pelos jovens de hoje - mas um ‘silêncio branco’ mais expressivo do que o ressoar da palavra.
YHWH, o nome do
Deus de Israel, o máximo do conteúdo da experiência religiosa judaica, é
impronunciável, é proibido pronunciá-lo e deve ser substituído por outro nome,
'Adonay'.
‘A Bíblia é o alfabeto colorido da esperança,
na qual mergulharam seus pincéis durante séculos os pintores’(Marc
Chagall). Na paleta artística a Palavra pode ser atualizada (Paul Gauguin,
Visão depois do sermão : depois da homilia, as mulheres bretãs reveem na praça
de seu vilarejo a luta do anjo com Jacó no Vau do Jaboque); a palavra pode ser
deformada (Carl Gustav Jung, Resposta a Jó : Deus fica curioso sobre o homem
que protesta contra sua inquestionável vontade e envia Jesus à Terra para ouvir
os argumentos de Jó, Jesus compreende que Jó está certo e contra os momentos da
ira de Deus, desde aquele momento em diante, a levantar-se contra o
Todo-Poderoso não será apenas Jó, mas também Jesus); a Palavra também pode ser
transfigurada (Wolfgang Amadeus Mozart, nas Vésperas Solenes do Confessor K339
comenta o curto Salmo 116 [117] fazendo subir a soprano cada vez mais até ‘cair’ na assembleia do coro que canta
com confiança agora ‘cristã’ o
Glória; as palavras hésed e 'emet' do salmo, que expressam
relação amorosa e não tanto misericordia e veritas da Vulgata
de Jerônimo, encontram aqui expressão exaltada e fascinante).
Wozu Dichter, ‘Por que os poetas’, questionava-se
Friedrich Hölderlin, ‘por que os poetas em tempo de pobreza?’. ‘Vivemos em uma
época em que a pobreza, ou seja, a falta de Deus, não é mais percebida como uma
falta’, comentava Heidegger em Os caminhos da floresta. Em um tempo de
ouvidos obstruídos por urtigas as palavras dos profetas devem irromper ‘pelos portões da noite, traçando feridas de
palavras nos campos do hábito’ (Nelly Sachs, The Prophets). A
palavra deve encontrar ouvidos que a saibam ouvir e acolher.
Hoje, o poder da
palavra dos profetas e dos poetas ‘parece
insignificante, mas ela é mais necessária do que o pão’ (Ravasi, p. 42), e
realiza-se assim a profecia de Am 8:11 ‘...enviarei
a fome a toda esta terra... não fome de pão, nem sede de água, mas fome e sede
de ouvir as palavras do Senhor’.’
IHU/ Settimana News - Tradução : Luisa Rabolini
Fonte :
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