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Artigo de Bento XVI, Papa Emérito
Hoje gostaria de falar do santo
abade Columbano, o irlandês mais conhecido do início da Idade Média : com razão
ele pode ser chamado um santo ‘europeu’, porque como monge, missionário e
escritor trabalhou em vários países da Europa ocidental. Juntamente com os
irlandeses do seu tempo, ele estava consciente da unidade cultural da Europa.
Numa carta, escrita por volta do ano 600 e dirigida ao Papa Gregório Magno,
encontra-se pela primeira vez a expressão ‘totius
Europae – de toda a Europa’, referindo-se à presença da Igreja no
continente (cf. Epistula I,1).
Columbano nasceu por volta do ano
543 na província de Leinster, no sudeste da Irlanda. Educado na própria casa
por ótimos mestres que o iniciaram no estudo das artes liberais, confiou-se
depois à guia do abade Sinell da comunidade de Cluain-Inis, na Irlanda
setentrional, onde pode aprofundar o estudo das Sagradas Escrituras. Com cerca
de trinta anos entrou no Mosteiro de Bangor, no nordeste da ilha, onde era
abade Comgall, um monge muito conhecido pela sua virtude e pelo seu rigor
ascético. Em total sintonia com o seu abade, Columbano praticou com zelo a
severa disciplina do mosteiro, conduzindo uma vida de oração, de ascese e de
estudo. Ali foi também ordenado sacerdote. A vida em Bangor e o exemplo do
abade influenciaram a concepção do monaquismo que Columbano maturou com o tempo
e difundiu depois ao longo da sua vida.
Aos cinquenta anos, seguindo o ideal
ascético tipicamente irlandês da peregrinatio
pro Christo, isto é, do fazer-se peregrino por Cristo, Columbano deixou a
ilha para empreender com doze companheiros uma obra missionária no continente
europeu. De fato, devemos ter presente que a migração de povos do norte e do
leste fizeram voltar ao paganismo regiões inteiras já cristianizadas. Por volta
do ano 590, este pequeno grupo de missionários chegou à costa da Bretanha.
Acolhidos com benevolência pelo rei dos Francos da Austrásia (atual França),
pediram apenas um pouco de terra inculta. Obtiveram a antiga fortaleza romana
de Annegray, totalmente em ruínas e abandonada, já coberta pela floresta.
Habituados a uma vida de extrema renúncia, os monges conseguiram em poucos
meses construir sobre as ruínas o primeiro eremitério. Assim, a sua
reevangelização começou a desenvolver-se antes de tudo mediante o testemunho da
vida. Com a nova cultivação da terra começou também uma nova cultivação das
almas. A fama daqueles religiosos estrangeiros que, vivendo de oração e em
grande austeridade, construíam casas e arroteavam a terra, difundiu-se
rapidamente, atraindo peregrinos e penitentes. Sobretudo muitos jovens pediam
para ser acolhidos na comunidade monástica para viver, como eles, esta vida
exemplar que renovava a cultura da terra e das almas. Depressa se tornou
necessária a fundação de um segundo mosteiro. Foi edificado a poucos quilômetros
de distancia, sobre as ruínas de uma antiga cidade termal, Luxeuil. O mosteiro
tornar-se-ia depois o centro da irradiação monástica e missionária de tradição irlandesa
no continente europeu. Um terceiro mosteiro foi erigido em Fontaine, a uma hora
de caminho mais ao norte.
Em Luxeuil, Columbano viveu quase
vinte anos. Ali, o santo escreveu para os seus seguidores a Regula monachorum, durante um certo período
mais difundida na Europa do que a de São Bento, designando a imagem ideal do
monge. É a única antiga regra monástica irlandesa que hoje possuímos. Como integração,
ele elaborou a Regula coenobialis,
uma espécie de código penal para as faltas dos monges, com punições bastante surpreendentes
para a sensibilidade moderna, explicáveis apenas com a mentalidade do tempo e
do ambiente. Com outra obra famosa intitulada De poenitentiarum misura taxanda, escrita também em Luxeuil,
Columbano introduziu no continente a confissão e a penitencia privadas e
reiteradas; foi chamada penitencia ‘tarifada’ devido à proporção estabelecida
entre gravidade do pecado e tipo de penitencia imposta pelo confessor. Estas
novidades despertaram a suspeita dos bispos da região, uma suspeita que se
transformou em hostilidade quando Columbano teve a coragem de os reprovar
abertamente pelos costumes de alguns deles. A ocasião em que se manifestou o
contraste foi a contenda sobre a data da Páscoa : de fato, a Irlanda seguia a tradição
oriental, em contraste com a tradição romana. O monge irlandês foi convocado em
603 a Châlon-sur-Saôn para prestar contas diante de um sínodo dos seus costumes
relativos à penitencia e à Páscoa. Em vez de se apresentar ao sínodo, ele
enviou uma carta com a qual minimizava a questão convidando os Padres sinodais
a discutir não só sobre o problema da data da Páscoa, segundo ele um pequeno
problema, ‘mas também de todas as necessárias normas canônicas desatendidas por
muitos, o que é mais grave’ (cf. Epistula
II, 1). Contemporaneamente escreveu ao Papa Bonifácio IV, como alguns anos
antes já se tinha dirigido ao Papa Gregório Magno (cf. Espitula I) para defender a tradição irlandesa (cf. Espitula III).
Sendo muito intransigente em todas as questões morais,
Columbano entrou depois em conflito também com a casa real, porque tinha
reprovado asperamente o rei Teodorico pelas suas relações adulterinas. Isso
originou uma rede de intrigas e manobras a nível pessoal, religioso e político
que, no ano 610, se transformou num decreto de expulsão de Luxeuil para
Columbano e para todos os monges de origem irlandesa, que foram condenados ao
exílio definitivo. Foram escoltados até o mar e embarcados para a Irlanda com o
patrocínio da corte. Mas o navio encalhou a pouca distância da praia e o
capitão, vendo nisto um sinal do céu, renunciou a prosseguir e, com receio de
ser amaldiçoado por Deus, reconduziu os monges para a terra firme. Eles em vez
de voltarem para Luxeuil, decidiram começar uma nova obra de evangelização.
Embarcaram no Reno e subiram o rio. Depois de uma primeira etapa em Tuggen,
junto do lago de Zurique, foram para a região de Bregenz, perto do lado de
Constancia, para evangelizar os Alamanos.
Mas pouco depois, Columbano, devido a vicissitudes
políticas pouco favoráveis à sua obra, decidiu atravessar os Alpes com a maior
parte dos seus discípulos. Permaneceu só um monge de nome Galo, da sua ermida
ter-se-ia depois desenvolvido a famosa Abadia de Sankt Gallen, na Suíça. Tendo
chegado a Itália, Columbano encontrou um acolhimento favorável junto da corte
real longobarda, mas teve que enfrentar imediatamente grandes dificuldades : a
vida da Igreja estava dilacerada pela heresia ariana que ainda prevalecia entre
os longobardos e por um cisma que tinha separado a maior parte das Igrejas da
Itália setentrional da comunhão com o bispo de Roma. Columbano inseriu-se com
autoridade neste contexto, escrevendo um libelo contra o arianismo e uma carta
a Bonifácio IV para o convencer a dar alguns passos decididos em vista de um
restabelecimento da unidade (cf. Epistula V). Quando o rei dos
longobardos, em 612 ou 613, lhe confiou um terreno em Bobbio, no vale da
Trebbia, Columbano fundou um novo mosteiro que depois se tornaria um centro de
cultura comparável com o famoso de Montecassino. Nele viu o fim dos seus dias :
faleceu a 23 de novembro de 615 e nesta data é comemorado no rito romano até
hoje.
A mensagem de São Columbano concentra-se numa firme
chamada à conversão e ao desapego dos bens terrenos em vista da herança eterna.
Com a sua vida ascética e com o seu comportamento sem cedências face à corrupção
dos poderosos, ele evocava a figura severa de São João Batista. A sua
austeridade, contudo, nunca é fim em si mesma, mas unicamente o meio para se
abrir livremente ao amor de Deus e corresponder com todo o ser aos dons por Ele
recebidos, reconstruindo assim em si a imagem de Deus e ao mesmo tempo
arroteando a terra e renovando a sociedade humana. Cito das suas Instructiones
: ‘Se o homem usar retamente as faculdade que Deus concedeu à sua alma, então
será semelhante a Deus. Recordemo-nos que Lhe devemos restituir todos aqueles
dons que Ele depositou em nós quando estávamos na condição originária.
Ensinou-nos o Seu modo com os Seus mandamentos. O primeiro deles é o de amar o
Senhor com todo o coração, porque Ele nos amou primeiro, desde o início dos
tempos, ainda antes que nós viéssemos à luz desse mundo.’ (Cf. Inst. XI)
O santo irlandês encarnou realmente estas palavras na própria vida. Homem de
grande cultura, escreveu também poesias em latim e um livro de gramática
revelou-se rico de dons da graça. Foi incansável construtor de mosteiros, assim
como intransigente pregador penitencial, empregando todas as suas energias para
alimentar as raízes cristãs da Europa que estava a nascer. Com a sua energia
espiritual, com a sua fé, com o seu amor a Deus e ao próximo tornou-se
realmente um dos Padres da Europa : ele mostra-nos também hoje onde estão as
raízes das quais pode renascer esta nossa Europa.
(11 de junho de 2008)
* Bento XVI, Santos e Doutores da Igreja (catequeses condensadas), Lisboa, Paulus Editora, 2012.
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