* Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
arcebispo de Belém do Pará,
reflete sobre o Dia de todos os Santos e
a Comemoração dos Fiéis falecidos
reflete sobre o Dia de todos os Santos e
a Comemoração dos Fiéis falecidos
‘O calendário da Igreja nos oferece, neste final
de semana, duas faces da magnífica medalha cunhada por Deus, que é a nossa
vida, o Dia de todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis falecidos; Olhamos
primeiro para o ponto de chegada, que corresponde ao magnífico destino para o
qual fomos criados, a plenitude da vida e da felicidade junto de Deus, “uma
multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que
ninguém podia contar” (Ap 7, 9). Temos a certeza de que Ele não fez ninguém
para a perdição, mas todos têm em si a vocação para a plena realização de todas
as suas potencialidades. Tanto é verdade que o Pai do Céu enviou seu próprio
Filho, como nosso Salvador e Redentor, para que todos tenham vida, e vida em
abundância (Jo 10,10).
Vida plenamente humana é aquela que enxerga o
horizonte aberto pelo próprio Deus. A Solenidade de todos os Santos indica a
perspectiva da existência marcada por uma realidade descoberta pela fé: “Desde
já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos
que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos
tal como ele é” (1 Jo 3,2). Santidade é para todos! Se nos alegramos com a
iminente canonização de dois papas do nosso tempo, os Beatos João XXIII e João
Paulo II, é para que sejam reconhecidos como referência e como possibilidade.
São duas personalidades carregadas de humanidade, cujo percurso histórico nesta
terra teve muito de parecido conosco. São homens que vieram de famílias muito
simples, lutaram e amadureceram em tempos de grandes desafios, com a provocação
das ideologias do século XX. Souberam dialogar com a cultura de nossa época,
alegraram-se e sofreram com as mesmas realidades que até hoje nos envolvem.
Percorreram o caminho dos bem aventurados, de olhos fixos naquele que é “o
bem-aventurado”, Jesus Cristo: os pobres em espírito, dos quais é Reino dos
Céus; os aflitos, que serão consolados; os mansos, porque possuirão a terra; os
que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados; os misericordiosos, que
alcançarão misericórdia; os puros de coração, porque verão a Deus; os que
promovem a paz, chamados filhos de Deus; os que são perseguidos por causa da
justiça, de quem é o Reino dos Céus! Homens e mulheres que se descobriram
felizes quando injuriados e perseguidos por causa de Cristo. Pessoas portadoras
de uma alegria invencível, certos da recompensa nos céus (Cf. Mt 5, 1-12).
A santidade, vocação universal dos cristãos,
começa com coisas simples. João XXIII registrou em seu Diário íntimo um caminho
bom para todos, adequado para uma festa de Todos os Santos bem vivida, chamado
“Decálogo da serenidade” :
1. Procurarei viver pensando apenas no dia de
hoje, exclusivamente neste dia, sem querer resolver todos os problemas da minha
vida de uma só vez;
2. Hoje, apenas hoje, procurarei ter o máximo
cuidado na minha convivência, cortês nas minhas maneiras, a ninguém criticarei,
nem pretenderei melhorar ou corrigir à força ninguém, senão a mim mesmo;
3. Hoje, apenas hoje, serei feliz. Na certeza de
que fui criado para a felicidade, não só no outro mundo, mas também já neste;
4. Hoje, apenas hoje, adaptar-me-ei às
circunstâncias, sem pretender que sejam todas as circunstâncias a se adaptarem
aos meus desejos;
5. Hoje, apenas hoje, dedicarei dez minutos do
meu tempo à uma boa leitura, recordando que assim como o alimento é necessário
para a vida do corpo, a boa leitura é necessária para a vida da alma;
6. Hoje, apenas hoje, farei uma boa ação, e não
direi a ninguém;
7. Hoje, apenas hoje, farei ao menos uma coisa
que me custe fazer, e se me sentir ofendido nos meus sentimentos, procurarei
que ninguém o saiba;
8. Hoje, apenas hoje, executarei um programa
pormenorizado. Talvez não o cumpra perfeitamente, mas ao menos o escreverei, e
fugirei de dois males, a pressa e a indecisão;
9. Hoje, apenas hoje, acreditarei firmemente,
embora as circunstâncias mostrem ao contrário, que a Providência de Deus se ocupa
de mim, como se não existisse mais ninguém no mundo;
10. Hoje, apenas hoje, não terei nenhum temor,
de modo especial não terei medo de gozar o que é belo, e de crer na bondade.
A santidade que começa com muita simplicidade, é
destinada a fazer o bem aos outros. Não é feita para aparecer, não se incha de
orgulho. Sua motivação de fundo é a caridade, sem a qual nada vale neste mundo.
Até porque é apenas a caridade que será levada para o encontro definitivo com
Deus, “o lado de lá”, quando veremos face a face o Senhor. Ela é uma aventura
feliz e bem sucedida, construída no dia a dia e unificada pelo fio de ouro do
amor de Deus, que nos faz ver o sentido de tudo o que vivemos. De fato, tudo
concorrerá para o bem dos que amam a Deus (Cf. Rm 8, 29)! O Livro do Apocalipse
vê uma imensa multidão, de toda língua, raça, povo e nação, “os que vieram da
grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro”
(Cf. Ap 7, 2-14).
O “lado de lá” é preparado pelo “lado de cá” bem
vivido, com o qual os homens e as mulheres se preparam para a páscoa pessoal,
enfrentando todas as dificuldades e ultrapassando o misterioso e também
magnífico umbral da morte. Como ninguém ficará para semente nesta terra, ocorre
meditar sobre esta realidade, tomar consciência de sua seriedade e preparar-se
bem. Morremos do jeito que vivemos. Nossa morte e nosso Céu se constroem no dia
a dia, para que o dia do Senhor não nos surpreenda, mas nos encontre vigilantes
e preparados!
Ninguém precisa ficar preocupado com a morte,
mas viver bem, amando a Deus e ao próximo, semeando o bem e a bem-aventurança.
E quando a morte chegar, será a oportunidade de virar o jogo! O segredo está,
também aqui, em nosso Salvador: “Ninguém tira a minha vida, eu a dou
livremente” (Jo 10,18). Vale a pena antecipar a morte! Sim, morrendo cada dia
para o egoísmo e para a maldade, transformando em dom a Deus e aos outros cada
ato de nossa existência. Quem viver assim poderá dizer com São Paulo: “Para
mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro. Ora, se, continuando na vida
corporal, eu posso produzir um trabalho fecundo, então já não sei o que
escolher. Estou num grande dilema: por um lado, desejo ardentemente partir para
estar com Cristo – o que para mim é muito melhor; por outro lado, parece mais
necessário para o vosso bem que eu continue a viver neste mundo” (Fl 1,21-24).
Que cheguemos a tais alturas: “Sabemos que, se a tenda em que moramos neste
mundo for destruída, Deus nos dá outra moradia no céu, que não é obra de mãos
humanas e que é eterna. Aliás, é por isso que gememos, suspirando por ser
sobrevestidos com a nossa habitação celeste; sobrevestidos digo, se é que
seremos encontrados vestidos e não nus. Sim, nós que moramos na tenda do corpo
estamos oprimidos e gememos, porque, na verdade, não queremos ser despojados,
mas sim sobrevestidos, de modo que o que é mortal em nós seja absorvido pela
vida, quem nos preparou para isto é Deus, que nos deu seu Espírito em garantia.
Estamos sempre cheios de confiança e bem lembrados de que, enquanto moramos no
corpo, somos peregrinos, longe do Senhor; pois caminhamos pela fé e não pela
visão. Mas estamos cheios de confiança e preferimos deixar a moradia do nosso
corpo, para ir morar junto do Senhor” (2 Cor 5, 1-8).’
Fonte
:
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/o-lado-de-la-e-o-lado-de-ca
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