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‘Os dicionários traduzem “advento” por vinda, chegada (do verbo latino
advenire = chegar a). Do ponto de vista litúrgico trata-se simultaneamente do
início do ano e da preparação ao Natal. Tempo de avaliação da própria
existência, de arrependimento, de conversão e de expectativa... Revisão do
caminho de nossa fé em vista da celebração do nascimento de Jesus. Costuma
também ser um momento especial, tanto em termos familiares quanto em termos
comunitários e eclesiais. Diante da ansiedade e da euforia que precedem os
preparativos da festa, convém ao cristão interrogar-se como está seu
compromisso pastoral, social e político nas pegadas do peregrino de Nazaré.
Interrogação que pode evitar afogar-se ou asfixiar-se na agitação febril que
costuma tomar conta do oceano em que navega nossa frágil embarcação. As ondas
provocadas pelo mercado mundial impedem, não raro, distinguir o farol e o porto
de nossa meta final.
Protagonistas desse período são
as figuras do profeta Isaías, do chamado precursor, profeta João Batista, e de
Maria de Nazaré. O primeiro nos apresenta a boa notícia: “O povo que andava nas
trevas viu uma grande luz, uma luz brilhou para os que habitavam um país
tenebroso” (Is 9,1). O segundo surge como um apelo à mudança, “a voz daquele
que clama no deserto: preparem os caminhos do Senhor, endireitem suas estradas”
(Lc, 3,4). Quanto a Maria, aceitando ser mãe do Messias, torna-se o protótipo
vocacional de quem diz “sim” ao projeto de Deus, exultando de alegria porque o
Senhor “olhou para a humildae de sua serva, doravante todas as gerações me
vhamarão de bem-aventurada” (Lc1,48). Nos bastidores do palco, porém, esconde-se
um quarto personagem, José, simplesmente José, o operário paciente e fiel, que
age por trás das cortinas e dos holofotes, sem proferir uma única palavra.
Aquele que se encontra sempre no lugar certo e na hora certa, quando se trata
de defender a integridade física da família, cuja presença poucos notam, mas
cuja ausência seria imediatamente sentida.
Na perspectiva da dimensão social
e política do Evangelho, bem como na dinâmica do compromisso com a cidadania,
cada celebração natalícia representa um degrau na superação da fome e da
miséria, da injustiça e da violência, da corrupção e da exploração que reinam
no mundo. Um passo a mais na pavimentação das veredas que buscam construir o
caminho da solidariedade e da paz. Em termos mais concretos, cada natal prepara
o grande Natal do Reino de Deus, onde todos, após a passagem pela terra
estrangeira, como migrantes deste “vale de lágrimas” e de sofrimento, são
chamados a ser cidadãos da pátria definitiva. Natal, antes de tudo, é
reconhecimento que o planeta Terra constitui, ao mesmo tempo, a casa de todo
ser vivo, vegetal, animal e humano (biodiversidade) e a antecâmera do Reino
eterno, cuja alicerce ergue-se a partir das coordenadas da trajetória da
humanidade – não acima, nem fora, nem além. O grande Natal tem raízes na
história, sim, mas não se esgota no aqui e agora da mesma.
Semelhante passagem, entretanto,
exige uma dupla transformação. Por um lado, a conversão pessoal, que consiste
em reaproximar-se de Deus e de si mesmo, no sentido de reencontrar o centro
motriz que movimenta a própria existência. Significa aprender a distinguir o
essencial do supérfluo; o absoluto do relativo; os prazees, paixões e desejos
imediatos dos valores pétreos e imorredouros; o indispensável daquilo que pode
ser descartado. Em outras palavras, resgatar as motivações mais profundas que
dão significado aos nossos anos, dias, horas, minutos, segundos... Reformular o
núcleo vital que move ações e reações, o sentido último da existência humana.
“Não ajuntem riquezas aqui na terra, onde a traça e a ferrugem corroem, e onde
os ladrões assaltam e roubam” – dirá o Senhor. “De fato, onde está o seu
tesouro aí estará também o seu coração” (Mt 6,19-21). Trata-se não de
espiritualizar o pão nosso de cada dia, que deve ser garantido para todos sem
exceção, mas da consciência de que a resolução dos problemas sociais, por si
só, não elimina as perguntas fundamentais do ser humano. Os bens materiais, de
tão sólidos e visíveis, facilmente se pulverizam e se dissolvem no vazio e no
nada, ao passo que os bens celestes, de tão espirituais e invisíveis,
permanecem solidamente como herança da alma que busca e espera. Efetivamente,
nem as traças ou ferrugem, nem os ladrões os podem danificar!
Por outro lado, a mudança pessoal
se complementa com uma conversão social. Ou seja, o reencontro consigo mesmo e
com Deus conduz necessariamente ao compromisso com os pobres, os excluídos, os
infesos, os doentes, os mais necessitados, os últimos, como tem insistido com
tanta frequência o Papa Francisco. Isto quer dizer que a oração, a meditação e
a contemplação – quando profundas e verdadeiras – conferem suporte à caridade.
E esta representa a expressão mais viva e verdadeira do cristianismo ativo,
como mostra o poema da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor
13,1-13). Sem a prática concreta do amor solidário, não passaríamos de “sinos
ruidosos ou címbalo estridentes”, afirma o apóstolo. Ou latas rolando no
asfalto: quanto mais vazias, mais barulho fazem! Não podemos esquecer, além
disso, que semelhante conversão social tem implicações políticas. De fato, o
cristão não paira angelicamente nas nuvens, aima dos embates e contradições da
vida cotidiana. Ao contrário, como pessoa humana dentro de um contexto
histórico concreto, seu modo de agir, querendo ou não, terá sempre
consequências de ordem política. Tudo o que dilacera o tecido social – medos,
dúvidas, angústias, crises, interrogações, assimetrias, tribulações – dilacera
igualmente a Igreja e “seus fiéis”. O mito da neutralidade há muito está morto
e sepultado!
Em síntese, a celebração natalina
nos convida, ao mesmo tempo, a concentra-se sobre si mesmo e sobre o encontro
com Deus, para descentrar-se no amor ao próximo. O êxodo de si mesmo em favor
dos outros requer raízes profundas na intimidae com o Pai, como demonstra a
prática de Jesus. Como já vimos, a oração precede e reforça a caridade. Quem é
incapaz de centrar-se em Deus e em sua própria alma, será incapaz de
descentrar-se em direção ao próximo. Inconsciente de que é a graça de Deus que
age em suas próprias ações (não as energias ou a inteligência humana),
dificilmente poderá ser portavoz de uma palavra de conforto para a multidão dos
sofredoes. Isto porque a palavra viva, criativa, verdadeira e libertadora é
filha do silêncio diante do mistério divino, não da profusão dispersiva das
palavras humanas. As palavras (no pural e em minúsculo) tendem a esconder a
Palavra (no singular e maiúscula).
Ao celebrar o nascimento de Jesus,
não podemos nos contentar com uma festa egocêntrica, pessoal ou quando muito
intrafamiliar. O espírito do Natal amplia as fronteiras da família, expandindo
a Boa Nova do Evangelho a todas as pessoas, especialmente às que têm sua vida
mais ameaçada. Também neste ponto, a prática de Jesus se desloca dos limites de
parentesco para incorporar todos e todas, de modo particular os estrangeiros,
os marginalizados, os não-cidadãos. O profeta itinerante da Galileia inaugura
um novo tipo de família. Não estabelece barreiras à participação no banquete do
Reino. Mais ainda, privilegia os que a sociedade de então deixava à margem,
tais como pecadores, pobres e enfermos – trilogia dos condenados – segundo as
leis rígidas, cristalizadas e fossilizadas dos saduceus e fariseus.
Somente dessa forma podemos
definir o Natal como esperança para os desesperançados, Boa Nova para os que se
desiludiram completamente com os projetos humanos e das formulações
político-partidárias. Luz para a imensa multidão do “sem” que habita as
periferias e porões da sociedade moderna e pósmoderna. Os três reis magos,
guiados por uma estrela, provenientes do Oriente, talvez sejam os protagonistas
dessa nova esperança, a qual independe de sexo, cor e raça, língua e povo,
credo, ideologia ou nação. Da mesma forma que a estrela e os magos, também é do
Oriente que nos chegam os primeiros raios da aurora, aunciando o Astro-Rei, o
novo sol que nasce Menino na gruta de Belém, mas já traz em si o esplendor do
Reino de Deus, onde a compaixão, a misercicórdia e o perdão revestem toda lei e
o julgamento. No advento do Messias, prevalece o primado de que “quem não ama
não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,8). Podemos concluir com as
palavras de Bruno Forte: “A esperança da vida sem lágrimas e sem ocaso, que
plenifica o coração dos homens, é também a esperança de Deus” (In Gesù di
Nazaret, storia di Dio, Dio della storia, Ed. Paoline, Napoli, 1981, pag. 280).’
Fonte :
* Artigo na íntegra da Web Rádio Migrantes
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