terça-feira, 26 de novembro de 2013

Advento e Esperança

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
* Web Radio Migrantes
 
‘Os dicionários traduzem “advento” por vinda, chegada (do verbo latino advenire = chegar a). Do ponto de vista litúrgico trata-se simultaneamente do início do ano e da preparação ao Natal. Tempo de avaliação da própria existência, de arrependimento, de conversão e de expectativa... Revisão do caminho de nossa fé em vista da celebração do nascimento de Jesus. Costuma também ser um momento especial, tanto em termos familiares quanto em termos comunitários e eclesiais. Diante da ansiedade e da euforia que precedem os preparativos da festa, convém ao cristão interrogar-se como está seu compromisso pastoral, social e político nas pegadas do peregrino de Nazaré. Interrogação que pode evitar afogar-se ou asfixiar-se na agitação febril que costuma tomar conta do oceano em que navega nossa frágil embarcação. As ondas provocadas pelo mercado mundial impedem, não raro, distinguir o farol e o porto de nossa meta final. 
 
 Protagonistas desse período são as figuras do profeta Isaías, do chamado precursor, profeta João Batista, e de Maria de Nazaré. O primeiro nos apresenta a boa notícia: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso” (Is 9,1). O segundo surge como um apelo à mudança, “a voz daquele que clama no deserto: preparem os caminhos do Senhor, endireitem suas estradas” (Lc, 3,4). Quanto a Maria, aceitando ser mãe do Messias, torna-se o protótipo vocacional de quem diz “sim” ao projeto de Deus, exultando de alegria porque o Senhor “olhou para a humildae de sua serva, doravante todas as gerações me vhamarão de bem-aventurada” (Lc1,48). Nos bastidores do palco, porém, esconde-se um quarto personagem, José, simplesmente José, o operário paciente e fiel, que age por trás das cortinas e dos holofotes, sem proferir uma única palavra. Aquele que se encontra sempre no lugar certo e na hora certa, quando se trata de defender a integridade física da família, cuja presença poucos notam, mas cuja ausência seria imediatamente sentida. 
 
 Na perspectiva da dimensão social e política do Evangelho, bem como na dinâmica do compromisso com a cidadania, cada celebração natalícia representa um degrau na superação da fome e da miséria, da injustiça e da violência, da corrupção e da exploração que reinam no mundo. Um passo a mais na pavimentação das veredas que buscam construir o caminho da solidariedade e da paz. Em termos mais concretos, cada natal prepara o grande Natal do Reino de Deus, onde todos, após a passagem pela terra estrangeira, como migrantes deste “vale de lágrimas” e de sofrimento, são chamados a ser cidadãos da pátria definitiva. Natal, antes de tudo, é reconhecimento que o planeta Terra constitui, ao mesmo tempo, a casa de todo ser vivo, vegetal, animal e humano (biodiversidade) e a antecâmera do Reino eterno, cuja alicerce ergue-se a partir das coordenadas da trajetória da humanidade – não acima, nem fora, nem além. O grande Natal tem raízes na história, sim, mas não se esgota no aqui e agora da mesma. 
 
 Semelhante passagem, entretanto, exige uma dupla transformação. Por um lado, a conversão pessoal, que consiste em reaproximar-se de Deus e de si mesmo, no sentido de reencontrar o centro motriz que movimenta a própria existência. Significa aprender a distinguir o essencial do supérfluo; o absoluto do relativo; os prazees, paixões e desejos imediatos dos valores pétreos e imorredouros; o indispensável daquilo que pode ser descartado. Em outras palavras, resgatar as motivações mais profundas que dão significado aos nossos anos, dias, horas, minutos, segundos... Reformular o núcleo vital que move ações e reações, o sentido último da existência humana. “Não ajuntem riquezas aqui na terra, onde a traça e a ferrugem corroem, e onde os ladrões assaltam e roubam” – dirá o Senhor. “De fato, onde está o seu tesouro aí estará também o seu coração” (Mt 6,19-21). Trata-se não de espiritualizar o pão nosso de cada dia, que deve ser garantido para todos sem exceção, mas da consciência de que a resolução dos problemas sociais, por si só, não elimina as perguntas fundamentais do ser humano. Os bens materiais, de tão sólidos e visíveis, facilmente se pulverizam e se dissolvem no vazio e no nada, ao passo que os bens celestes, de tão espirituais e invisíveis, permanecem solidamente como herança da alma que busca e espera. Efetivamente, nem as traças ou ferrugem, nem os ladrões os podem danificar! 
 
 Por outro lado, a mudança pessoal se complementa com uma conversão social. Ou seja, o reencontro consigo mesmo e com Deus conduz necessariamente ao compromisso com os pobres, os excluídos, os infesos, os doentes, os mais necessitados, os últimos, como tem insistido com tanta frequência o Papa Francisco. Isto quer dizer que a oração, a meditação e a contemplação – quando profundas e verdadeiras – conferem suporte à caridade. E esta representa a expressão mais viva e verdadeira do cristianismo ativo, como mostra o poema da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 13,1-13). Sem a prática concreta do amor solidário, não passaríamos de “sinos ruidosos ou címbalo estridentes”, afirma o apóstolo. Ou latas rolando no asfalto: quanto mais vazias, mais barulho fazem! Não podemos esquecer, além disso, que semelhante conversão social tem implicações políticas. De fato, o cristão não paira angelicamente nas nuvens, aima dos embates e contradições da vida cotidiana. Ao contrário, como pessoa humana dentro de um contexto histórico concreto, seu modo de agir, querendo ou não, terá sempre consequências de ordem política. Tudo o que dilacera o tecido social – medos, dúvidas, angústias, crises, interrogações, assimetrias, tribulações – dilacera igualmente a Igreja e “seus fiéis”. O mito da neutralidade há muito está morto e sepultado! 
 
 Em síntese, a celebração natalina nos convida, ao mesmo tempo, a concentra-se sobre si mesmo e sobre o encontro com Deus, para descentrar-se no amor ao próximo. O êxodo de si mesmo em favor dos outros requer raízes profundas na intimidae com o Pai, como demonstra a prática de Jesus. Como já vimos, a oração precede e reforça a caridade. Quem é incapaz de centrar-se em Deus e em sua própria alma, será incapaz de descentrar-se em direção ao próximo. Inconsciente de que é a graça de Deus que age em suas próprias ações (não as energias ou a inteligência humana), dificilmente poderá ser portavoz de uma palavra de conforto para a multidão dos sofredoes. Isto porque a palavra viva, criativa, verdadeira e libertadora é filha do silêncio diante do mistério divino, não da profusão dispersiva das palavras humanas. As palavras (no pural e em minúsculo) tendem a esconder a Palavra (no singular e maiúscula). 
 
 Ao celebrar o nascimento de Jesus, não podemos nos contentar com uma festa egocêntrica, pessoal ou quando muito intrafamiliar. O espírito do Natal amplia as fronteiras da família, expandindo a Boa Nova do Evangelho a todas as pessoas, especialmente às que têm sua vida mais ameaçada. Também neste ponto, a prática de Jesus se desloca dos limites de parentesco para incorporar todos e todas, de modo particular os estrangeiros, os marginalizados, os não-cidadãos. O profeta itinerante da Galileia inaugura um novo tipo de família. Não estabelece barreiras à participação no banquete do Reino. Mais ainda, privilegia os que a sociedade de então deixava à margem, tais como pecadores, pobres e enfermos – trilogia dos condenados – segundo as leis rígidas, cristalizadas e fossilizadas dos saduceus e fariseus.  
 
 Somente dessa forma podemos definir o Natal como esperança para os desesperançados, Boa Nova para os que se desiludiram completamente com os projetos humanos e das formulações político-partidárias. Luz para a imensa multidão do “sem” que habita as periferias e porões da sociedade moderna e pósmoderna. Os três reis magos, guiados por uma estrela, provenientes do Oriente, talvez sejam os protagonistas dessa nova esperança, a qual independe de sexo, cor e raça, língua e povo, credo, ideologia ou nação. Da mesma forma que a estrela e os magos, também é do Oriente que nos chegam os primeiros raios da aurora, aunciando o Astro-Rei, o novo sol que nasce Menino na gruta de Belém, mas já traz em si o esplendor do Reino de Deus, onde a compaixão, a misercicórdia e o perdão revestem toda lei e o julgamento. No advento do Messias, prevalece o primado de que “quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,8). Podemos concluir com as palavras de Bruno Forte: “A esperança da vida sem lágrimas e sem ocaso, que plenifica o coração dos homens, é também a esperança de Deus” (In Gesù di Nazaret, storia di Dio, Dio della storia, Ed. Paoline, Napoli, 1981, pag. 280). 
  

Fonte :
* Artigo na íntegra da Web Rádio Migrantes

 

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