Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘No livro do Deuteronômio, Moisés fala ao
povo de Deus, de modo muito decisivo no momento em que ele mesmo ia morrer, sem
ter visto a Terra Prometida :
‘Eu te proponho hoje a vida ou a morte,
escolhe a vida e viverás’! (Deut 30,19).
A vida monástica levou a sério este apelo.
Desde o começo da Regra São Bento retoma o apelo do Senhor :
‘E procurando o Senhor o seu operário na
multidão, ao qual clama, retomando o salmo 33 : ‘Quem quer a vida? Quem deseja
dias felizes?’diz ainda : ‘ Se, ouvindo, responderes : ‘Eu’, dir-te-á Deus ‘Se
queres a verdadeira vida, a vida com Deus para sempre… Então procura a paz e
segue-a’ (Pról. 14-16).
E também no fim do Prólogo :
‘De modo que não nos separando nunca do
seu magistério e perseverando no mosteiro, sob sua doutrina, até a morte,
participemos pela paciência, dos sofrimentos do Cristo a fim de também
merecermos ser co-herdeiros do seu Reino’ (Prol. 50)
No cap. 4 sobre os instrumentos das boas
obras, São Bento volta ao tema da morte e da vida na existência de um monge : ‘Ter
diariamente diante dos olhos a morte a surpreendê-lo’ (RB 4, 46). Não há nada
de mórbido nisso, é simplesmente sublinhar que a vida nesta terra, por mais
importante que seja, é uma passagem e que agarrar-se a ela não dá a chave da
existência. É, ao mesmo tempo, uma questão de orientação do desejo para a
verdadeira vida e de vigilância sobre o cotidiano das palavras e dos atos.
Concretamente isto traduz-se por uma
atenção na escuta obediente, para que o amor circule livremente entre nós.
Assim no capítulo sobre a humildade, São Bento diz : ‘O terceiro grau da
humildade consiste em que, por amor de Deus, se submeta o monge, com inteira
obediência ao superior, imitando o Senhor, de quem disse o apóstolo : Fez-se
obediente até à morte’ (RB 7, 34). Mais uma vez é questão do mistério pascal. O
quarto grau completa o anterior, mostrando como isso exige paciência e
perseverança; trata-se de ‘não se entregar, nem ir embora’ até ao fim, para
saborear a vida verdadeira.
Isto se vive sobretudo no quadro da
liturgia, em que a alternância regular do dia e da noite reatualiza na nossa
vida o mistério pascal de Cristo : ao pôr do sol com as Vésperas, em que Cristo
morre na cruz, na noite escura das Vigílias com o combate que se passa nos
salmos, ao nascer do sol com as Laudes, manhã da ressurreição, e ao longo das
Horas Menores seguindo o caminho do sol e a paixão do Filho do Homem.
Isto também interfere igualmente no
comportamento para com os doentes. Estes nos lembram a fragilidade da
existência e a proximidade da última passagem. São Bento diz para reconhecer
neles o Cristo, o Cristo sofredor e moribundo, e, no entanto mesmo nessas
circunstâncias, testemunha constante da vida que está em Deus.
Do mesmo modo, São Bento pede que se tenha
cuidado com as crianças, os hóspedes, os peregrinos, os pobres; neles
reconhece-se o Cristo pobre, confrontado com a fragilidade da existência.
Para mostrar ainda mais esta relação com
Cristo no seu mistério da Páscoa, a Regra prevê em diversas circunstâncias o
rito do lava-pés. Na acolhida dos hóspedes, e também cada semana, quando os
monges entram no serviço do refeitório e da cozinha, mesmo se esse rito não se
faz mais hoje. Esta dimensão do serviço manifesta a participação na morte e na
ressurreição de Cristo. O rito do lava-pés tem todo o sentido em ligação com a
refeição eucarística, como Jesus fez na véspera da sua paixão.
O monge torna-se pobre de qualquer pertença pessoal. No dia de sua profissão, faz doação de tudo o que possui; sobretudo de si mesmo, pois está dito que a ‘partir desse dia nem sobre o próprio corpo tem poder’ (RB 53, 25). É por isso que em certas épocas, a liturgia da profissão simbolizava a morte espiritual do novo candidato, que, prostrado, ficava coberto com um pano preto. Ou então, o professo ficava coberto com um capuz durante três ou oito dias, antes de se descobrir e aparecer como testemunha da ressurreição, segundo o modelo da liturgia do batismo. Lembremos também o ‘encorajamento’ que outrora os monges trapistas faziam quando se encontravam ‘Irmão, caminhemos para a morte’, ou então, aqueles monges que, cada dia, cavavam o seu túmulo para experimentarem a vaidade das coisas que passam. Estes costumes já não se praticam hoje, pois colocou-se o polo da vida e da ressurreição no seu devido lugar. Mas a vida monástica tem que vigiar para manter o equilíbrio das duas dimensões do mistério pascal. Uma nunca vai sem a outra.
No fim da Regra São Bento, resume-se assim
a vida dos monges :
‘Nada absolutamente anteponham a Cristo,
que nos conduza juntos para a vida eterna’ (RB 72, 11-12).
A morte e a vida só se compreendem bem, na
vida monástica, à luz do mistério pascal de Cristo.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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