Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Rodrigo Borges Delfim
‘Dezessete dias após a morte de Francisco,
a Igreja Católica conheceu na última quinta-feira (8) seu mais novo Papa. O
escolhido pelos cardeais reunidos na Capela Sistina, no Vaticano, foi o
estadunidense-peruano Robert Francis Prevost, de 69 anos, que assumiu o título
de Leão 14. E o que pensa o novo pontífice sobre a questão migratória, um dos
pontos mais abordados pelo antecessor?
Em seu primeiro discurso, o novo Pontífice
não fez menções diretas à temática migratória. Ele fez um ‘chamado à paz’ para ‘todos
os povos’ e instou a ‘construir pontes’ por meio do ‘diálogo’, avançando ‘sem
medo, unidos, dando a mão a Deus e estendendo-a entre nós’.
No entanto, manifestações recentes e até
mesmo o nome que escolheu para ser Papa indicam uma forte preocupação com a
questão social, o que inclui a manutenção de parte significativa dos processos
iniciados por Francisco. Entre eles se encontra a defesa da dignidade das
pessoas migrantes e as críticas às políticas adotadas por governos em todo o
mundo que colocam os que se deslocam em situação vulnerável.
‘Buscando inspiração em Leão XIII, pastor
dos operários e da Doutrina Social da Igreja, e dando seguimento a Francisco,
pastor dos pobres e migrantes, é de se esperar que o novo sucessor de Pedro
seja firme na defesa dos direitos humanos e na promoção da dignidade humana,
linha mestra do ensino social da Igreja’, avalia o padre Alfredo J. Gonçalves,
assessor do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) na Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), em comentário enviado ao MigraMundo sobre o novo Papa.
Leão XIII, Doutrina Social da
Igreja e migrações
Mas afinal, quem foi Leão XIII? Papa de
1878 a 1903, ele teve o quarto pontificado mais longo da Igreja Católica e
ficou conhecido pela encíclica Rerum Novarum, de 15 de maio de 1891, e que
abordava a condição degradante dos operários industriais da época. Chamada por
alguns de ‘Manifesto Comunista da Igreja’ ou de resposta da Igreja ao Manifesto
Comunista – que já tinha sido lançado em 1848 –, essa encíclica é considerada
ainda o marco inicial dos chamados ‘Documentos Sociais da Igreja’.
Naquela época, a Revolução Industrial
causava mudanças profundas na mentalidade e no cotidiano das sociedades
europeias. Enquanto as cidades se desenvolviam, as condições de trabalho nas
fábricas eram extremamente precárias. Ao mesmo tempo, lavradores perdiam
espaço devido ao avanço das indústrias sobre áreas produtivas para
fornecimento de matérias-primas para o setor, e muitos tampouco conseguiam se
manter no meio urbano.
Diante desse contexto, muitas vezes a
contragosto, a migração se tornou uma das saídas para as pessoas excluídas pela
Revolução Industrial. Ou seja, esse fato histórico foi um dos motivadores da
chamada ‘Grande Imigração’, que se deu entre o final do século XIX e meados do
século XX da Europa em direção a outros continentes – em especial a América.
‘Ninguém, com efeito, quereria trocar por
uma região estrangeira a sua pátria e a sua terra natal, se nesta encontrasse
os meios de levar uma vida mais tolerável’, traz trecho da Rerum Novarum.
‘Enquanto Francisco nos remetia ao pobre
de Assis, Leão XIV nos remete a Leão XIII. Leão XIII, por sua vez, foi o Papa
que teve a coragem de publicar a Carta Encíclica Rerum Novarum, em 1891, que
tinha como subtítulo ‘a condição dos operários’. Isso coloca o novo pontífice
na esteira dos papas que se preocuparam com a chamada questão social’, explica Padre
Alfredo.
A relação da chamada Grande Migração com
os Documentos Sociais da Igreja foi tema
de um curso ministrado em São Paulo em 2017 pelo próprio Padre Alfredo.
Dupla nacionalidade e papa
migrante
Prevost nasceu em Chicago, nos Estados
Unidos, tendo mãe de ascendêndia espanhola e pai americano. No entanto, passou
a maior parte de sua carreira religiosa no Peru, onde atuou desde a década de
1980 em cidades como Piura, Trujillo e Chiclayo. Tal vivência no país
sul-americano permitiu que em 2015 ele visse a obter também a nacionalidade
peruana.
A reverência com a pátria que adotou ficou
clara no primeiro discurso de Prevost como Papa, fazendo-o parte dele em
espanhol e mencionando de forma especial a Diocese de Chiclayo.
‘E se me permitem também uma palavra : [em
espanhol] a todos aqueles, de modo particular, à minha querida diocese de
Chiclayo no Peru, onde um povo fiel acompanhou o seu bispo, compartilhou a sua
fé e deu tanto a mim para seguir sendo igreja fiel de Jesus Cristo’.
No país sul-americano, também expressou
preocupação com os migrantes venezuelanos – o Peru é um dos principais destinos
dessa diáspora, que enfrenta dificuldades de integração com a economia local e
com manifestações de preconceito.
A dupla nacionalidade e o fato de ter
feito grande parte de sua vida longe da terra natal fazem de Prevost, de fato,
uma pessoa migrante. ‘Creio que a dupla nacionalidade, da mesma forma que o
domínio sobre vários idiomas, é um forte indicativo de abertura a outros povos,
culturas e nações’, complementa Padre Alfredo.
Críticas ao governo Trump
Ser uma pessoa migrante de fato (e mostrar
que ser migrante não é apenas vir de um país do Sul Global em direção ao Norte)
e ter dupla nacionalidade – estadunidense e peruana – são fatores que já
colocam o novo Papa em rota de colisão com o governo do atual presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, que tem no rechaço à migração uma de suas
principais bandeiras.
O agora Papa Leão XIV, antes de ser eleito
para o mais alto cargo da Igreja Católica, já havia se manifestado publicamente
contra a política migratória trumpista.
Em mensagem publicada em 14 de abril, o
então Cardeal Prevost repostou na rede social X (antigo Twitter) uma mensagem
com críticas à deportação ilícita de um residente estadunidense. ‘Vocês não
veem o sofrimento? A sua consciência não está perturbada? Como podem ficar em
silêncio?’
Em outra mensagem, ele repostou na mesma
rede um artigo com o título ‘JD Vance está errado: Jesus não pede para
ranquearmos nosso amor pelos outros’, em 3 de fevereiro, em crítica direta ao
atual vice-presidente.
Além disso, o agora Papa Leão XIV também
apoiou a carta
divulgada por Francisco em fevereiro passado aos bispos católicos dos Estados
Unidos, poucas semanas antes de morrer. Nela, fez críticas diretas à
política de perseguição a imigrantes realizada por Trump e pediu que os
católicos de todo o mundo se posicionem e ‘não deem atenção a narrativas que
sejam discriminatórias’.
‘Tenho acompanhado com atenção a
importante crise que está ocorrendo nos EUA devido ao início de um programa de
deportações em massa. ‘Exorto todos os fiéis da Igreja Católica (…) a não ceder
a narrativas que discriminam e causam sofrimento desnecessário aos nossos
irmãos e irmãs migrantes e refugiados. O que é construído com base na força, e
não na verdade sobre a igual dignidade de todo ser humano, começa mal e
terminará mal’, traz trecho do documento.
Embora Trump tenha declarado que ‘não veja
a hora de conhecer’ Leão XIV e de celebrar o fato dele ser nascido nos Estados
Unidos, o alinhamento com a política de Francisco em relação à migração coloca
o novo Papa como um potencial contraponto ao presidente republicano.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://migramundo.com/o-que-esperar-do-papa-leao-xiv-sobre-as-migracoes/
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