Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo do Irmão Bernard Guekan, OSB
Abadia de Keur Moussa, Senegal
`O trabalho monástico em Keur Moussa foi desde o princípio da fundação orientado para a implementação de técnicas agrícolas e pecuárias, a alfabetização, os cuidados de saúde elementares, a prevenção das doenças endêmicas e a educação em saúde materna e infantil, dispensados às populações num raio de trinta quilômetros. Estas atividades foram entendidas como o desenvolvimento visível de uma identidade humana e religiosa. A este propósito, um hóspede de passagem fazia a seguinte observação: «Vós orais enquanto trabalhais», como para traduzir que não há diferença entre o monge de coro e o monge das oficinas, na horta ou no galinheiro. O inverso parece igualmente verdadeiro. Não se encontra uma fórmula mais adaptada para abolir a tensão tão frequentemente vivida entre ora et labora. A questão levanta-se então sobre o que constitui o traço específico da nossa identidade monástica no nosso ambiente senegalês.
O setor da atividade da suinocultura parece-me ser uma imagem que traduz, ainda que imperfeitamente, um aspecto da nossa vida quotidiana em Keur Moussa, não apenas pela atividade que é exercida enquanto tal, mas sobretudo pela maneira como ela determina, orienta as vidas e cria um espaço de diálogo. O porco, como é sabido, é um animal identitário que condensa em si a fronteira entre três grandes religiões monoteístas, o judaísmo, o cristianismo e o islão. Ora, o nosso país, sendo precisamente uma terra onde o Islã está fortemente enraizado, a visão de dejetos daquela origem nas descargas ou pelas ruas dos bairros suscita um olhar sobre o caráter multiconfessional e multicultural do meio social e ambiente. No mosteiro, o setor da suinocultura é mantido pelo noviciado. Ele constitui frequentemente a primeira provação do jovem que ingressou recentemente na vida monástica. De fato, a criação de porcos, tal como a das cabras e das vacas, não conhece domingos nem feriados e necessita consequentemente de uma presença regular, e sobretudo matinal. Para um jovem que imerge na vida monástica, o trabalho da pocilga, por exigir muita força, revela-se decisivo para a capacidade do jovem em perseverar, pelo menos no princípio, na sua iniciação à vida monástica. Logo, este setor é, parece-nos, um indício revelador sobre o «risco» de empenhar hoje a sua vida na vida singular da vida monástica.
Uma arte espiritual
Sobre o trabalho manual, São Bento declara justamente isto na sua Regra : «Então serão verdadeiramente monges, se viverem do trabalho das suas mãos, como os nossos pais (da Igreja) e os apóstolos» (RB 48,8). Evidentemente, ele entende aqui o trabalho manual cotidiano como uma estrutura a partir da qual o destino do monge adquire efetivamente forma. Isto não deixa de causar certo espanto pois na Regra, onde trata do Ofício divino, São Bento afirma simplesmente que serão monges preguiçosos, indolentes, inertes no serviço que lhes foi confiado (nimis iners devotionis suae servitium, RB 18,24) aqueles monges que não recitarem o saltério em uma semana. Ele sugere aqui a ideia de uma qualidade intrínseca, ao passo que no propósito relativo ao trabalho manual, põe em jogo o próprio processo de se tornar monge. No capítulo que trata do trabalho manual, São Bento insere ao mesmo tempo os momentos da prática da lectio divina ao longo do dia, para pôr bem em evidência o caráter orante do labora. Isto significa que a prática de toda a atividade manual no mosteiro, além de «conservar um saudável equilíbrio de espírito e de corpo, de exercer e desenvolver as diversas faculdades que Deus (nos) deu» (cf. Declarações da Congregação de Solesmes, nº 63), é uma exposição ao olhar de Deus e à sua salvação. Se a lectio divina é assim considerada em São Bento como um gênero de trabalho, segue-se a necessidade de redefinir ou de requalificar os termos ora et labora. O trabalho manual, enquanto oração, é, para a oração, o fruto maduro da palmeira que se transforma em óleo depois de moído, triturado, e posto na prensa. Em contrapartida, a oração enquanto oração das mãos é, para o trabalho, a bigorna por meio da qual o ferro aquecido toma forma. Este é modelado segundo a intenção do ferreiro. É por isto que no mosteiro o trabalho manual deve ser executado em silêncio, salvo quando a palavra se torna uma necessidade. Sendo assim, o trabalho manual não mais é simplesmente uma atividade feita às pressas pelo monge para se dedicar à oração. Ele é ao mesmo tempo preparação e prolongamento da oração.
O trabalho manual em contexto monástico é uma via cósmica de acesso a si, do crescimento em si do ser monge. Pode-se dizer, parafraseando Michel Foucault – num outro contexto –, que o trabalho manual se revela como um perfeito exercício do cuidado de si, não egoísta, mas enquanto ações que se exercem de si sobre si, ações pelas quais nos responsabilizamos, pelas quais nos modificamos, pelas quais nos purificamos e pelas quais nos transformamos e transfiguramos.
Na realidade, o tomar conta de si é necessário, pois evita toda a dependência (econômica) que prejudicaria o ideal de unidade (monos). Pode-se comparar esta ideia do cuidado de si mediante o trabalho manual com a divisa do nosso mosteiro (O deserto florescerá). Há aqui a ideia de pôr à prova os desertos das nossas afetividades, da nossa necessidade de reconhecimento pela invocação da misericórdia, da paz e da compaixão: é o meio de fazer crescer, proteger e de preservar.
O hóspede muçulmano, com frequência presente na nossa mesa sem se ter anunciado, pode mais ou menos acusar a exigência e a delicadeza que lhe devemos, a fim de que se sinta bem no mosteiro, confeccionando-lhe um outro prato que lhe trará gosto e paz, no caso em que o famoso é o menu do dia. O diálogo interreligioso apresenta-se e atravessa então o prato de cada um. O deserto começa a florir para nós nesse instante, quando não pretendemos reduzir o hóspede a nós.
Voltando ainda à nossa pocilga, há interesse em notar que nos acontece frequentemente solicitar os serviços de um vizinho muçulmano para o transporte de alimentos para uma localidade próxima do mosteiro. Este serviço, depreende-se, não é gratuito, mas é sempre com alegria no coração que o nosso vizinho o faz, reservando uma parte do produto para os seus carneiros de que ele gosta tanto quanto da nossa pocilga. Este trabalho de circunstância permite-lhe um aumento dos seus magros recursos sem o que não poderia alimentar as suas mulheres e os numerosos filhos.
A explicação
O propósito beneditino que acaba por conferir ao trabalho manual monástico o seu estatuto de explicação da identidade oculta do monge situa-se no mesmo capítulo 48 da Regra, consagrado ao trabalho, onde São Bento recomenda de maneira precisa tratar os utensílios do mosteiro como os vasos sagrados do altar. Deus não está ausente do trabalho humano. Ele está presente aí tanto quanto entre a comunidade reunida para a oração. Assim, dever-se-ía compreender este outro propósito de São Bento: «Que nada se sobreponha à obra de Deus», no sentido da aproximação da mesma proposição (injunção) que faz a respeito do trabalho manual: «É então que serão verdadeiramente monges, se viverem do trabalho das suas mãos, como os nossos pais (da Igreja) e os apóstolos». Trata-se aqui fundamentalmente de não se preferir a si a Cristo, que é a vida do monge, segundo esta afirmação de São Paulo: «Para mim, viver é Cristo». As nossas principais atividades, a saber: a horta, o ateliê de aperfeiçoamento da kora e os diferentes ateliês de profissionalização dirigidos, desde a fundação, aos jovens desejosos de se auto-empregar, foram e são ainda o marcador de uma presença beneditina na aldeia de Keur Moussa.
As populações das proximidades, logo no início das nossas atividades, certamente apreenderam melhor quem éramos vendo-nos trabalhar, como diz o provérbio wolof : «Liguèye jamou Yalla la », que se traduz literalmente : «Trabalhar é orar a Deus». Hoje ainda, com as mudanças sociais, a savana arborizada transformou-se numa pequena coletividade e aqueles que passam pelo mosteiro espantam-se que ela não seja de fato particularmente luxuriante, mas sempre em devir, enfrentando as mudanças climáticas que a tocam gravemente; a salinização dos lençóis de água do sub-solo devida aos défices pluviométricos, o desaparecimento das espécies vegetais e o afluxo das aves e os seus efeitos devastadores sobre a horta.
A audácia de se reorientar
A nossa comunidade, ela mesma, aprendeu a compreender a sua identidade a partir dos lugares de ação e das mutações do seu ambiente sociocultural e político. Desde o princípio, os fundadores tiveram a audácia de se orientar bem diferentemente, não mais partindo de questionamentos vindos de exigências autoritárias da vida monástica, mas inversamente a partir da resposta aos apelos do lugar da fundação que faziam urgir a reformulação de um discurso monástico verdadeiro. As teorias missionárias de então, como a da plantação, não ajudam muito com efeito a enfrentar este tipo de desafios, pois não se tratava de replantar o jovem rebento a mais de cinco mil quilômetros do seu lugar de proveniência, e esperar que ele desse a mesma folhagem e os mesmos frutos da sua terra de origem.
Procurar encontrar
O profetismo desta divisa do mosteiro de Keur Moussa e a promessa que ela contém traçaram a fenda do desejo da transformação do local doravante tornado habitável. Isto conduziu os nossos vizinhos agricultores de então, e os citadinos, na maior parte hoje, a nos revelarmos também como pessoas economicamente fortes e detentoras de um saber-fazer prático. Inversamente, apercebemo-nos também que não nos compreendemos ainda suficientemente quando não nos compreendemos a nós próprios. O risco possível da recusa em levar em conta a necessidade de procurar caminhar e de reconduzir a utopia, continua a petrificar-se numa identidade mais ou menos mal assumida.
Compreender-se com efeito a si mesmo como contemplativos, categoria que nos é habitualmente atribuída, assume paradoxalmente um duplo efeito, por um lado pela redução da nossa identidade a pessoas que renunciaram a toda a atividade; por outro lado, a tendência ao afastamento das diversas formas de produção econômica, até mesmo à negação imaginária de tomadas de responsabilidade em cargos econômicos. É como se a melhor forma de conservar a priori a integridade da utopia monástica residisse na negação pura e simples do trabalho manual.
O termo «procurar Deus» qualifica profundamente o monge como tal, segundo São Bento e a antiga tradição espiritual. Esta expressão, parece-me, é a que melhor serve para definir o sentido da vida monástica, como procura de unidade (monos). Longe de toda a divisão, consequentemente, o labora, entendido doravante como a oração das mãos, constitui a essência da vida monástica e reveste, por este mesmo fato, o caráter de exercício espiritual; enquanto que Cristo é o sentido.`
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.aimintl.org/pt/communication/report/118
Nenhum comentário:
Postar um comentário