Por Eliana Maria (Ir. Gabriela,
Obl. OSB)
Casa da Ressurreição, Mirfield, West Yorkshire, Inglaterra
*Artigo do Padre Nicolas Stebbing, OSB anglicano
Comunidade da Ressurreição, Zimbabwe
‘Todos os que conhecem a história da
Inglaterra, sabem que Henrique VIII foi célebre por causa de suas esposas, por
causa de sua ruptura com Roma e por causa de sua decisão de acabar com a vida
monástica. Todos os protestantes e reformados afastaram a vida monástica, por
diversas razões teológicas, ou morais, mas a decisão de Henrique VIII não foi
por causas teológicas ou morais.
Ele percebeu que dos mosteiros e das
ordens religiosas vinha a principal oposição à sua ruptura com o Papa. Depois
precisava de dinheiro, que poderia vir da venda das propriedades monásticas e
pensou que teria a ajuda dos leigos nobres, vendendo-lhes essas propriedades [1].
Ele usou para este fim os serviços de
Thomas Cromwell, e entre 1532 e 1540, quer dizer alguns anos, foi destruída uma
vida monástica florescente.
No entanto, no século 19 houve uma
reaparição do espírito católico na Igreja anglicana, mais conhecida como ‘Movimento
de Oxford’, e que se tornou mais tarde o ‘Movimento anglo-católico’. Os
anglicanos redescobriram uma vida sacramental na sua totalidade, uma teologia
renovada e sólida da Igreja e uma tradição de oração, que havia atravessado
séculos. Isto suscitou o desejo de fazer renascer a vida religiosa. Queriam
reencontrar uma tradição de oração, que desse acesso maior, mais generoso e
mais atrativo a Deus. E queriam mulheres e homens capazes de trabalhar nos
bairros pobres das cidades.
As primeiras comunidades anglicanas –
nasceram nos anos 1840 – foram de irmãs religiosas que tiveram de provar à
Igreja que não eram parasitas, nem românticas desocupadas. Comprometeram-se
assim no trabalho paroquial, no ensino, nos cuidados de enfermagem, e nas obras
sociais. Ao mesmo tempo quiseram ter um estilo de vida monástica, usar hábito,
rezar o ofício completo e ter uma vida de oração. Elas imitavam muito as
religiosas católicas romanas. No final do século 19, havia milhares de irmãs
anglicanas.
Do lado dos homens, a vida religiosa
recomeçou com a fundação da Fraternidade São João Evangelista em 1865. Em 1890,
apareceram a Comunidade da Ressurreição e a Fraternidade da Missão Sagrada.
Estas comunidades de homens eram essencialmente formadas por padres;
asseguraram as missões e retiros, fizeram um trabalho missionário na África do
Sul e na Índia. No século 20, várias pequenas comunidades franciscanas se
juntaram para formar a Fraternidade São Francisco.
No século 20, igualmente, despois de
tentativas que não deram certo, foi fundada a primeira comunidade beneditina : Nashdam
Abbey [2]. Como aconteceu com as ordens católicas romanas depois do
Concílio Vaticano II (a partir de 1962) houve uma baixa do número de monges, e
os religiosos tiveram dificuldade em adaptar sua vida ao mundo em mutação.
Muitas comunidades desapareceram. Foi difícil prever qual seria o futuro neste
campo, sobretudo no Ocidente.
Quando o movimento ecumênico abateu as
barreiras entre anglicanos e católicos, religiosos católicos começaram a ir a
comunidades anglicanas e a dizerem-lhes ‘Vocês são monges beneditinos’ (menos é
claro aos franciscanos anglicanos). ‘Não, não somos’! dissemos. ‘Sim, vocês são’.
E tinham razão. Dir-se-ia que a vida beneditina era natural para a Igreja
anglicana e que a vida religiosa aí tomasse essa forma. A que se deve isso?
Em primeiro lugar, quando o arcebispo
Cranmer reduziu o Ofício romano à versão anglicana da Oração da manhã e da
tarde, e a tornou obrigatória para todos os padres, criou uma forma de devoção
anglicana baseada nas mesmas leituras, salmos e orações como a da tradição
monástica. Embora simplificada, a estrutura e a regularidade do Ofício diário,
era a mesma.
Depois, mas só na Inglaterra, há o fato
das catedrais da Idade Média serem mosteiros beneditinos. Assim quando a vida
monástica desapareceu, os capítulos das catedrais funcionaram, praticamente,
como o capítulo do mosteiro. Havia corais que cantavam o Ofício cotidiano; a
vida do culto continuou e era seguido pelos leigos. O louvor litúrgico a Deus
tornou-se uma das caraterísticas mais gloriosas da Igreja da Inglaterra.
Em terceiro lugar, as duas Universidades
Cambridge e Oxford eram, em grande parte, fundações religiosas. Depois que os
monges foram expulsos, o pessoal e os professores ficaram, e eram na sua
maioria clérigos celibatários. Vivendo em comunidade com os estudantes, comiam
juntos, rezavam juntos o culto obrigatório na capela, continuavam assim o
aprendizado da vida beneditina sóbria. Mas não se deve idealizar a situação,
pois houve muitos abusos, muito laxismo e muitos fracassos. No entanto, o
princípio ficou e quando no século 19 os fundadores da vida religiosa anglicana
procuraram um modelo, reproduziram, naturalmente a vida de seus colégios. Uma
vida comum, uma oração comum e uma formação sólida podem ser consideradas a
base do monaquismo beneditino.
Tudo aconteceu tão naturalmente, e em
silêncio. Mas quando a vida beneditina católica romana começou a renovar-se no século
20, e que as duas Igrejas se aproximaram com o ecumenismo, entendemos por que
São Bento estava tão presente na Comunhão anglicana : sempre esteve!
Quais são as diferenças?
O nosso próprio mosteiro – Comunidade da
Ressurreição – e a nossa Casa Mãe de Mirfield, em Yorkshire, depois do Concílio
Vaticano II, tornaram-se Comunidades gêmeas com a Abadia Beneditina de São
Matias em Trier (Trèves). A amizade continuou a crescer e tornou-se muito
importante para os dois lados.
Visitamo-nos mutuamente, regularmente,
aprendemos uns dos outros. Os monges de Trèves têm um novo estilo de vida
monástica, fiel ao ensinamento de São Bento, e no entanto engajado na vida da
cidade.
Eles nos mostraram que a vida beneditina
não tem necessariamente um só estilo. Há lugar para vários carismas diferentes,
cada um vivendo num diálogo fiel com a Regra original. Reconhecemos
honestamente que não foi fácil para vários membros da nossa comunidade aceitar
a identidade beneditina e estar integralmente integrados na família beneditina.
Muitos não sentiam a necessidade. Vários tinham medo de ter de fazer mudanças
inaceitáveis para eles e para seus ministérios.
Foram precisos mais ou menos 20 anos para
os temores desaparecerem, e em 2018 pedimos – e obtivemos – pertencer à
Congregação da Anunciação.
Continuamos a estudar o que isso exige na
nossa vida comunitária, mas algumas coisas tornaram-se claras :
– Fazemos parte de uma grande família e
estamos em diálogo com uma grande tradição. Em vez do pequeno mundo da vida
religiosa anglicana e de sua curta história de menos de 200 anos, podemos agora
nos apoiar sobre a enorme força de 15 séculos de vida beneditina.
– Um campo chave diz respeito à formação :
a formação inicial dos noviços e a formação contínua da comunidade. No passado,
os novos membros eram sobretudo padres ordenados, que tinham sido formados em
seminários de uma maneira quase monástica. Os que chegavam como leigos tinham,
geralmente, uma boa formação na vida de devoção anglo-católica. Bastava
formá-los para a vida comunitária e para as nossas tradições. Era assim outrora
(embora haja quem duvide), mas não é o caso hoje. Uma grande parte da tradição
anglicana morreu. As pessoas chegam só com pouquíssima formação sobre a oração
e sobre a vida sacramental. Temos de lhes dar uma base sólida e ajudar a
descobrir uma boa orientação monástica. As fraquezas da nossa vida monástica
são muito claras para alguns de nós e temos de fazer face à falta de formação
contínua. É um problema que partilhamos com várias outras comunidades
beneditinas.
– Descobrimos que a Regra de São Bento não
nos faz sair do mundo real da vida cristã para ir para o mundo monástico, ‘exótico’
como alguns temem), muito pelo contrário.
Isto nos ajudou a descobrir que a verdadeira
base da nossa vida é que cada um vive, dia a dia, com os irmãos e irmãs que
Deus lhe deu, e que aceitar esse processo permite fazer crescer verdadeiramente
o povo de Deus, segundo Sua vontade. É viver o Sermão da Montanha, que todos os
cristãos tentam pôr em prática.
Ao mesmo tempo isso nos ajudou a
reenquadrar os diferentes ministérios que exercemos, num contexto que lhes
permite integrarem-se melhor na vida monástica. Continuamos a ensinar teologia,
a pregar nas igrejas, a ter contato com os que fazem retiro, a visitar a Europa
no quadro de diversos tipos de encontros ecumênicos, a trabalhar com as Igrejas
do Zimbábue, da África do Sul e até dos Estados Unidos da América. É bom para
uma pequena comunidade, que está envelhecendo, mas parece estar dando certo e
há jovens que desejam juntar-se a nós. É a melhor prova de que está acontecendo
alguma coisa boa!
Ecumenismo
Como Anglicanos temos alguma coisa a
oferecer ao mundo beneditino? A primeira coisa é o fato de sermos anglicanos!
São Bento escreve na sua Regra, escrita antes dos grandes cismas da Igreja; a
vida beneditina prosperou na Europa e na Inglaterra durante quase mil anos
antes que a Reforma dividisse os cristãos de uma maneira tão trágica.
Nós todos que seguimos a Regra de São
Bento, estamos unidos por muitas mais coisas do que aquelas que nos separam. Se
pudermos consertar certas feridas que nos separam ainda, será um verdadeiro
presente que podemos oferecer à Igreja Universal.
Ut omnes unum sint – ‘Que todos sejam Um’, é com este objetivo que devemos trabalhar,
e não só pela oração, mas vivendo juntos a Regra tornaremos nossa oração mais
real.
Rezem por nós, irmãos e irmãs em São
Bento!’
[1] Um paralelo interessante aconteceu em
Zimbabwe no ano 2000. Robert Mugabe precisava quebrar o poder da oposição :
para isso comprou a ajuda de seus partidários. Enviou seus antigos companheiros
de combate e outros fiéis a comprar, sem compensações, terras de agricultores
brancos. As fazendas que deviam ser distribuídas aos pobres, a maior parte das
vezes ficaram com seus partidários, e isso teve consequências desastrosas para
o país. Há histórias semelhantes no leste da Europa, no tempo do comunismo ou durante
o Império de Pompeu e de César!
[2] Os irmãos deixaram Nashdom nos anos 80
para se instalarem em Elmore. Em 2010 os 4 últimos monges partiram de Elmore
para se instalarem em Sacrum College, um centro anglicano de Estudos (nota do
editor).
Fonte : *Artigo na íntegra
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