Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo da Madre Pascale Fourmentin, OCSO
Abadessa de Koningsoord, Arnhem (Holanda)
‘‘Koningsakker’ é o nome do cemitério
natural, ou ecológico, ligado à Abadia cisterciense Koningsoord nos Países
Baixos. Vendo bem, o nome do cemitério e o nome da Abadia começam com a mesma
palavra : Koning , ‘Rei’ em neerlandês. Não é tanto o nome, em si, que
importa, mas o fato de ser o mesmo nome. Isto expressa o laço que existe entre
o cemitério e a Abadia.
Mas o que é que é um cemitério natural?
Por que uma Abadia cisterciense se lançou na exploração de um tal cemitério? É
compatível com a vida monástica? São algumas perguntas que vêm esponta neamente
ao espírito, quando se ouve falar de tal projeto. Este artigo quer dar alguns
elementos de resposta, por um lado, explicando o conceito de cemitério natural,
por outro mostrando o desenvolvimento do projeto.
1. A natureza, última morada na terra
Talvez tenhamos esquecido, mas a natureza
é, sem dúvida, o lugar mais natural em que o homem sempre foi enterrado.
Evidentemente a necessidade de ritos, de lugares, de símbolos, depressa levou
ao desenvolvimento de lugares específicos, aonde o homem com sua religião e sua
cultura se expressou de formas diferentes. A situação atual dos cemitérios
citadinos, ‘superpovoados’ de caráter religioso, ou leigo, o fechamento de
muitas igrejas paroquiais, a necessidade para os parentes dos defuntos de
renovar o uso do espaço por duração determinada, as mudanças das famílias para
o estrangeiro, ou para outras regiões do país, evidentemente o aumento do
número de cremações levaram a repensar o modo de enterrar os nossos mortos. O
aparecimemnto do cemitério natural situa-se em linha reta com estas reflexões.
Apareceram primeiro na Inglaterra e depressa chegaram aos Países Baixos. Este
movimento cresceu muito nos últimos dez anos.
O princípio deste tipo de cemitério é
muito simples, trata-se de enterrar um defunto na natureza, de entregar o corpo
à natureza. Não há nenhum sinal distintivo, nenhuma pedra, nenhuma cruz,
nenhuma cerca. O princípio é que a natureza vai cuidar do túmulo. A natureza
que é viva, vai continuar a desenvolver-se. Vê-se já aqui o laço estreito entre
a vida e a morte, pelo menos no plano natural. Para levar mais longe o laço
entre vida e morte, este projeto de cemitério tem também por fim participar no
desenvolvimento e na preservação da natureza. De fato, certos cemitérios têm
também como objetivo concreto, e é o caso de Koningskker, de ‘criar’ a
natureza. Koningsakker transformou 17 hectares de campo de milho em reserva
natural, em harmonia com o meio ambiente. Esta reserva natural participa do
desenvolvimento da fauna e da flora na nossa região. Nos Países Baixos, a
preocupação ecológica está muito presente e a gestão do território centrada na
preservação da natureza.
Concretamente, uma pessoa que queira ser
enterrada no nosso cemitério escolhe o lugar. Este lugar fica no sistema GPS.
Por isso é sempre possível encontrar o lugar do túmulo, mesmo no meio de um
campo de urzes. A pessoa compra o direito de ser enterrada nesse lugar. Este
direito é por tempo indeterminado. Ficará sempre ali, não vai acontecer nada
com seu túmulo. Quando todos os túmulos forem vendidos, fica sempre uma reserva
natural. Depois do enterro, os parentes podem escolher pôr um sinal de madeira
com o nome do defunto gravado. Este sinal, como tudo o que é enterrado com o
defunto, é biodegradável.
Além do aspecto ecológico, o aspecto humano
tem uma grande importância no projeto. O acompanhamento das pessoas é essencial
ao longo de todo o processo. Além de uma presença constante no acolhimento do
cemitério, todo o encaminhamento desde a escolha do lugar, até ao enterro, e
pelas visitas dos parentes nos anos seguintes, tudo é cuidadosamente
acompanhado por um pessoal competente e especializado. Este pessoal está ali
para escutar, acompanhar, aconselhar. O cuidado da natureza e o cuidado das
pessoas são uma preocupação constante neste tipo de projeto.
2. O surgimento de um cemitério
Como chegamos a este projeto? Foi fruto de
um lento processo comunitário. Dois elementos se cruzaram para chegar a esta
pista. O primeiro foi a preocupação de guardar uma zona de silêncio e de
natureza à volta da Abadia. A comunidade tinha mudado de lugar há 10 anos, por
causa do crescimento da cidade em que a Abadia estava antes. Não queríamos
voltar a viver esse mesmo tipo de cenário, o que não é muito fácil num país com
forte densidade populacional. Os campos de milho vizinhos da nossa Abadia eram
um risco para a nossa solidão. Surgiu a oportunidade de comprar esse terreno, e
vimos nisso um apelo. Ao mesmo tempo a nossa economia monástica estava num
desequilíbrio estrutural, que exigia uma solução. Eis os ingredientes de base
do projeto. À primeira vista a ideia de fazer um cemitério parece esquisito. E
depois nós nem sabíamos bem do que estávamos falando. Mas pouco a pouco nos
informamos, visitamos outros lugares aonde já existia esse tipo de projeto,
dialogamos juntas sobre a possibilidade. Depois das primeiras reações de
rejeição diante da ideia de morar ao lado de um cemitério, surgiram outros
argumentos: Laudato Si, a ecologia, uma nova relação com a morte e com
os modos de enterrar, a partilha da nossa propriedade, ‘ter sempre a morte
diante dos olhos’, como dia Regra de São Bento no cap. 4, o testemunho da nossa
fé na ressurreição, e finalmente, para nós cistercienses, a ligação
contemporânea com a terra e sua gestão. Também tivemos de refletir sobre nossa
identidade católica, no coração de uma região protestante. O cemitério não é um
cemitério católico, tal como nossa hospedaria que é aberta a todos. No entanto afirmamos
claramente nossa identidade cristã e católica. As pessoas que querem ser
enterradas aqui têm de respeitar isso, tal como os hóspedes têm de respeitar o
nosso modo de agir na hospedaria. Apesar do mundo altamente secularizado em que
vivemos, as pessoas são sensíveis ao nosso testemunho por meio deste projeto.
Para eles e para suas famílias é um modo de entrar em contato com a Abadia.
Koningsakker abriu suas portas, se se pode
dizer assim, no dia 1º de setembro 2019. Em todo o país há um verdadeiro interesse
por esta forma nova de cemitério e pelo processo para o pôr em prática. Isto
confirmou a escolha que fizemos. No entanto precisa-se agora acompanhar, de
perto, este projeto, ver o que acontece, adaptar a fórmula aos pedidos
recebidos e aos nossos objetivos. A comunidade viveu uma experiência muito
construtiva. Vivemos isto como um testemunho de nossa fé na ressurreição, no
coração de uma posição ecológica, contemporânea. Trabalhamos em colaboração com
o pessoal do setor. O cemitério é gerido por leigos, mas nós asseguramos uma
presença discreta no local. Rezamos particularmente pelos que estão enterrados
no nosso cemitério. Embora pareça paradoxal, o desenrolar deste processo, que
foi pesado, vivificou a nossa vida comunitária e nos uniu à volta de um projeto
inovador, arriscado, mas que já está dando frutos.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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