sexta-feira, 16 de maio de 2025

Koningsakker, o cemitério natural de uma comunidade monástica

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo da Madre Pascale Fourmentin, OCSO

Abadessa de Koningsoord, Arnhem (Holanda)


‘‘Koningsakker’ é o nome do cemitério natural, ou ecológico, ligado à Abadia cisterciense Koningsoord nos Países Baixos. Vendo bem, o nome do cemitério e o nome da Abadia começam com a mesma palavra : Koning , ‘Rei’ em neerlandês. Não é tanto o nome, em si, que importa, mas o fato de ser o mesmo nome. Isto expressa o laço que existe entre o cemitério e a Abadia.

Mas o que é que é um cemitério natural? Por que uma Abadia cisterciense se lançou na exploração de um tal cemitério? É compatível com a vida monástica? São algumas perguntas que vêm esponta neamente ao espírito, quando se ouve falar de tal projeto. Este artigo quer dar alguns elementos de resposta, por um lado, explicando o conceito de cemitério natural, por outro mostrando o desenvolvimento do projeto.

1. A natureza, última morada na terra

Talvez tenhamos esquecido, mas a natureza é, sem dúvida, o lugar mais natural em que o homem sempre foi enterrado. Evidentemente a necessidade de ritos, de lugares, de símbolos, depressa levou ao desenvolvimento de lugares específicos, aonde o homem com sua religião e sua cultura se expressou de formas diferentes. A situação atual dos cemitérios citadinos, ‘superpovoados’ de caráter religioso, ou leigo, o fechamento de muitas igrejas paroquiais, a necessidade para os parentes dos defuntos de renovar o uso do espaço por duração determinada, as mudanças das famílias para o estrangeiro, ou para outras regiões do país, evidentemente o aumento do número de cremações levaram a repensar o modo de enterrar os nossos mortos. O aparecimemnto do cemitério natural situa-se em linha reta com estas reflexões. Apareceram primeiro na Inglaterra e depressa chegaram aos Países Baixos. Este movimento cresceu muito nos últimos dez anos.

O princípio deste tipo de cemitério é muito simples, trata-se de enterrar um defunto na natureza, de entregar o corpo à natureza. Não há nenhum sinal distintivo, nenhuma pedra, nenhuma cruz, nenhuma cerca. O princípio é que a natureza vai cuidar do túmulo. A natureza que é viva, vai continuar a desenvolver-se. Vê-se já aqui o laço estreito entre a vida e a morte, pelo menos no plano natural. Para levar mais longe o laço entre vida e morte, este projeto de cemitério tem também por fim participar no desenvolvimento e na preservação da natureza. De fato, certos cemitérios têm também como objetivo concreto, e é o caso de Koningskker, de ‘criar’ a natureza. Koningsakker transformou 17 hectares de campo de milho em reserva natural, em harmonia com o meio ambiente. Esta reserva natural participa do desenvolvimento da fauna e da flora na nossa região. Nos Países Baixos, a preocupação ecológica está muito presente e a gestão do território centrada na preservação da natureza.

Concretamente, uma pessoa que queira ser enterrada no nosso cemitério escolhe o lugar. Este lugar fica no sistema GPS. Por isso é sempre possível encontrar o lugar do túmulo, mesmo no meio de um campo de urzes. A pessoa compra o direito de ser enterrada nesse lugar. Este direito é por tempo indeterminado. Ficará sempre ali, não vai acontecer nada com seu túmulo. Quando todos os túmulos forem vendidos, fica sempre uma reserva natural. Depois do enterro, os parentes podem escolher pôr um sinal de madeira com o nome do defunto gravado. Este sinal, como tudo o que é enterrado com o defunto, é biodegradável.

Além do aspecto ecológico, o aspecto humano tem uma grande importância no projeto. O acompanhamento das pessoas é essencial ao longo de todo o processo. Além de uma presença constante no acolhimento do cemitério, todo o encaminhamento desde a escolha do lugar, até ao enterro, e pelas visitas dos parentes nos anos seguintes, tudo é cuidadosamente acompanhado por um pessoal competente e especializado. Este pessoal está ali para escutar, acompanhar, aconselhar. O cuidado da natureza e o cuidado das pessoas são uma preocupação constante neste tipo de projeto.

2. O surgimento de um cemitério

Como chegamos a este projeto? Foi fruto de um lento processo comunitário. Dois elementos se cruzaram para chegar a esta pista. O primeiro foi a preocupação de guardar uma zona de silêncio e de natureza à volta da Abadia. A comunidade tinha mudado de lugar há 10 anos, por causa do crescimento da cidade em que a Abadia estava antes. Não queríamos voltar a viver esse mesmo tipo de cenário, o que não é muito fácil num país com forte densidade populacional. Os campos de milho vizinhos da nossa Abadia eram um risco para a nossa solidão. Surgiu a oportunidade de comprar esse terreno, e vimos nisso um apelo. Ao mesmo tempo a nossa economia monástica estava num desequilíbrio estrutural, que exigia uma solução. Eis os ingredientes de base do projeto. À primeira vista a ideia de fazer um cemitério parece esquisito. E depois nós nem sabíamos bem do que estávamos falando. Mas pouco a pouco nos informamos, visitamos outros lugares aonde já existia esse tipo de projeto, dialogamos juntas sobre a possibilidade. Depois das primeiras reações de rejeição diante da ideia de morar ao lado de um cemitério, surgiram outros argumentos: Laudato Si, a ecologia, uma nova relação com a morte e com os modos de enterrar, a partilha da nossa propriedade, ‘ter sempre a morte diante dos olhos’, como dia Regra de São Bento no cap. 4, o testemunho da nossa fé na ressurreição, e finalmente, para nós cistercienses, a ligação contemporânea com a terra e sua gestão. Também tivemos de refletir sobre nossa identidade católica, no coração de uma região protestante. O cemitério não é um cemitério católico, tal como nossa hospedaria que é aberta a todos. No entanto afirmamos claramente nossa identidade cristã e católica. As pessoas que querem ser enterradas aqui têm de respeitar isso, tal como os hóspedes têm de respeitar o nosso modo de agir na hospedaria. Apesar do mundo altamente secularizado em que vivemos, as pessoas são sensíveis ao nosso testemunho por meio deste projeto. Para eles e para suas famílias é um modo de entrar em contato com a Abadia.

Koningsakker abriu suas portas, se se pode dizer assim, no dia 1º de setembro 2019. Em todo o país há um verdadeiro interesse por esta forma nova de cemitério e pelo processo para o pôr em prática. Isto confirmou a escolha que fizemos. No entanto precisa-se agora acompanhar, de perto, este projeto, ver o que acontece, adaptar a fórmula aos pedidos recebidos e aos nossos objetivos. A comunidade viveu uma experiência muito construtiva. Vivemos isto como um testemunho de nossa fé na ressurreição, no coração de uma posição ecológica, contemporânea. Trabalhamos em colaboração com o pessoal do setor. O cemitério é gerido por leigos, mas nós asseguramos uma presença discreta no local. Rezamos particularmente pelos que estão enterrados no nosso cemitério. Embora pareça paradoxal, o desenrolar deste processo, que foi pesado, vivificou a nossa vida comunitária e nos uniu à volta de um projeto inovador, arriscado, mas que já está dando frutos.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/118

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