quarta-feira, 28 de maio de 2025

Madre Anna Maria Cànopi

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo da Irmã Maria Madalena Magni, OSB



`A ilha San Giulio é um montículo rochoso que emerge das águas de um dos lagos mais sugestivos do norte de Itália junto ao Alpes. No seu centro encontra-se uma antiga basílica edificada em honra do evangelizador desta terra : o padre grego Jules, morto – segundo a tradição – entre o fim do século 4º e o princípio do 5º, após ter edificado a sua centésima igreja.


A história despontou neste lugar, ao longo dos séculos, a sua marca majestosa, sem nunca conseguir apagar a graça e o encantamento produzidos pela sua beleza solitária. As águas atraentes e tão sedosas do lago conservaram uma espécie de clausura natural que não deixou de seduzir um grupo de monjas chamadas pelo bispo da época a tornarem-se guardiãs da herança de fé do santo evangelizador bem como da procura – nesses tempos atribulados e difíceis – de um lugar adaptado a uma vida de oração. É assim que a 11 outubro de 1973 começou a história da Abadia beneditina «Mater Ecclesia ».


A 21 março de 2019, dia do Transitus de São Bento, as irmãs em torno, com todo o seu afeto, do leito de Madre Anna Maria Cànopi, prodigaram-lhe o seu último adeus, ela que durante tanto tempo, quarenta e cinco anos, foi, pela graça, a Madre toda cheia de sabedoria e guia da comunidade. Ao longo do tempo, tinha sido uma personalidade amada e reconhecida por milhares de pessoas de todas as origens e camadas sociais. Nos dias que precederam o seu funeral deu-se conta das pessoas de lugares extremamente diversos, aproximando-se com grande emoção da urna da Madre para o último adeus…


Madre Anna Maria nasceu a 24 abril 1931 num bairro próximo de Pavia, no seio de uma família numerosa de agricultores na qual reinava um autêntico amor cristão, muito simples, mas expresso em profundas relações de afeto. Os seus irmãos e irmãs, vendo a sua compleição delicada, depressa compreendendo que não era da mesma constituição física que eles, decidiram então, de comum acordo com os seus pais, fazerem-na prosseguir os estudos. Provações familiares – não esqueçamos que eram os cruéis anos da guerra – não a pouparam, fazendo-a conhecer o sofrimento. Além disso, durante os estudos, teve que suportar o afastamento do lar, fazendo rapidamente experimentar a solidão da cidade, e abriu-a ainda mais a uma profunda ligação ao Único que pode preencher o coração humano… Além da frequência dos estudos universitários, paralelamente, tornou-se assistente social, comprometendo-se generosamente no serviço aos mais desprotegidos. Escreveu a este propósito: «Sentia uma imensa compaixão para com todas estas pobres pessoas, e porque me dava conta que tinham acima de tudo necessidade de salvação, senti-me cada vez mais atraída não tanto a fazer qualquer coisa de material por eles, mas a oferecer-me a mim mesma, toda inteira, na oração, unindo-me ao sacrifício redentor de Jesus, que só ele pode renovar o interior dos corações.» (Uma vida para amar, Interlinea, Novara 2012, p. 27).


Tendo compreendido que para dar Jesus aos homens teria de se consagrar inteiramente a ele, no silêncio e oração contínua, começou a amadurecer no seu interior a vocação monástica, e foi assim que entrou a 9 julho 1960 na Abadia de São Pedro e São Paulo, em Viboldone, nos arredores de Milão. Entre os sacrifícios e renúncias que mais lhe custaram, foi a interrupção de um começo de carreira literária promissor. Com efeito, alguns dos seus poemas haviam já atraído da atenção dos críticos. Bem depressa, no entanto, o Senhor devolveu-lhe largamente o que ela deixara por ele. As circunstâncias concretas puseram-lhe a pena nas mãos, pena que se torna desde essa época instrumento privilegiado do testemunho da sua fé: desde os primeiros trabalhos de revisão literária da nova tradução da Bíblia italiana, até à redação da Via Sacra no Coliseu, em 1993, desejada por João Paulo II – foi a primeira mulher chamada a uma tal iniciativa. Madre Cànopi, dotada de um estilo simples e claro, atravessada por um grande fôlego poético, chega assim a uma notoriedade em que nunca havia verdadeiramente pensado. Despontou uma obra consequente, feita de uma centena de livros traduzidos em várias línguas. Estes livros foram o fruto da sua lectio divina sobre a Palavra de Deus, ou também do ensinamento monástico, como por exemplo a obra «Mansidão, caminho de paz», que se revelou um sucesso inesperado, mesmo junto do público laico. Esta grande atividade literária era evidentemente fruto de todas as suas horas de oração, de retiros dados às irmãs, durante os diferentes períodos da sua vida monástica, e sobretudo de um imenso desejo de ajudar qualquer um a aproximar-se da Palavra de Deus.


Se o contexto envolvente dos começos da aventura deixava pressagiar uma espécie de vida semi-eremítica, na realidade, o germe da vida monástica caído entre as pedras floresceu com abundância, e floresceu para lá de toda a esperança. A pobreza que vivíamos era alegre, e deixava-nos tudo esperar da parte do Senhor. A oração do coro era a nossa principal atividade, acompanhada do trabalho manual, assim como da hospitalidade. Com efeito, desde os começos, numerosas foram as pessoas que desejaram partilhar a liturgia, a escuta da Palavra, e pôr-se na escola da orientação espiritual plena de amor da nossa Madre Anna Maria. Bem depressa, chegaram novas irmãs, e tivemos que resolver a espinhosa questão da restauração dos edifícios doravante demasiado obsoletos. O crescimento não parava, e fomos, se se pode exprimir assim, literalmente obrigadas a aceitar a proposta de fundar um priorado em Saint Oyen, no coração dos Alpes, depois um outro em Fossano no Piemonte. Cedo, estávamos igualmente em medida de enviar irmãs para ajudar outros mosteiros que necessitavam de ajuda. Atualmente, a nossa comunidade é composta de aproximadamente setenta monjas, provindas de outros países europeus e igualmente de outros continentes: América do Norte, América do Sul, África. Temos em comum o desejo de viver o Evangelho no seio da fraternidade monástica, a fim de reunir na oração o coração de cada irmão.


Na certeza que, segundo o ensinamento do nosso Pai São Bento, o mosteiro deve ser «casa de Deus», temos igualmente acolhido entre nós monjas que se encontravam em Roma para estudos, e que não podiam ir aos seus países de origem durante o tempo das suas férias. Isto abriu-nos o coração à riqueza do monaquismo vivido em culturas diferentes. Nasceram aí amizades duradouras… Aconteceu até que uma monja budista em particular se ligou de amizade com a nossa Madre. Esta atitude de grande abertura para com aqueles que se hospedavam entre nós ou nos escreviam, por exemplo missionários, ajudou-nos sempre a sentir «em casa » em todos os países do mundo, certas de que com a oração podíamos estar presentes em todo o mundo, lá onde outra ajuda humana seria impossível. Quando, a 11 outubro de 1980, Madre Teresa de Calcutá visitou a nossa diocese de Novara, foi pedido a Madre Anna Maria que lhe escrevesse uma carta em nome de todas as irmãs contemplativas de clausura. Neste texto de tonalidade profética, a Madre escreveu: «A tensão que te habita, o desejo ardente de universalidade que te faz ultrapassar todas as fronteiras, mantem-me toda imóvel sob a cruz para unir-me à única fonte que vence o ódio e consegue reunir o que está dividido.»


Este olhar todo dirigido para reunir a realidade de cada um, para dar uma nova esperança a cada homem, fez-nos profundamente sentir o coração da nossa sociedade tão doente de egoísmo, de desilusões, de solidões aflitivas e dolorosas. A Madre Anna Maria partilhava conosco, com uma grande sensibilidade, o peso de sofrimento e de dor que tantas pessoas vinham depositar cotidianamente no seu coração maternal, recebendo em retorno o reconforto de uma escuta cheia de amor. Nem os prisioneiros eram excluídos: segundo as suas próprias palavras, visitava-os espiritualmente todas as manhãs, antes de imergir na oração do coro, movida por um intenso desejo de acolher no seu coração todos os homens para apresentá-los ao Senhor. Durante muitos anos, manteve uma correspondência epistolar com certos detidos.


É a procura incessante, sem tréguas, do coração humilde, que sustenta a fidelidade de Madre Cànopi, hora a hora, dia após dia, neste testemunho amante de fidelidade à vida monástica. A Madre Anna Maria amava profundamente, naturalmente, a vida, como o bem mais precioso, o que lhe conferia um particular dom de intercessão junto de casais à espera de um filho. Nunca se sentiu «uma personagem excepcional», nunca adotou a atitude de uma «grande mestra », mas o seu comportamento constituía um eloquente testemunho. Uma indomável vontade acompanhou-a até aos últimos dias da existência terrestre. Estava sempre pronta a oferecer uma palavra a quem lhe solicitasse um conselho, e a agradecer a todos quantos, ao longo dos anos, haviam sustentado o crescimento da comunidade. Dotada pela natureza de dons excepcionais de inteligência e sensibilidade, purificadas pelo contato constante com o Senhor e a sua Palavra, abordava cada pessoa com a maior naturalidade, sabendo simplificar os problemas que lhe eram submetidos, fazendo partilhar a sua imensa compaixão, uma incrível capacidade para sofrer com os que sofrem, a alegrar-se com os que se alegram… Acima de tudo, foi uma mulher de paz, esquecida de si mesma, capaz de perdoar, ou melhor ainda, incapaz de se sentir ofendida. A sua divisa, Humiliter amanter, exprime aquilo que viveu. Apontou também à comunidade uma diretiva expressa na invocação Funda nos in pace: estabelece-nos nesta paz que é o próprio Cristo, nosso único amor e desejo.


À medida que com o tempo declinavam as suas forças físicas, parecia que, pelo contrário, acrescia a sua capacidade de acolher e oferecer com doçura cada despojamento vivido, até se tornar toda inteira oração. Tinha sempre entre os dedos o terço do santo Rosário, e não deixava nunca de seguir com a mais viva atenção a liturgia a partir do seu leito de doente.


Soube igualmente gerir com humildade e sabedoria a sua sucessão, participando da nomeação da abadessa que, após ela, teria a assumir cargo tão delicado. Tudo isto nos permitiu viver uma profunda continuidade na nossa história, e nos obriga a ir em frente sem ressentimentos estéreis sobre o passado.


Madre Anna Maria foi e permanece um imenso dom que o Senhor fez à sua Igreja, em particular ao mundo monástico. Reasseguradas pela promessa que ela mesma nos fez de permanecer sempre conosco, desejamos vivamente dar graças, continuando a viver tudo o que ela nos transmitiu, no seu ser inteiro. Somente assim poderemos, o mais dignamente possível, ser e permanecer suas filhas espirituais.`



Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.aimintl.org/pt/communication/report/118



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