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domingo, 6 de fevereiro de 2022

5 dicas espirituais para evitar o desespero na pandemia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
 *Artigo d0 Padre James Martin, SJ 

Tradução : Ramón Lara


Todo mundo está cansado da pandemia e cansado de ouvir falar do Covid. Quando ligo o rádio de manhã para escutar a estação e rádio nacional (que agora considero a Rádio Nacional Pandêmica), a primeira palavra que ouço é sempre ‘Covid’, ‘coronavírus’ ou ‘pandemia’. É difícil escapar. Então eu preciso abaixar o volume.

Também não vou tentar adoçar nada ou falar muito sobre ‘o lado bom’. A pandemia é uma realidade terrível que todos devemos enfrentar e que parece não desaparecer tão cedo. É por vezes assustador, enlouquecedor, irritante, deprimente e esmagador. Além dos óbvios desafios de saúde que representa – especialmente para os imunocomprometidos e para os trabalhadores da linha de frente – é emocionalmente brutal.

Mas não é uma situação sem esperança. Encontrei em minha própria vida e no aconselhamento de outras pessoas algumas dicas extraídas da espiritualidade cristã que me ajudaram a evitar o desespero. Aqui estão cinco.

1. Seja inteligente.

A dica mais importante pode não parecer especialmente espiritual, mas é : vacine-se e fortaleça-se se puder. Use uma máscara. Mantenha as distâncias sociais quando precisar. Evite grandes reuniões em locais pouco arejados, especialmente quando houver picos de contágios, e se você estiver infectado com o Covid-19, fique em casa.

Não há nada de errado em pedir ajuda. As pessoas fazem isso nos Evangelhos o tempo todo.

Como eu disse, isso soa como um conselho prático, mas no fundo é um conselho espiritual. (Espiritual e prático geralmente andam de mãos dadas.) Não se trata apenas de cuidar de si mesmo e de sua própria saúde, mas também de cuidar dos outros. Trata-se de reverenciá-los. Como disse o Papa Francisco, vacinar-se é um ‘ato de amor’. Para ser mais direto que o papa : a vida não é apenas sobre você. Temos que começar com esta dica, porque ela ajudará você (e outras pessoas) a sobreviver.

Cuidar de si mesmo também pode significar falar com um terapeuta, um diretor espiritual ou um amigo de confiança para ajudá-lo a navegar pela pandemia. Não há nada de errado em pedir ajuda. As pessoas fazem isso nos Evangelhos o tempo todo.

2. Seja esperançoso.

Santo Inácio de Loyola, o fundador dos jesuítas, muitas vezes falava sobre o ‘bom espírito’ e o ‘mal espírito’, que podemos definir amplamente como os impulsos que nos movem para Deus e aqueles que nos afastam de Deus. E para aqueles que tentam levar uma vida boa, diz Santo Inácio, o bom espírito nos encorajará, nos consolará e nos elevará. O espírito que não vem de Deus, por outro lado, nos derrubará, nos desencorajará e causará uma ‘ansiedade corrosiva’. (Existe uma frase melhor para o que todos nós temos sentido nos últimos dois anos?)

A esperança vem de Deus; o desespero não.

Este é o conselho que tenho usado com mais frequência – para mim ou para oferecê-lo a outros – durante a pandemia : a esperança vem de Deus; desespero não. Sempre que você ouvir dentro de si mesmo (ou ouvir de outras pessoas) vozes dizendo : ‘Isso é impossível’, ‘Estou condenado’ ou ‘Não posso lidar com isso’, saiba que não vem de Deus. (Em um ponto durante a pandemia, um amigo disse : ‘Isso vai matar todos nós’, eu disse a ele que definitivamente isso não vinha de Deus.) Por outro lado, ouça as vozes que dizem : ‘Sempre há esperança’, ‘Eu não estou sozinho’ e ‘Eu posso lidar com isso’. Siga a esperança, não o desespero.

3. Seja amoroso.

Nos últimos dois anos, estive várias vezes em quarentena na minha comunidade jesuíta, como resultado de alguns membros da comunidade testarem positivos. Não é uma surpresa em uma casa de 12 homens! Por isso, muitas vezes me senti, como muitas pessoas, impotente para ajudar os outros. Mas sempre há algo que podemos fazer para ajudar a aliviar a carga emocional de alguém, se não a carga viral.

Se o seu celular ou computador estiver funcionando, você sempre pode entrar em contato com alguém que esteja mais assustado ou solitário do que você. Você ficaria surpreso com o quanto um telefonema, um e-mail, uma mensagem de texto ou uma nota ou cartão de correio tradicional pode ajudar alguém a se sentir mais esperançoso. (As flores também são bonitas.) Você não precisa de muito dinheiro (ou de um diploma avançado ou treinamento especial) para ajudar alguém. Apenas fazer alguém rir pode ser um ato de amor.

Você não pode ajudar a todos, mas pode ajudar aquela pessoa. Lembre-se de que Jesus não curou ou consolou todos na Galiléia ou na Judéia. Ele lidou com a única pessoa frente a ele. Seja como Jesus.

4. Seja monástico.

Todos os dias acordo e, como não vou mais ao escritório, olho para as mesmas quatro paredes do meu quarto relativamente pequeno. E a vista da minha janela também não é grande coisa. Minha janela dá para um beco e para os lados de tijolos de vários prédios. Eu posso ver cerca de três centímetros de céu. E é claro que não estou viajando para lugar nenhum hoje em dia, como a maioria das pessoas. Logo no início, eu disse a um terapeuta : ‘Vou enlouquecer se nunca deixar a cidade de Nova York?’ Ela riu e disse : ‘Você nem vai enlouquecer se nunca sair do seu quarto’.

Um dia eu acordei, olhei pela minha janela e percebi, em um minuto. Os monges fazem isso há séculos. E se eles podem fazer isso, eu também posso. É certo que poucos de nós vivem em belos mosteiros em ambientes silvestres (nem eu), mas todos podemos tentar encontrar Deus nas tarefas diárias, mesmo que pareçam superficiais e tediosas. Muito disso é perceber e apreciar até os menores momentos de graça.

Alguns anos atrás eu vi o filme ‘Into Great Silence’, sobre a vida tranquila dos monges em La Grande Chartreuse, o mosteiro cartuxo na França, que faziam as mesmas tarefas todos os dias. Por décadas. Em uma cena, um monge simplesmente comeu um pedaço de fruta enquanto olhava pela porta de sua cela. Até certo ponto, somos todos monges agora. E todos nós, especialmente agora, somos chamados a tentar encontrar Deus mesmo no mundano. Eu penso naquele cara comendo muita fruta hoje em dia.

5. Ore.

No início da pandemia, um jesuíta idoso de nossa comunidade nos disse durante sua homilia : ‘Bem, estamos sempre esperando mais tempo para orar, e agora temos!’ Eu sei que essa realidade é muito diferente para algumas pessoas – digamos, famílias com crianças pequenas, onde muitos pais sentem que têm menos tempo e um espaço mais restrito, com as crianças em casa.

Mas para muitas pessoas, a falta de deslocamento, uma pausa nas reuniões sociais e quase nenhuma viagem significa que têm mais tempo livre em casa. Como disse meu amigo jesuíta, no ‘passado’ costumamos dizer : ‘Se ao menos tivesse mais tempo para a oração e a leitura espiritual’. Agora muitos de nós temos esse tempo.

Então ore. Faça o exame todas as noites. Experimente uma oração mais contemplativa antes de seu dia começar; imagine-se com Jesus e diga-lhe como se sente em relação à pandemia. (Então, provavelmente não ficará surpreso quando você fizer isso.) E leia ou releia alguns livros espirituais que o ajudarão a encontrar Deus mais facilmente.

Você pode lidar com isso. Você vai passar por isso. Deus está com você. Nos vemos do outro lado de tudo isso.’ 

Fonte  *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1562896/2022/02/5-dicas-espirituais-para-evitar-o-desespero-na-pandemia/

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Um copo de água ao cáfir

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Padre Feliz da Costa Martins,
Missionário Comboniano


No Sudão, os seguidores de Jesus são apenas cinco por cento da população. Nessas circunstâncias, um cristão facilmente pode vir a ser apelidado de cáfir (infiel).


Saí da paróquia de Nyala numa carrinha, o transporte público usado na cidade. Baixei a um quilômetro do campo de deslocados de Dreij onde cerca de 80 mil pessoas tentam sobreviver. Hoje deixei o cantil da água em casa, pois sei que a Organização das Nações Unidas tem feito um trabalho excelente, de modo que não se deva morrer à sede nos campos de deslocados. A missão mista da ONU e União Africana no Darfur (UNAMID, em sigla inglesa), tem cerca de 15 mil elementos espalhados por todo o Darfur, uma área cinco vezes maior do que Portugal.

Ao passar pela primeira loja que encontro, peço uma garrafa de água. «Só vendemos água a copo», responde, timidamente, o miúdo do outro lado do balcão.

«Cáfir [infiel]», ouço alguém murmurar. Embora não o visse, não estaria muito longe de mim. Um insulto, sem dúvida, mas fingi o contrário. Mantive-me calmo e levei a coisa a brincar, perguntando : «Cáfir… quem?»

Sem tardar, apareceu um homem que se levantava do angarebe, a cama típica sudanesa feita de cordas de sisal. Depois da saudação normal do assalam aleicum – paz convosco – manifestei, educadamente, que tinha uma correção a fazer. E ele ouviu, não sem surpresa, o que eu, calma e firmemente, pronunciei : «Eu não sou cáfir, eu creio em Alá, Deus, que nos quer bem a todos por igual. Rezo e peço também para que Alá o bendiga a si e a todos os desta casa.»

Apesar da situação em que me tinha metido, sentia-me feliz e sereno. No entanto, não deixei de respirar fundo, preparando-me para uma reação, grosseira e ofensiva que, porventura, viesse do outro lado.


Bom coração

O homem de trás do balcão fitou os meus olhos, enquanto a sua face barbuda adotou um tom grave e sisudo; não vi maldade no seu coração. Da sua boca ouvi palavras que registei com atenção e respeito : «Lembre-se, khauaja [estrangeiro], que se em vez da minha pessoa tivesse topado com outro muçulmano, você já teria, certamente, levado com a porta na cara. No entanto, da minha parte, pode estar tranquilo; mas deixe que lhe diga e confirme o que é essencial e sacrossanto para nós que seguimos a religião islâmica», disse, num tom sério.

«Sou todo ouvidos», respondi. Ele pronunciou com solenidade : «Alá, Deus, enviou Maomé (a bênção de Deus esteja com ele) a esta terra. Foi por meio deste distinto mensageiro árabe que o mundo conheceu ou virá, um dia, a conhecer a majestosa religião islâmica. Desde então ficou claro que todas as outras religiões, as que vieram antes e as que, porventura, viessem depois, estão fora do verdadeiro culto ao Altíssimo e Todo-Poderoso.»

Eis um ser humano profundamente convicto da sua religião cujas palavras contrastam com a minha fé cristã, pensei comigo mesmo. Apesar de tudo, não sinto neste meu irmão muçulmano a mancha do proselitismo ou extremismo, como acontecera noutras conversas com alguns dos seus correligionários. A minha inspiração é não só manifestar-lhe o meu respeito, como também dar graças a Deus pela paz e serenidade que experimento neste momento e neste lugar. Sem dúvida que estou diante de um homem de bom coração.

«Ah, já me estava a esquecer», disse, ao mesmo tempo que alcançava um grande copo de alumínio na extremidade do balcão : «Não temos água de garrafa; tenho um zir, uma bilha, que conserva a água fresca. Mas também tenho gelo, porque estes dias de Verão são extremamente quentes», completou, enquanto o vi desaparecer para depois de alguns segundos voltar com o copo de litro quase cheio de água em que deixou cair dois pedaços de gelo que, em seguida, me ofereceu.

«Chucran [obrigado]», agradeci, enquanto recebia o copo.

E retomou a conversa : «Na khalua [a escola alcorânica das crianças], aprendemos coisas que, mais tarde, pela vida fora, quando encontramos alguém que não é muçulmano, usamos e repetimos demasiado facilmente e mesmo sem refletir. Como aquela palavra que, há pouco, você ouviu da minha boca – cáfir», disse, como que a pedir desculpa. Ao que eu respondi que não se preocupasse, pois não tomei isso como ofensa.


Recordar é viver

«Já agora, desculpe! Ainda não lhe tinha dito o meu nome; chamo-me Abdallah. A minha terra é Bulbul, a uns sessenta quilômetros daqui. Lá não havia fome; bastava semear e trabalhar a terra durante o kharif [a estação das chuvas] e tínhamos comida para toda a família. Até que um dia, faz agora sete anos, chegaram os janjauides [militantes da milícia que opera no Darfur]. Destruíram, mataram, queimaram. Dois dos meus filhos desapareceram nesse maldito e diabólico ataque.»

Abdallah fez uma breve pausa, procurando dominar a emoção, e reatou : «Imaginava-os fugitivos e, mais tarde, errantes, à procura de pão e segurança, na esperança da feliz ocasião de nos encontrarmos de novo. Depois de alguns meses, porém, tivemos de nos render à realidade de que este mundo já não é seu. E a dor é ainda maior quando nem sequer podemos dar sepultura aos nossos mortos. Nós, os sobreviventes de Bulbul, fomos avançando, aos poucos, por etapas, acampando aqui e ali, até chegarmos aos grandes campos de deslocados nos arredores da cidade de Nyala. Eu, originalmente, tinha-me estabelecido com a minha família em Salam, mas, um ano depois, mudei-me para este lugar, onde sabia que a maioria das pessoas do meu clã se encontrava. Aqui é mais fácil juntarmo-nos para recordar e reviver o que aconteceu.»

«Recordar coisas tristes?», ousei interromper. «Sim», repostou. «Recordar os nossos mortos, trazer à mente as destruições, os incêndios e o despojamento total dos nossos bens. Pensa que deveríamos esquecer? E as mulheres e adolescentes que os janjauides violentaram para logo a seguir dispararem sobre elas, abandonando-as num lago de sangue? Esquecer? Quem esquece significa que já não tem vida em si; é como se estivesse morto. Pelo contrário, recordar faz-nos viver e lutar pela vida», rematou com arrojo e decisão.

Abdallah era como um jornal aberto donde ia tirando histórias não só da sua aldeia natal, mas também de muitas outras terras darfurianas que sofreram destinos semelhantes, tal como ele tinha ouvido de testemunhas seus vizinhos.


Em direção à mesquita

O altifalante da mesquita próxima de nós trovejou. A proclamação do adan, o chamamento para a oração, majestosamente cantado pelo muezim atravessa os céus e penetra em todo o espaço em redor : «Allahu acbar, Deus é o maior.»

É sexta-feira. Desvio o olhar na direção da rua onde já se avistam alguns homens de jelaba branca que caminham na direção do templo. Dos aposentos internos da loja aparece uma mulher com o ibrique, o regador de plástico pequeno, na mão, que pousa no fundo da prateleira principal, começando, de seguida, a desocupar o balcão. Vem acompanhada de um menino a quem ajuda a vestir as cirual, as calças brancas que se usam por debaixo da jelaba. Demora-se a ensinar-lhe a fazer a laçada da tica, o cordão, em volta da cintura. O pequeno estabelecimento está a fechar. É dia santo semanal. Folgam as instituições e repartições governativas, se bem que o mercado em geral conserva-se aberto, livremente, segundo as conveniências e próprios interesses dos respectivos donos. Digno de menção, porém, é que ao começar a oração comunitária do dia santo muçulmano, antes das duas horas da tarde, não se vêem portas de estabelecimento comercial abertas.

Observo Abdallah, que, tendo arregaçado as típicas longas mangas da jelaba até ao ombro, está agora a acabar de fazer a sua ablução, isto é, o ritual da lavagem antes da oração. Uma mão segura o ibrique de cujo pequeno cano vai caindo a água na concha dos dedos curvados da outra mão que eleva cuidadosamente até um pouco mais acima do cotovelo. Sem interromper o ritual da ablução, o fiel muçulmano vai-me dizendo : «Khauaja [amigo], não estou a mandá-lo embora, mas o muezim já chamou para a oração.»

Eu nem o deixei terminar de falar, atalhando imediatamente : «La samaha Allah! [Deus me livre de tal]. Não seja por minha causa que vá chegar tarde ao apontamento da oração na mesquita.» E, com as moedas na mão, fui dizendo, apressadamente : «Mas não queria ir embora sem liquidar a minha conta.» Vi-o reagir delicada mas seriamente. «Não me queira ofender com essas suas palavras», disse, enquanto sacudia as últimas gotas de água das mãos. «E, quando passar de novo por aqui, espero poder oferecer-lhe não só água para beber mas também o almoço e mais tempo para estarmos juntos, in cha’Allah, se Deus quiser», concluiu.

«Chucran [obrigado]», respondi-lhe encarecidamente. Ele veio à frente do balcão para um forte e sentido aperto de mão. «Ah, antes de partir, aceite as minhas desculpas por tratá-lo por khauaja, estrangeiro, sem lhe ter perguntado sequer o seu próprio nome.» «Não há mal nisso; fica para a aproxima vez», respondi.

Atravessei a soleira e ouvi a porta ranger; pouco depois, distingui, claramente, o clique ao fechar do loquete. Dei os primeiros passos na areia mole da rua, voltei-me ainda para trás e disse : «Maa assalama [adeus]

Se, porventura, Abdallah não ouviu esta minha saudação de despedida, muitos outros, porém, a ouviram, admirando-se de ver um estrangeiro branco naquele lugar. Era uma multidão de jelabas que ondulavam no grande areeiro que se perdia lá ao longe, até entrar no grande bloco espesso e denso das tendas do acampamento onde homens, mulheres e crianças foram destinados mas não pelo acaso ou má sorte. Pelo contrário, o que os trouxe aqui foi o interesse dos homens que se transformou em ódio, violência e guerra.’


Fonte :


sábado, 25 de outubro de 2014

Não basta vencer

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
  
Não basta vencer as eleições do domingo, pois a verdadeira conquista é muito mais difícil de alcançar. Trata-se da vitória que é o bem do povo, particularmente dos mais pobres e sofredores, enjaulados em condições indignas de vida, privados de direitos fundamentais. Os analistas, com diferentes pontos de vista, indicam a complexidade do momento. Diante de todos está o desafio do crescimento econômico, de se atender demandas de infraestrutura e de libertação da máquina pública das garras ferozes dos que dela se apossam, nos diversos níveis, instâncias e lugares, pelo Brasil afora, incapacitando-a no atendimento de sua finalidade - o zelo e a garantia do bem comum.

Ao considerar esse horizonte de exigências e desafios, compreende-se ainda mais que a ida às urnas exige responsabilidade de cada cidadão eleitor. Uma constatação evidente, mas que merece sempre reflexões. Quando se observa a atual tendência do eleitorado na sua escolha, percebe-se o peso da interrogação no ar. Este momento eleitoral tem revelado a indecisão de muitos, a divisão equiparada das opiniões, ora para um lado, ora para outro. Talvez isso seja sinal de certo amadurecimento da democracia. Um gesto aparentemente simples, apertar teclas da urna eletrônica, revela um processo da mais alta complexidade.

A candidatura escolhida vai nortear rumos, ou desconsertá-los, no quadriênio subsequente. Discernir e fazer a escolha, algo que precede o gesto simples e rápido de teclar, é agora o grande desafio cidadão. Há uma avalanche de elementos a serem avaliados, um caminho a ser bem trilhado rumo à definição mais apropriada possível, que colabore com o desenvolvimento da sociedade brasileira. A velocidade das mudanças e o aumento das necessidades reais do povo não admitem senão inovações, busca de novas respostas e a garantia de avanços. Conquistas são possíveis, embora difíceis. Particularmente, o eleitor deve buscar quem é capaz de superar a famigerada desigualdade social que ainda rege violentamente a sociedade brasileira.

Buscar o caminho novo inclui a verificação de um check list com incontáveis tópicos. Cada cidadão tem o direito, e até o dever, de tomar conhecimento destes itens todos para viver seu discernimento e alcançar uma amadurecida escolha. Também é importante conhecê-los para exercer o direito de acompanhar a efetivação dos compromissos assumidos por quem se elegeu e, portanto, tornou-se servidor do povo. Dois aspectos, entre tantos, merecem alguma consideração neste momento decisivo. Um deles se refere à qualidade do processo de escolha. Eleitores não podem deixar-se influenciar apenas pelos resultados de pesquisas de intenção de voto, até porque elas têm revelado muitas fragilidades e limitações. Também é inadmissível aceitar que, a esta altura do terceiro milênio, ainda exista o antigo ‘voto de cabresto’, com os ‘currais eleitorais’, onde se define uma escolha pelos esquemas de dependência e se estimula a apatia em detrimento da participação popular.

Outro aspecto que agrava o cenário eleitoral é a carência de lideranças com perfis mais enriquecidos. Infelizmente, a poluição partidária, formada pelo excessivo número de legendas e, sobretudo, pela parcialidade e interesse cartorial, tem refletido na falta de pessoas qualificadas para o exercício do cargo público. Consequentemente, torna-se cada vez mais comum encontrar nas instituições públicas pessoas que não se comprometem com o bem da sociedade e com a superação do sofrimento dos mais pobres. O interesse cada vez mais hegemônico é a busca de ganhos para classes e grupos. No segundo plano, fica o gosto cidadão de representar o povo, servindo-o acima de tudo, trabalhando por suas necessidades.

A corrupção e os escândalos do uso inapropriado dos recursos do erário público emolduram a política brasileira. Essa grave crise na representatividade favorece mediocridades e, até mesmo, a escolha de quem não consegue inovar, ousar, de quem prefere a conservação que, por sua vez, alimenta o atual cenário. Diante de tantas necessidades de mudança, é certo que ao cidadão não basta apenas votar, e aos escolhidos nas urnas, não basta vencer as eleições. Há um íngreme caminho a ser percorrido.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/nao-basta-vencer