Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Evaldo D´Assumpção,
médico
e escritor
‘Quase
todas as manhãs faço minha caminhada e na volta tomo o meu banho ouvindo
música, de preferência, clássica. Faço essa escolha por acreditar que da forma
como inicio meu dia, assim ele continuará e terminará. E as músicas clássicas
possuem uma harmonia que as populares atuais nem passam perto. Estas,
geralmente são agressivas, estimulam a agitação, poluem nossa mente com termos
chulos e gíria grosseira. Enfim, toda uma parafernália desarmônica que
desregula nossos neurônios e altera inteiramente nossa homeostase. Talvez isso
seja a razão dos jovens de hoje andarem tão agitados e agressivos, assim como
os adultos que acreditam ser necessário gostar de tais ‘sons’, se quiserem ser aceitos como joviais. Mas deixemos essas
considerações para outra oportunidade, e voltemos ao meu amanhecer.
Dia
desses, acionando minha pequena caixa de som, a primeira música que tocou foi a
marcha nupcial, com aquela introdução exuberante com o solo de trompetes. Parei
por um instante e comecei a imaginar tantas cerimonias matrimoniais que ficaram
marcadas por aquela entrada triunfal. Ela foi executada pela primeira vez em
1858, no casamento da filha mais velha da Rainha Vitória, da Inglaterra, com o
Imperador da Prússia e Alemanha, Frederico III. Esse cerimonial pode ser
considerado como um marco nos casamentos modernos, pois até então as músicas
eram restritas ao receptivo, não sendo usadas como parte da cerimônia
religiosa. Quem fez a seleção das músicas foi a própria noiva, que considerando
seu casamento uma união de dois impérios, o inglês e o alemão, colocou a Marcha
nupcial composta por Wagner (também responsável pelo libreto), para a ópera
Lohengrin, e a Marcha nupcial de Mendelssohn, composta para a opera Sonhos de
uma noite de verão, de Shakespeare. Desde então as duas passaram a ser quase o
tema oficial dos casamentos, com predominância da peça de Mendelssohn.
Prosseguindo
minhas reflexões, fiquei imaginando como as alegrias e expectativas daquele
momento, podem mudar durante a caminhada que se propõe ser por toda a vida. E
uma das causas mais frequentes desse desencontro está na falta de uma
palavrinha mágica : diálogo.
Uma
vida a dois não é nada fácil. Das fantasias e projetos anelados durante o
período de namoro e noivado – hoje tão reduzidos e quase sempre insuficientes
para um conhecimento mútuo mais profundo, mormente por jovens ainda imaturos –
mergulha-se na realidade do dia-a-dia, onde a convivência em tempo integral
exige muita compreensão, muito desprendimento, muita conversa, muito amor. E o
catalisador desses elementos, sem dúvida alguma é o diálogo. Diálogo que
significa uma conversa a dois, porém com características muito importantes.
Diálogo vem do grego diálogos, di = dois, lógos = palavra. Portanto, uma
condição onde duas pessoas têm igualmente o direito e o dever de falar e ouvir.
O grande problema é que somos todos condicionados a fortalecer o monólogo (mono
= um), onde somente o mais dominador, o que possui tom mais elevado de voz, o
que é mais loquaz, ocupa todo espaço, deixando para o outro, somente o ouvir. E
aqui entra outra importante questão do significado das palavras. Ouvir
relaciona-se com o órgão anatômico ‘ouvido’,
cuja função é tão somente a de receber vibrações sonoras e enviá-las para o
cérebro, onde deverão ser decodificadas, só assim adquirindo significado. Já
escutar, relaciona-se com a atenção e o cuidado do ouvir, permitindo que cada
palavra seja bem entendida pelo interlocutor. Em outras palavras : ouvir, toda
pessoa que tem ouvidos razoavelmente funcionantes, ouve. Já escutar, só
consegue quem se dispõe a acolher plenamente o que ouve, traduzindo e
metabolizando as palavras ouvidas, transformando-as nas emoções e sentimentos
daquele que está procurando expressá-los para quem o ouve e escuta.
O
grande problema é que grande parte das pessoas, diante de certas situações ‘liga’ seus ouvidos, mas ‘desconecta’ sua escuta. Basta olhar para
o rosto de quem assim o faz, para perceber que nada do que lhe está sendo dito,
está sendo escutado. Ou por educação, ou por comodismo, ou quase sempre por
desprezo e desinteresse, ele deixa seus tímpanos vibrarem, mas corta as
conexões dos seus ouvidos com o cérebro. E, muito pior, também com o coração,
que é onde as palavras melhor se aninham quando se escuta com respeito,
compaixão e amor.
Por isso é que casais conversam, mas não se
entendem. Batem boca, mas não dialogam. Não aprenderam o ritmo nem a melodia da
Marcha dialogal. Cada um quer falar, explicitar suas razões e pontos de vista,
mas não respeita o igual direito do outro de se expressar. Falam, os dois ao
mesmo tempo, acusam e se defendem, sem acolher o que o outro está tentando
dizer. E o outro, também não faz o menor esforço para escutar. Igualmente
despejam, um sobre o outro, suas mágoas, suas dores, seus rancores, sua ira.
Nesse embate, prevalece a insana vaidade de cada um, que não escuta,
simplesmente pelo medo de perder a contenda. Fatos banais se tornam em tsunamis
destrutivos, em terremotos grau 7 de Richter, que destoam totalmente dos belos
acordes da marcha nupcial que um dia marcou aquela união. Marcha esta que, se não
tomarem tento, certamente se transformará, sem razão suficiente, na triste e
melancólica marcha fúnebre de Chopin.’
Fonte
:
Um comentário:
Totalmente concorde com a realidade de nossos tempos. Ussi nos entristece e pela dificuldade de sermos ouvidos para dialogar, acabamos deixando de lado a tentativa, frustrados, que ficamos e um pouco com solitários. Ainda não me conformo em apenas dizer: sinais dos tempos. Deus nos houve, com toda certeza.
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