sábado, 10 de novembro de 2018

A «Igreja do avental»

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Paulo Victória, 
professor e cronista


‘No meu percurso formativo tive a sorte de passar em 1990 por Molfetta, cidade à beira-mar na região da Puglia, Sul de Itália. Era bispo Dom Antonio Bello, conhecido por Dom Tonino. Já era famoso naquele tempo por ser ‘anomalo’ – assim era tratado por diversos jornalistas. Este homem nascido a 18 de Março de 1935, bispo em 1982, foi incômodo, não só para políticos, mas também para muitos cristãos, sacerdotes e irmãos no episcopado. Morreu a 20 de Abril de 1993, pouco depois de ter completado 58 anos.

Dom Tonino escreveu : «As nossas igrejas, infelizmente, celebram liturgias esplêndidas, também verdadeiras, mas – quando se trata de arregaçar as mangas – falta sempre a toalha, o jarro não tem água, e a bacia não existe... Quando fui nomeado bispo, puseram-me o anel no dedo, o báculo na mão e deram-me a Bíblia : são os símbolos do bispo. Seria bom que no novo cerimonial se desse ao bispo um jarro, uma bacia e uma toalha. Para lavar os pés ao mundo sem pedir, como contrapartida, a crença em Deus. Tu, Igreja, lava os pés ao mundo e depois deixa andar : o Espírito de Deus conduzirá os viajantes onde quiser.»

Foi um bispo com um Fiat 500 sem motorista que habitava numa casa episcopal sem secretários. Usou um báculo e uma cruz peitoral de madeira (de oliveira, símbolo da sua terra natal). Um irmão bispo pobre com os pobres.

Era conhecido por ter gestos idênticos aos cristãos da igreja primitiva, mas inoportunos para o nosso tempo e até escandalosos para o episcopado. Deixava os pobres dormir na casa episcopal durante o Inverno ou ali acolhia as famílias que eram desalojadas das suas residências. Quem tocasse à porta daquela casa, era atendido pelo bispo. Foram muitos : pobres, prostitutas, jovens, padres, crentes e ateus. Sempre com uma palavra amiga. Passeava à noite nas zonas sombrias e escondidas para recolher alcoólatras e doentes mentais.

Era um bispo que saía da casa episcopal para ir ao encontro das pessoas : dos operários para defender os seus direitos; dos imigrantes para os acolher; dos toxicodependentes para os tratar... Renunciou aos sinais de poder e escolheu o poder dos sinais. Criou a Casa da Paz, uma comunidade para os toxicodependentes, e Apúlia, um centro de acolhimento para imigrantes. Manteve encontros regulares com os jovens nas quatro cidades da sua diocese. Visitou os padres doentes ou idosos nos seus aniversários para dar os parabéns e palavras de conforto.

Em Novembro de 1992, já como presidente da Pax Christi italiana e muito debilitado pelo câncer, desafiou os atiradores furtivos de Sarajevo durante a guerra sanguinária da Bósnia, na famosa Marcha dos 500. Atravessaram o cerco da capital da Bósnia. Convenceram os soldados a deixá-los passar. Consolaram as vítimas de ambas as partes prestando-lhes ajuda com alimentos e medicamentos. Dom Tonino defende uma não-violência ativa. Já na Itália manifestara-se contra a instalação dos F-16 nas bases aéreas da OTAN na região.

Este santo homem, que morreu vinte anos antes da chegada do Papa Francisco, tem muito em comum com o Pontífice : fidelidade ao Concílio Ecuménico Vaticano II; coerência entre palavras e gestos; amor aos pobres e aos jovens; capacidade de dialogar com crentes e não-crentes; acolher em vez de julgar; e finalmente, do meu ponto de vista, a capacidade de incomodar pela prática do Evangelho todos nós que nos situamos nas nossas zonas de conforto.’


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