*Artigo
de Paulo Victória,
professor e cronista
‘No
meu percurso formativo tive a sorte de passar em 1990 por Molfetta, cidade à
beira-mar na região da Puglia, Sul de Itália. Era bispo Dom Antonio Bello,
conhecido por Dom Tonino. Já era famoso naquele tempo por ser ‘anomalo’ – assim era tratado por
diversos jornalistas. Este homem nascido a 18 de Março de 1935, bispo em 1982,
foi incômodo, não só para políticos, mas também para muitos cristãos,
sacerdotes e irmãos no episcopado. Morreu a 20 de Abril de 1993, pouco depois
de ter completado 58 anos.
Dom
Tonino escreveu : «As nossas igrejas, infelizmente,
celebram liturgias esplêndidas, também verdadeiras, mas – quando se trata de
arregaçar as mangas – falta sempre a toalha, o jarro não tem água, e a bacia
não existe... Quando fui nomeado bispo, puseram-me o anel no dedo, o báculo na
mão e deram-me a Bíblia : são os símbolos do bispo. Seria bom que no novo
cerimonial se desse ao bispo um jarro, uma bacia e uma toalha. Para lavar os
pés ao mundo sem pedir, como contrapartida, a crença em Deus. Tu, Igreja, lava
os pés ao mundo e depois deixa andar : o Espírito de Deus conduzirá os
viajantes onde quiser.»
Foi
um bispo com um Fiat 500 sem motorista que habitava numa casa episcopal sem
secretários. Usou um báculo e uma cruz peitoral de madeira (de oliveira,
símbolo da sua terra natal). Um irmão bispo pobre com os pobres.
Era
conhecido por ter gestos idênticos aos cristãos da igreja primitiva, mas
inoportunos para o nosso tempo e até escandalosos para o episcopado. Deixava os
pobres dormir na casa episcopal durante o Inverno ou ali acolhia as famílias
que eram desalojadas das suas residências. Quem tocasse à porta daquela casa,
era atendido pelo bispo. Foram muitos : pobres, prostitutas, jovens, padres,
crentes e ateus. Sempre com uma palavra amiga. Passeava à noite nas zonas
sombrias e escondidas para recolher alcoólatras e doentes mentais.
Era
um bispo que saía da casa episcopal para ir ao encontro das pessoas : dos
operários para defender os seus direitos; dos imigrantes para os acolher; dos
toxicodependentes para os tratar... Renunciou aos sinais de poder e escolheu o
poder dos sinais. Criou a Casa da Paz, uma comunidade para os
toxicodependentes, e Apúlia, um centro de acolhimento para imigrantes. Manteve
encontros regulares com os jovens nas quatro cidades da sua diocese. Visitou os
padres doentes ou idosos nos seus aniversários para dar os parabéns e palavras
de conforto.
Em
Novembro de 1992, já como presidente da Pax Christi italiana e muito debilitado
pelo câncer, desafiou os atiradores furtivos de Sarajevo durante a guerra
sanguinária da Bósnia, na famosa Marcha dos 500. Atravessaram o cerco da
capital da Bósnia. Convenceram os soldados a deixá-los passar. Consolaram as
vítimas de ambas as partes prestando-lhes ajuda com alimentos e medicamentos.
Dom Tonino defende uma não-violência ativa. Já na Itália manifestara-se contra
a instalação dos F-16 nas bases aéreas da OTAN na região.
Este
santo homem, que morreu vinte anos antes da chegada do Papa Francisco, tem
muito em comum com o Pontífice : fidelidade ao Concílio Ecuménico Vaticano II;
coerência entre palavras e gestos; amor aos pobres e aos jovens; capacidade de
dialogar com crentes e não-crentes; acolher em vez de julgar; e finalmente, do
meu ponto de vista, a capacidade de
incomodar pela prática do Evangelho todos nós que nos situamos nas nossas zonas
de conforto.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EVFylFllykeXrohkBj
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