Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘São crescentes as notícias sobre mulheres
nigerianas que foram subjugadas pelas máfias da exploração sexual e do tráfico
de pessoas mediante o recurso ao terror provocado nelas por ritos de magia
negra relacionados com o assim chamado ‘juju’.
Esse
termo não se refere a um ritual específico, mas sim, de modo geral, a um
conjunto tradicional de crenças animistas presentes na África Ocidental,
em particular na Nigéria, e relacionadas com a magia negra. A
palavra ‘juju’, em certo sentido,
evoca um conceito semelhante ao de ‘tabu’
nas sociedades polinésias : tem a ver com o que é sobrenatural, assustador,
poderoso e que não deve ser desafiado. É uma dimensão obscura do sobrenatural.
Envolve seres malignos e vingativos com os quais seria possível fazer
determinados pactos, selados durante rituais que incluem oferendas e
sacrifícios de animais.
Ficará
mais fácil começar a entender este conceito difuso com o exemplo que
relataremos a seguir.
Em
algumas regiões da Nigéria, mulheres jovens, muitas vezes ainda
adolescentes, são recrutadas em seus povoados com falsas promessas de trabalho
na Europa ou na Ásia. Pressionadas por suas famílias, que vislumbram nessas
promessas a ilusória oportunidade de sair da pobreza, as jovens são induzidas a
aceitar tais propostas – às vezes, no fundo, sabendo que o ‘trabalho’ envolverá a venda do
próprio corpo, mas, na maioria dos casos, sem suspeitar do inferno que
realmente as espera.
Aceitar
essas ofertas de ‘trabalho’ implica
aceitar também uma dívida altíssima, a ser paga em dólares ou euros
: as máfias recrutadoras explicam que, do salário que vierem a receber, as
jovens terão que destinar uma parte a saldar os seus custos com passagem,
visto, hospedagem, alimentação. O que elas não sabem é que os valores da dívida
serão inflados de modo impagável, amarrando-as a uma escravidão sem
perspectivas de libertação. As dívidas, arbitrariamente determinadas pelos
exploradores, frequentemente ultrapassam os 100 mil dólares.
Mas
não é a soma estratosférica em dinheiro o que subjuga com mais eficácia as
escravas nigerianas do terceiro milênio : é a aterrorizante ‘dívida espiritual’ que, sob pressão,
elas acreditam que também estão assumindo ao aceitarem a ‘oferta de trabalho’.
É
aqui que entra o ‘juju’.
Para
comprovar o seu comprometimento em pagar a dívida, as jovens são
submetidas a rituais de magia negra. Nessas cerimônias, são
colhidas amostras de suas unhas, cabelos e até pelos púbicos. Tudo é misturado
com o sangue de animais oferecidos em sacrifício durante o
mesmo rito e levado em oferenda a obscuras divindades como um pacto
irrevogável. Esse pacto é simples : as mulheres se comprometem a saldar
completamente a dívida em dinheiro; do contrário, assumirão consequências
espirituais aterrorizantes.
O
ritual funciona, portanto, como uma espécie de ‘caução’, uma garantia ‘espiritual’
de que essas jovens de baixa educação formal, profundamente crédulas em
tradições tribais imemoriais, pagarão a dívida assumida com os seus ‘recrutadores’ para não sofrerem a
pavorosa maldição que recairia sobre elas próprias e sobre as
suas famílias se rompessem o pacto. Apavoradas, elas se tornam reféns de corpo
e de mente : longe de casa, transferidas quase sempre clandestinamente a países
como Itália, Espanha, Turquia, vigiadas implacavelmente o tempo todo, elas são
forçadas pela impossibilidade de pagar o impagável a se prostituírem
diariamente, até dezenas de vezes por dia, durante anos e anos a fio, em
condições de absoluta e abominável desumanização e terror psicológico.
Importante
: quando se fala em ‘exploradores’,
não se está falando apenas em vilões do sexo masculino. De acordo com o
Escritório contra Drogas e Crime (Unodc), departamento da ONU, quase a metade dos traficantes humanos da Nigéria
são mulheres. Conhecidas como ‘madames’,
elas são, na maioria dos casos, ex-vítimas que se tornaram uma combinação de
cafetinas, recrutadoras e sequestradoras : para tentarem escapar elas próprias
da prostituição, passam a enganar outras mulheres e, por conseguinte, eternizam
o ciclo de escravização humana sem que a consciência as
consiga impedir.
O ‘juju’
Os
rituais de ‘juju’ se contextualizam
na complexa teia de crenças animistas que permeia as culturas
tribais da África Ocidental.
O animismo não
é uma religião hierárquica e dogmaticamente organizada, mas uma visão de mundo
em que, grosso modo, não há uma clara separação entre o material e o espiritual
: praticamente tudo pode ser ‘habitado’
por espíritos, inclusive plantas, rochas, rios, trovões, o vento, as sombras.
Essa visão de mundo engloba um conjunto amplo e polifacético de mitos
cosmológicos e ritos mágicos que, no geral, não se voltam prioritariamente ao
louvor de divindades ou à busca da salvação da alma, e sim à obtenção de soluções
imediatas para problemas do dia-a-dia. Embora o animismo em si mesmo
não seja uma religião institucionalizada, foram surgindo dele, ao longo do
tempo, inúmeras manifestações religiosas mais definidas, que, trazidas com o
tráfico de escravos entre África e América, estão hoje arraigadas em várias
partes do Novo Mundo : é o caso, por exemplo, do vodu haitiano, da ‘santería’ cubana e das religiões
afro-brasileiras, que, pelo processo de sincretismo religioso, foram também
incorporando diversos aspectos do cristianismo.
A
influência dessa ancestral visão de mundo também perdura na
África Ocidental em paralelo com as grandes religiões monoteístas. De fato, na
Nigéria, o Estado de procedência de quase 90% das escravas sexuais traficadas
para a Europa é majoritariamente cristão : Edo, com cerca de 3
milhões de habitantes. Apesar de nominalmente cristã, grande parte da população
local mantém vivos muitos elementos culturais caracteristicamente animistas.
Um
deles é o sombrio conceito de ‘juju’.’
Fonte
: