*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘Cultivar a
espiritualidade ainda não faz parte do cotidiano de muitas pessoas. Pouco se
compreende que esse exercício é um pilar determinante na sustentação da
interioridade e de uma qualificada participação na vida social. Por isso,
muitas dinâmicas estão comprometidas. Ilusoriamente, pensa-se – talvez por
forças de secularismos, excesso de racionalizações ou imediatismos – que a
espiritualidade é opcional, mais apropriada para alguns mais devotos. Na
verdade, a espiritualidade é indispensável para sustentar a vida de todos em
parâmetros qualificados. Assim, um permanente desafio é estar em sintonia com o
que diz o salmista, nas Sagradas Escrituras : ‘Desde a minha concepção me conduzistes, e no seio maternal me
agasalhastes. Desde quando vim à luz vos fui entregue, desde o ventre de minha
mãe sois o meu Deus’.
A humanidade,
mesmo emoldurada por diferentes manifestações confessionais e religiosas, não
prioriza o hábito de cultivar a espiritualidade. As consequências são o
comprometimento da vida, com equívocos nos critérios que regem discernimentos e
escolhas, a prevalência da mediocridade na emissão de juízos e nas iniciativas
que deveriam corresponder à dignidade própria do ser humano, na sua inteireza.
A cultura da dimensão espiritual no cotidiano significa reconhecer a presença
de Deus no lugar que lhe é próprio, conforme ensina o salmista, em oração : ‘Porque sois, ó Senhor Deus, minha esperança,
em vós confio desde a minha juventude. Sois meu apoio desde antes que eu
nascesse, desde o seio maternal, o meu amparo. Vosso louvor transborda nos meus
lábios, cantam eles vossa gloria o dia inteiro. Não me deixeis quando chegar
minha velhice, não me falteis quando faltarem minhas forças. Eu, porém, sempre
em vós confiarei, sempre mais aumentarei vosso louvor’.
O lado espiritual
não é apenas uma parte da existência. Trata-se de alicerce para a vida,
cultivado pelo desenvolvimento da competência de se contemplar, isto é,
tornar-se capaz de mergulhar no sentido mais profundo de cada ser, de cada
criatura, superando superficialidades. E a oração é, por excelência, a experiência
do exercício da espiritualidade. Causa empobrecimento considerar a oração como
um recurso de poucos, para momentos passageiros de aflições maiores. As preces
possibilitam o enraizamento de si mesmo na verdade e na fonte do amor que é
Deus. Tertuliano, reconhecido escritor dos primeiros anos da era cristã,
destaca a força da oração, ao comentar : ‘nos
tempos passados, a oração livrava do fogo, das feras e da fome. Agora, a oração
cristã não faz descer o orvalho sobre as chamas, ou fechar a boca de leões, nem
impede o sofrimento. Mas, certamente vem em auxílio dos que suportam a dor com
paciência, afasta as tentações, faz cessar as perseguições, reconforta os de
ânimo abatido, enche de alegria os generosos, acalma tempestades, detém
ladrões, levanta os que caíram, sustenta os que vacilam e confirma os que estão
de pé’.
A oração
possibilita ao humano experimentar o deserto de seu próprio ser. Leva-o a
reconhecer sua condição solitária e pobre, para explicitar sua dependência de
Deus. O lado espiritual de cada pessoa é que lhe permite assumir e conquistar a
humanidade verdadeira e integral. Na espiritualidade, cultiva-se o silêncio que
faz da própria vida um ouvir determinante, gera-se a competência para o diálogo
que promove a cultura do encontro e quebra, com propriedade, a rigidez da
mesquinhez. A experiência espiritual qualificada é que nos permite cultivar e
aproveitar os nossos dons, edificando a unidade interior básica que permite a
inteireza moral e existencial. Quando se compromete essa unidade, a conduta
pessoal sofre com reflexos negativos. E o caminho da espiritualidade, que
possibilita uma condição humana qualificada, não pode ser trilhado apenas com a
própria força, nem mesmo unicamente com a luz da razão. Trata-se de percurso
impulsionado pelo Espirito Santo, que está presente em cada um dos que cultivam
a abertura para receber seus dons.
A humanidade
carrega fardo pesado por não compreender a importância de se cultivar a
espiritualidade. Por isso, o cidadão contemporâneo fica moralmente enfraquecido
gerando os descompassos que degradam o mundo. Assim, o investimento para
transformar a realidade exige, de cada um, cultivar o lado espiritual. Eis o
caminho que é fonte de soluções para os muitos problemas enfrentados pela
humanidade.’
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