*Artigo
de Marco Simoncelli,
Jornalista
Nas minas da República Democrática do
Congo homens, mulheres e crianças explorados trabalham extraindo o cobalto que
é usado na produção das baterias recarregáveis de lítio. Sob acusação estão 16
multinacionais entre as quais Apple, Microsoft e Sony, acusadas de não
controlar a sua linha de fornecedores.
‘Todos nós fazemos
hoje uso de telemóveis, tablets, computadores portáteis e outros dispositivos
electrônicos móveis. E todos nós, muitas vezes, praguejamos por causa da
escassa duração das baterias de lítio recarregáveis que os fazem funcionar.
Poucos de nós, porém, têm consciência de que o cobalto, elemento graças ao qual
se consegue produzir essas baterias, é obtido por meio do trabalho mal pago e
desumano de adultos e crianças nas minas da República Democrática do Congo
(RDC).
De um estudo
conjunto publicado pela Amnistia Internacional e pela Afrewatch, conclui-se que
as principais empresas de electrônica, entre as quais Apple, Samsung e Sony,
não fazem os devidos controlos de base para garantir que o cobalto usado nos
seus produtos é extraído respeitando os direitos humanos e não passa pela
exploração e trabalho infantil.
O relatório,
intitulado «Isto é o que nos mata :
Abusos dos direitos humanos na RDC alimentam o comércio global de cobalto»,
percorre o caminho que o cobalto faz desde as minas na RDC, onde homens e
crianças menores de sete anos trabalham em condições extremamente inseguras e
prejudiciais à saúde, passando pela laboração para obter as baterias até à sua
utilização final nos produtos das grandes marcas de electrónica que encontramos
nas lojas.
Trabalho desumano
Mais de metade do
total do fornecimento mundial de cobalto provém da RDC e segundo as estimativas
do Governo congolês, 20 por cento deste elemento atualmente exportado é
extraído por mineiros artesanais na região do Katanga, na parte meridional do
país. Trata-se, portanto, de uma parte muito significativa. Não é por acaso que
o número dos mineiros artesanais nesta região se situa entre 110 mil e 150 mil.
Estes trabalham em paralelo com as atividades industriais muito maiores geridas
por empresas ocidentais e chinesas.
Num país como a
RDC, entre os mais pobres do mundo (136.º em 188 no Índice de Desenvolvimento
Humano da Unicef) e ainda instável por causa dos conflitos étnicos internos e
da ausência de instituições estatais fortes, os minerais preciosos representam
a única fonte de sustento para muitas pessoas que o extraem autonomamente e sem
licença. Isso acontece ou escavando túneis profundos com simples cinzéis, sem
ventilação nem medidas de segurança, ou peneirando sem licença os materiais de
entulho das minas industriais da região. A exposição crônica a poeiras que
contêm cobalto pode causar doenças, asma e redução da função pulmonar. As
derrocadas nos túneis artesanais são frequentes e provocam centenas de mortes
por ano.
Um dado alarmante
é o que diz respeito ao trabalho e à exploração infantil. A Unicef calculou
que, em 2014, no setor mineiro da RDC trabalhavam cerca de 40 mil meninos e
meninas, muitos dos quais no ramo do cobalto. As
crianças entrevistadas pelos investigadores da Amnistia disseram ter trabalhado
até 12 horas por dia nas minas, ganhando em média um ou dois dólares. Estes
menores não frequentam a escola porque as suas famílias não podem pagar as
propinas escolares e são por isso empregados nas mesmas tarefas dos adultos,
prejudicando a sua saúde e pondo em risco a própria vida.
Falta empenho, mas
também regras
Incúria e
indiferença dolosas, ditadas pelas vantagens lucrativas que se obtêm. Compra-se
o indispensável cobalto sem fazer perguntas sobre onde e como é extraído, o
importante é que se continue a produzir a baixo custo. Esta é sem dúvida a
principal explicação.
Mas também é
preciso ter em conta que não há nada que obrigue as empresas a fazê-lo. Existe
de fato uma enorme lacuna no sistema do direito internacional. Como sublinha a
Amnistia, hoje não existe um regulamento do mercado global do cobalto, que não
está sequer inserido na lista dos «minerais
dos conflitos», a qual compreende pelo contrário ouro, coltan, estanho e
volfrâmio.
A Amnistia é clara
sobre o que devia ser feito : as empresas não deviam boicotar a produção
mineira da RDC, mas fazer um aprofundamento meticuloso sobre os seus
fornecedores diretos e indiretos, impondo o respeito dos direitos humanos. A
RDC deveria regularizar as áreas mineiras não autorizadas e fazer respeitar as
normas sobre o trabalho, especialmente o infantil. Por fim, os Estados de
residência fiscal das grandes multinacionais e o mercado global, que deviam
aprovar normas conjuntas para obrigarem as empresas à transparência sobre as
suas cadeias de abastecimento. Mas o que falta é vontade.
O percurso do cobalto
Do estudo da
Amnistia ficou claro que a maior empresa no centro deste comércio na República
Democrática do Congo é a Congo Dongfang Mining International (CDM), detida em
100 % pela chinesa Zhejiang Huayou Cobalt Ltd (Huayou Cobalt), um dos maiores
produtores no mundo de cobalto. A CDM e a Huayou Cobalt trabalham depois o
cobalto antes de o vender a três produtores de componentes de baterias de lítio
: Ningbo Shanshan e Tianjin Bamo, na China, e L&F Materials, na Coreia do
Sul. Por sua vez, estas empresas vendem as suas mercadorias aos produtores de
baterias, os quais as distribuem depois às mais importantes marcas de electrônica
ou de automóveis que todos nós conhecemos.
Uma vez feita esta
reconstrução, a Amnistia contatou dezesseis multinacionais, que são clientes
das três empresas que produzem baterias para aparelhos electrônicos e para
automóveis utilizando o cobalto proveniente da Huayou Cobalt ou de outros
fornecedores da República Democrática do Congo : Ahong, Apple, Byd, Daimler, Dell,
HP, Huawei, Inventec, Lenovo, LG, Microsoft, Samsung, Sony, Vodafone,
Volkswagen e Zte. Destas, uma admitiu a relação, quatro responderam que
desconheciam isso, cinco negaram usar cobalto da Huayou Cobalt, duas recusaram
a evidência de fornecer-se de cobalto da República Democrática do Congo e seis
prometeram investigações. Nenhuma das dezesseis empresas foi capaz de
disponibilizar informações pormenorizadas, sobre as quais poder desenvolver
investigações independentes para compreender de onde vem o cobalto usado nos
seus produtos.
Um resultado opaco
em termos de transparência que não pode senão evidenciar a situação paradoxal e
hipócrita (dado que algumas destas empresas se vangloriam de ter uma política
de tolerância zero face ao trabalho infantil). Como é possível que algumas das mais
ricas e inovadores empresas do mundo não tenham conhecimento da cadeia de
abastecimento das matérias-primas dos seus produtos?’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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