quinta-feira, 26 de maio de 2016

Escravos do cobalto

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Marco Simoncelli,
Jornalista

Nas minas da República Democrática do Congo homens, mulheres e crianças explorados trabalham extraindo o cobalto que é usado na produção das baterias recarregáveis de lítio. Sob acusação estão 16 multinacionais entre as quais Apple, Microsoft e Sony, acusadas de não controlar a sua linha de fornecedores.


‘Todos nós fazemos hoje uso de telemóveis, tablets, computadores portáteis e outros dispositivos electrônicos móveis. E todos nós, muitas vezes, praguejamos por causa da escassa duração das baterias de lítio recarregáveis que os fazem funcionar. Poucos de nós, porém, têm consciência de que o cobalto, elemento graças ao qual se consegue produzir essas baterias, é obtido por meio do trabalho mal pago e desumano de adultos e crianças nas minas da República Democrática do Congo (RDC).

De um estudo conjunto publicado pela Amnistia Internacional e pela Afrewatch, conclui-se que as principais empresas de electrônica, entre as quais Apple, Samsung e Sony, não fazem os devidos controlos de base para garantir que o cobalto usado nos seus produtos é extraído respeitando os direitos humanos e não passa pela exploração e trabalho infantil.

O relatório, intitulado «Isto é o que nos mata : Abusos dos direitos humanos na RDC alimentam o comércio global de cobalto», percorre o caminho que o cobalto faz desde as minas na RDC, onde homens e crianças menores de sete anos trabalham em condições extremamente inseguras e prejudiciais à saúde, passando pela laboração para obter as baterias até à sua utilização final nos produtos das grandes marcas de electrónica que encontramos nas lojas.


Trabalho desumano

Mais de metade do total do fornecimento mundial de cobalto provém da RDC e segundo as estimativas do Governo congolês, 20 por cento deste elemento atualmente exportado é extraído por mineiros artesanais na região do Katanga, na parte meridional do país. Trata-se, portanto, de uma parte muito significativa. Não é por acaso que o número dos mineiros artesanais nesta região se situa entre 110 mil e 150 mil. Estes trabalham em paralelo com as atividades industriais muito maiores geridas por empresas ocidentais e chinesas.

Num país como a RDC, entre os mais pobres do mundo (136.º em 188 no Índice de Desenvolvimento Humano da Unicef) e ainda instável por causa dos conflitos étnicos internos e da ausência de instituições estatais fortes, os minerais preciosos representam a única fonte de sustento para muitas pessoas que o extraem autonomamente e sem licença. Isso acontece ou escavando túneis profundos com simples cinzéis, sem ventilação nem medidas de segurança, ou peneirando sem licença os materiais de entulho das minas industriais da região. A exposição crônica a poeiras que contêm cobalto pode causar doenças, asma e redução da função pulmonar. As derrocadas nos túneis artesanais são frequentes e provocam centenas de mortes por ano.

Um dado alarmante é o que diz respeito ao trabalho e à exploração infantil. A Unicef calculou que, em 2014, no setor mineiro da RDC trabalhavam cerca de 40 mil meninos e meninas, muitos dos quais no ramo do cobalto. As crianças entrevistadas pelos investigadores da Amnistia disseram ter trabalhado até 12 horas por dia nas minas, ganhando em média um ou dois dólares. Estes menores não frequentam a escola porque as suas famílias não podem pagar as propinas escolares e são por isso empregados nas mesmas tarefas dos adultos, prejudicando a sua saúde e pondo em risco a própria vida.


Falta empenho, mas também regras

Incúria e indiferença dolosas, ditadas pelas vantagens lucrativas que se obtêm. Compra-se o indispensável cobalto sem fazer perguntas sobre onde e como é extraído, o importante é que se continue a produzir a baixo custo. Esta é sem dúvida a principal explicação.

Mas também é preciso ter em conta que não há nada que obrigue as empresas a fazê-lo. Existe de fato uma enorme lacuna no sistema do direito internacional. Como sublinha a Amnistia, hoje não existe um regulamento do mercado global do cobalto, que não está sequer inserido na lista dos «minerais dos conflitos», a qual compreende pelo contrário ouro, coltan, estanho e volfrâmio.

A Amnistia é clara sobre o que devia ser feito : as empresas não deviam boicotar a produção mineira da RDC, mas fazer um aprofundamento meticuloso sobre os seus fornecedores diretos e indiretos, impondo o respeito dos direitos humanos. A RDC deveria regularizar as áreas mineiras não autorizadas e fazer respeitar as normas sobre o trabalho, especialmente o infantil. Por fim, os Estados de residência fiscal das grandes multinacionais e o mercado global, que deviam aprovar normas conjuntas para obrigarem as empresas à transparência sobre as suas cadeias de abastecimento. Mas o que falta é vontade.


O percurso do cobalto

Do estudo da Amnistia ficou claro que a maior empresa no centro deste comércio na República Democrática do Congo é a Congo Dongfang Mining International (CDM), detida em 100 % pela chinesa Zhejiang Huayou Cobalt Ltd (Huayou Cobalt), um dos maiores produtores no mundo de cobalto. A CDM e a Huayou Cobalt trabalham depois o cobalto antes de o vender a três produtores de componentes de baterias de lítio : Ningbo Shanshan e Tianjin Bamo, na China, e L&F Materials, na Coreia do Sul. Por sua vez, estas empresas vendem as suas mercadorias aos produtores de baterias, os quais as distribuem depois às mais importantes marcas de electrônica ou de automóveis que todos nós conhecemos.

Uma vez feita esta reconstrução, a Amnistia contatou dezesseis multinacionais, que são clientes das três empresas que produzem baterias para aparelhos electrônicos e para automóveis utilizando o cobalto proveniente da Huayou Cobalt ou de outros fornecedores da República Democrática do Congo : Ahong, Apple, Byd, Daimler, Dell, HP, Huawei, Inventec, Lenovo, LG, Microsoft, Samsung, Sony, Vodafone, Volkswagen e Zte. Destas, uma admitiu a relação, quatro responderam que desconheciam isso, cinco negaram usar cobalto da Huayou Cobalt, duas recusaram a evidência de fornecer-se de cobalto da República Democrática do Congo e seis prometeram investigações. Nenhuma das dezesseis empresas foi capaz de disponibilizar informações pormenorizadas, sobre as quais poder desenvolver investigações independentes para compreender de onde vem o cobalto usado nos seus produtos.

Um resultado opaco em termos de transparência que não pode senão evidenciar a situação paradoxal e hipócrita (dado que algumas destas empresas se vangloriam de ter uma política de tolerância zero face ao trabalho infantil). Como é possível que algumas das mais ricas e inovadores empresas do mundo não tenham conhecimento da cadeia de abastecimento das matérias-primas dos seus produtos?’


Fonte :
* Artigo na íntegra


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