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sábado, 18 de março de 2023

Trabalho escravo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Cardeal Dom Sergio da Rocha,

Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil


‘Numa época de grandes avanços científicos e tecnológicos, marcada pelo risco de alguém se tornar ‘escravo do trabalho’, perdura tristemente o trabalho escravo. Notícias a respeito têm sido veiculadas pela mídia, nem sempre recebendo a devida atenção, indignação e resposta efetiva. As vítimas têm o seu clamor sufocado, o que leva as novas formas de escravidão a se perpetuarem e a se agravarem. Dentre elas, estão migrantes provenientes das áreas mais pobres do país e pessoas que sofrem com a miséria e a fome. Notícias recentes sobre a exploração de trabalhadores provenientes do Nordeste, principalmente da Bahia, têm favorecido algum conhecimento e reflexão sobre esta dura realidade. O caso veio a público com particular intensidade, gerando reações de indignação, mas certamente muitas outras situações ocorrem sem conhecimento público, nem a necessária resposta,

 A capacidade humana de indignar-se perante esta forma de violação da vida e da dignidade das pessoas ainda se manifesta, trazendo esperança. Contudo, a comoção provocada pelo noticiário e pelas redes sociais não é suficiente. É preciso a ação decidida e permanente de autoridades e órgãos públicos, a mobilização da sociedade civil organizada, a participação de igrejas, universidades, meios de comunicação social e organizações de defesa dos direitos humanos. Iniciativas em andamento, como a Rede Um Grito pela Vida, de combate ao tráfico de pessoas, necessitam ser valorizadas e difundidas.

Além das ações de combate ao trabalho escravo, é preciso investir na sua prevenção. Para tanto, é preciso aprofundar a questão das suas causas para prevenir o surgimento de novos casos.  Há fatores, como a migração forçada em busca de sobrevivência ou melhores condições de vida, que tornam os trabalhadores presas fáceis de trabalho escravo. A miséria e a fome criam um terreno fértil para submeter a condições de escravidão, trabalhadores, migrantes, mulheres e crianças. É preciso combater as causas e não apenas os casos particulares. Além disso, são sempre muito necessárias campanhas veiculando informações e alertas para a população a fim de evitar que as pessoas se tornem vítimas de pessoas ou grupos inescrupulosos que se aproveitam da sua vulnerabilidade social. Sinais de esperança se descortinam no horizonte, como iniciativas de solidariedade e de justiça, ações de superação da miséria e da fome e projetos socioeducativos. Mas, é árduo e longo o caminho a percorrer para eliminar o trabalho escravo.  A complexidade e a gravidade da realidade social não devem ser motivo para a paralisia e o desânimo. É preciso dizer ‘não’ ao trabalho escravo e à escravidão de qualquer natureza, que não condiz com a dignidade da pessoa, ‘imagem e semelhança’ de Deus.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-03/cardeal-sergio-rocha-trabalho-escravo.html

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Francisco: ainda hoje há muitos homens e mulheres escravizados

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
FFrancisco recebeu participantes da Conferência de 'Solidariedade Trinitária Internacional'

*Artigo de Silvonei José


‘Ainda hoje há muitos homens e mulheres escravizados, disse o Papa Francisco recebendo na manhã desta segunda-feira (25.04), no Vaticano, os participantes da Conferência de ‘Solidariedade Trinitária Internacional’, expressão da Ordem da Santíssima Trindade. Depois de agradecer as palavras de saudação do Superior Geral Francisco disse que ficou impressionado ao ver como eles puderam atualizar o carisma da Ordem dando vida a esta organização, que defende a liberdade religiosa não de forma teórica, mas cuidando de pessoas que são perseguidas e encarceradas por causa de sua fé. Ao mesmo tempo - disse ainda -, não faltam estudo e reflexão da parte deles, que também encontram expressão na esfera acadêmica através do curso de estudos sobre liberdade religiosa no Angelicum, de Roma, uma cadeira com o nome de seu fundador São João de Matha.

Francisco parabenizou os presentes por este compromisso que estão cumprindo, inspirado no carisma original. Voltando depois ao tempo de São Francisco de Assis, disse o Papa : ‘o Espírito Santo suscitou naquele tempo - como sempre faz, em todas as épocas - testemunhas capazes de responder, segundo o Evangelho, aos desafios do momento’.

‘João de Matha foi chamado por Cristo a dar sua vida pela libertação dos escravos, tanto cristãos como muçulmanos. Ele não queria fazer isto sozinho, individualmente, mas fundou uma nova Ordem para este fim, uma ordem 'em saída', nova também em sua forma de vida, que deveria ser um apostolado 'no mundo'. E o Papa Inocêncio III deu sua aprovação e seu total apoio’.

Ordem da Santíssima Trindade e dos cativos’, ou seja, escravos, prisioneiros. Também esta combinação, destacou Francisco, faz refletir : a Trindade e os escravos. Não se pode deixar de pensar na primeira ‘pregação’ de Jesus na sinagoga de Nazaré, quando leu a passagem do profeta Isaías : ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, / por isso ele me ungiu / e me enviou para trazer a boa nova aos pobres, / para proclamar a libertação aos cativos / ... para libertar os oprimidos’ (Lc 4,18; cf. Is 61,1-2).

Jesus é o Enviado do Pai e é movido pelo Espírito Santo. Nele, toda a Trindade opera :

‘E a obra de Deus Amor, Pai, Filho e Espírito Santo, é a redenção do homem: por esta razão, Cristo derramou seu sangue na cruz. Em resgate por nós. Esta obra é prolongada na missão de toda a Igreja. Mas em sua Ordem encontrou uma expressão singular, peculiar, eu diria ‘literal’ - um pouco como a pobreza em Francisco -, ou seja, o compromisso com o resgate dos escravos’.

Francisco recordou que este carisma é, infelizmente, de uma atualidade flagrante! Seja porque mesmo em nosso tempo, que se vangloria de ter abolido a escravidão, na realidade há muitos, demasiados homens e mulheres, até mesmo crianças reduzidas a viver em condições desumanas, escravizadas. Seja porque, como evidenciado durante a conferência, a liberdade religiosa é violada, às vezes pisoteada em muitos lugares e de várias maneiras, algumas rudes e óbvias, outras sutis e ocultas.

Antigamente, - disse o Papa - era costume dividir a humanidade entre bons e maus : ‘‘Este país é bom...’. - ‘Mas fabrica bombas!’ - ‘Não, é bom’ - ‘E este é mau...’. Não, hoje a maldade permeou a todos e em todos os países há bons e maus. A maldade, hoje, está em toda parte, em todos os Estados. Também no Vaticano, talvez!

O Papa finalizou seu breve discurso agradecendo pelo trabalho da Ordem e os encorajou a prossegui-lo, também colaborando com outras instituições, eclesiais ou não, que compartilham de seu nobre propósito. Mas, por favor, disse, sem perder sua especificidade, sem ‘diluir’ o carisma.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2022-04/francisco-ainda-hoje-muitos-homens-e-mulheres-escravizados.html

terça-feira, 28 de abril de 2020

Freiras na linha de frente contra o tráfico de seres humanos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 GABRIELLA BOTTANI
Irmã Gabriella Bottani

*Artigo de Sivia Constantini

‘Um provérbio etíope diz que ‘quando as aranhas juntam suas redes, elas podem abater um leão’. Esse é o espírito que anima Talitha Kum, a rede internacional de vida consagrada contra o tráfico de seres humanos.

Hoje, a rede fundada em 1990 está em 92 países dos cinco continentes. Um pequeno exército de cerca de 2.000 colaboradores, dos quais a maioria são religiosas, mas também há leigos e religiosos, dedicando suas vidas à tarefa de tentar salvar os escravos do século XXI.

Sim, estamos falando mesmo de ‘escravos’. Porque, de acordo com a Organização Mundial do Trabalho, estima-se que cerca de 40 milhões de pessoas estejam reduzidas à escravidão no mundo, em 182 países. E os números parecem estar aumentando.

Para entender a dinâmica dessa triste e ampla realidade, conversamos com a irmã Gabriella Bottani, missionária comboniana e coordenadora da rede Talitha Kum, e perguntamos a ela como ainda podemos falar de escravidão em 2020.

Uma das causas dessa situação se deve à grave vulnerabilidade, que piorou nos últimos anos. De fato, a vulnerabilidade não é o problema, mas a exploração. E, para nós da Talitha Kum, é importante enfatizar isso, porque a vulnerabilidade pode se tornar um ponto de encontro, de solidariedade, não necessariamente um espaço onde se possa explorar com fins lucrativos.’

– Quem são os escravos hoje?

Atualmente, os que são mais explorados em sua vulnerabilidade são mulheres, crianças (meninos e meninas) e populações migrantes.

As estatísticas são bastante consistentes ao afirmar que 30% são crianças menores de 18 anos e jovens adultos. Logicamente, a idade está ligada à capacidade prestar serviços, como acontece no mercado do sexo ou na servidão doméstica.

– Quais são as formas mais comuns de escravidão?

A exploração sexual é uma das formas de escravidão, embora com várias conotações. Porque, além da prostituição, há a pornografia.

Outra forma de escravidão é a exploração do trabalho, em que um nicho importante é a servidão doméstica. Mas há também escravos na área de pastoreio, construção, mineração, pesca, principalmente na pesca em alto mar. Os contextos são muito diversos.

E depois há o tráfico de meninas para casamentos forçados. Trata-se de um fenômeno que afeta não apenas a Ásia e a África, porque também foram registrados casos no mundo ocidental, por exemplo, nos Estados Unidos, mas também na Itália. Muitas vezes, esses fenômenos estão ligados às comunidades de migrantes que residem em nossos países e, em outros casos, são casamentos combinados na internet.

– Como alguém se enquadra na rede de tráfico de pessoas?

O fenômeno é extremamente complexo. Mas o que está na base é o desejo de uma vida melhor, de encontrar um emprego melhor.

Às vezes, essas pessoas recebem propostas concretas de trabalho escravo, às vezes emigram porque ouviram, de boca a boca ou por um anúncio, que em um determinado país se vive bem. Assim como nós, quando pensamos nos Estados Unidos ou Alemanha e temos certeza de que, nesses locais, é mais fácil encontrar um emprego melhor, sem ter feito uma análise séria da situação.

Às vezes, eles simplesmente tentam escapar da pobreza, uma pobreza digna, nem sempre da miséria desesperada.

Em geral, aqueles que vivem em um contexto de miséria são explorados dentro do país. É mais difícil para eles nos alcançar.

– Portanto, você entra no sistema de tráfico por um ato da própria vontade?

Devemos nos perguntar o que é vontade e liberdade. Entram temas na definição de ‘tráfico’ hoje, o que nos leva a profundas questões existenciais. Porque, se banalizamos, dizemos ‘coitadinho, eles o/a recrutaram e o/a levaram contra sua vontade.’ Mas nós, quando vamos à rua e conversamos com os meninos e meninas que vivem nessa situação, percebemos que isso não se encaixa realidade.

Na Sicília, por exemplo, meninos e meninas que se prostituem estavam passando fome. Eles queriam ou não? Que alternativa eles receberam? É muito complexo, porque alternativas são dadas quando uma pessoa tem um conjunto de possibilidades para escolher.

As desigualdades e ferimentos causados ​​por um modelo perverso impedem a possibilidade de escolha.

Por exemplo, eu trabalhei no Brasil com meninas que nasceram nas favelas, em barracos, e algumas foram abusadas e viveram em uma pobreza terrível.

Essas meninas chegavam à escola e atingiam o terceiro e o quarto ano da escola primária sem saber ler nem soletrar. Elas tinham uma desorganização tão grande do seu eu que eram completamente fragilizadas.

Essas meninas eram automaticamente recrutadas para exploração sexual.

Uma delas um dia veio me ver, estava feliz, ela tinha 10 anos e trazia um bebê nos braços. ‘Tia, ela me disse, olha a coisa mais linda que já fiz! Eu não sabia que poderia fazer uma coisa tão bonita!’ O filho nasceu dessa situação de abuso.

Às vezes, definimos e rotulamos ‘tráfico’ em categorias que não correspondem à realidade.

Existem situações em que o ‘sim’ da pessoa é a única opção possível.

É um sistema perverso que cria dinâmicas de grande pobreza.

Pensemos agora no problema do coronavírus. Fizeram confinamentos em todos os lugares e as pessoas estão morrendo de fome. Estão sendo criadas áreas assustadoras de vulnerabilidade. Quais serão as consequências, não sabemos.


– O que a rede Talitha Kum está fazendo nesta fase da pandemia de Covid-19?

Neste momento, muitas irmãs são forçadas a ficar em casa porque não podem sair devido ao confinamento.

Em alguns casos, com algumas organizações da Conferência Episcopal Italiana, estamos preparando e distribuindo kits de mantimentos para levar às pessoas que, de outra forma, passariam fome. Como aquelas que são forçadas à prostituição e que, sem clientes, não têm como sobreviver.

Colocamos trabalhadores para fazer máscaras. Em outros casos, as freiras levam o material para a casa das pessoas em fase de recuperação, para que a terapia ocupacional possa continuar e não interromper essa atividade produtiva, como crochê, artesanato… ou outras coisas que estavam fazendo.

– Qual é o carisma das irmãs de Talitha Kum?

O que nos une na rede Talitha Kum é a ‘abordagem centrada na vítima’, ou seja, a pessoa é o centro.

Então, dependendo do contexto, nosso acompanhamento é abrangente: formação humana, espiritual e apoio psicossocial, o que leva à reintegração econômica e, em vários casos, trabalhamos juntos na comunidade.

Por exemplo, há o trabalho manual, e os produtos são vendidos posteriormente. A anuidade é certamente um dos pontos comuns dos diferentes centros.

– Quantas pessoas vocês já salvaram?

Pelo contrário, são eles que nos salvam!

Mas falemos mais sobre a recuperação da vida. Em 2018, fizemos uma espécie de censo e percebemos que havíamos oferecido serviço a cerca de 15.500 pessoas em um ano.

Os serviços são diversos : acompanhamento espiritual, serviços de formação, etc. O serviço é muito extenso e costumamos fazer isso em conjunto com outras organizações. Nós não estamos sozinhos. Contribuímos para o processo de cicatrização, que é lento e traumático.

– O Papa Francisco fez da ação de vocês uma prioridade de seu pontificado. Que palavras ele quis compartilhar com vocês?

O Papa Francisco nos informou em várias ocasiões que se importa com a nossa ‘missão’, como ele a definiu. Por exemplo, ele insistiu na capacidade de colaborar. E acho que esse é o grande desafio.

O apoio do Papa é um dom que nos impulsiona a continuar com responsabilidade.

– O que a leva a continuar nessa luta contra a escravidão?

Neste momento, recolho também o trabalho que as outras irmãs fazem, e há histórias de fracasso, e são também essas que nos levam a seguir em frente.

Mas lembro-me do abraço no final da última Assembléia Geral, dado a nós por uma sobrevivente do tráfico : essa mulher descobriu que sua vida não era inútil e que ela podia fazer a diferença.

Ela havia escapado da Nigéria, chegou à Itália após mil incidentes e entrou no círculo da prostituição contra sua vontade. Então ela conseguiu escapar e se viu em um centro de acolhida administrado por freiras. Aqui ela fez todo o seu caminho de recuperação, de resgate à vida. Agora com 23 anos, ela retomou seus estudos e está reconstruindo sua vida. É isso que nos leva a continuar.

– E o que nós católicos podemos fazer?

Antes de tudo, é necessário não fechar os olhos. Tentar entender qual é a dinâmica, e não adquirir bens e produtos que provenham do trabalho escravo. Por exemplo, a Igreja nos Estados Unidos lançou uma campanha em favor de pescados que não empreguem mão de obra escrava na pesca.

E então, trabalhe para mudar a mente das pessoas, e essa é a responsabilidade especial dos educadores.

Outra ajuda é apoiar projetos. Um que é especialmente querido por nós é o Super Nuns, uma coleta de fundos à qual artistas de rua, designers e cartunistas se juntaram, para contar o que Talitha Kum está tentando fazer. Com as doações recebidas, eles nos ajudam a apoiar nossas redes.’



Fonte :
* Artigo na íntegra

domingo, 11 de agosto de 2019

Escravidão persiste na África Ocidental 400 anos após início de comércio transatlântico


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Angela Ukomadu e Nneka Chile


‘Blessing tinha só seis anos de idade quando sua mãe fez arranjos para ela se tornar uma empregada doméstica desassalariada de uma família da cidade nigeriana de Abuja com a promessa de que eles a colocariam na escola.

Em sua cidade natal do sudoeste da Nigéria, sua mãe tinha dificuldade para ganhar o suficiente para alimentar os três filhos. Mas quando Blessing chegou a Abuja, em vez de ir para a escola, a família a fazia trabalhar o dia todo, a espancava com um fio elétrico se ela esquecia uma de suas tarefas e a alimentava com sobras estragadas.

Mais tarde, quando sua mãe se mudou para a mesma cidade para ficar mais perto da filha, Blessing não tinha permissão de ficar a sós com ela durante as visitas.

Eles me diziam que minha mãe estava vindo, que eu não devia lhe dizer o que estava acontecendo comigo, que nem devia dizer nada’, diz ela sobre a família.

Se ela me perguntasse como estou, devia dizer que estava ótima, diziam’.

No momento em que o mundo lembra os 400 anos transcorridos desde que os primeiros escravos africanos registrados chegaram à América do Norte, a escravidão persiste como um flagelo dos tempos modernos. Estima-se que mais de 40 milhões de pessoas estejam submetidas a trabalhos forçados, casamentos forçados e outras formas de exploração sexual, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).

Blessing, hoje com 11 anos, é uma destas vítimas. Ela foi resgatada em 2016 pela Fundação de Erradicação do Tráfico de Mulheres e do Trabalho Infantil (Wotclef, na sigla em inglês), um grupo de combate ao tráfico humano, depois de dois anos de isolamento e abusos. Ela ainda está sob os cuidados da Wotclef, que consentiu que ela fosse entrevistada para esta reportagem.

Blessing é um pseudônimo exigido para proteger seu anonimato.

A África tem a maior prevalência de casos de escravidão, com mais de sete vítimas para cada mil pessoas, segundo um relatório de 2017 do grupo de direitos humanos Walk Free Foundation e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O relatório define escravidão como ‘situações de exploração que uma pessoa não consegue recusar ou deixar por causa de ameaças, violência, coerção, artimanhas e/ou abuso de poder’.

O tráfico sexual, que ludibria muitas pessoas levadas a crer que trabalharão em outra coisa, é uma das formas mais disseminadas e abusivas de escravidão moderna.


Fonte :

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Maus-tratos : Mundo cruel

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Carlos Reis,
Jornalista

O recurso à tortura, agressão, escravidão e outras formas de tratamento cruel, desumano ou degradante persiste por países de todo o mundo. Crianças e adultos são vítimas de violência física e psicológica e os seus direitos postos de parte por Estados, organizações e ‘protetores’.


‘Graves violações de direitos humanos e um ataque generalizado às liberdades e aos direitos fundamentais registam-se em todo o mundo, com mais de 122 países a realizarem torturas ou maus-tratos. A denúncia da Amnistia Internacional (AI) refere-se ao tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante entendidos como atos duros ou negligentes com a intenção de causar dor física ou mental, sofrimento ou humilhação às vítimas. Já a tortura constitui a forma agravada e deliberada.

Estes maus-tratos podem ser cometidos em postos de polícia, prisões, centros de detenção, hospitais ou instituições para doentes mentais e até ser infligidos em casa das vítimas. O manual Monitoring and Investigating Torture or CID Treatment aponta que alguns dos atos ou omissões incluem o «encerramento em celas escuras, punições, uso de correntes, assim como tratamento negligente como a privação de alimentos, água, higiene ou tratamento médico», especifica o documento da AI.

Compete aos Estados assegurar que todos os atos de tortura são ofensas abrangidas pela lei criminal, mas nem todas as constituições ou leis nacionais proíbem o uso de tortura. Muitos países argumentam que são incapazes de modificar as condições prisionais degradadas devido aos problemas económicos. Contudo, «muitas das ações tomadas pelos governos para restringir os direitos humanos são elas próprias bastante caras», ressalva o Codesria, conselho africano de pesquisa em ciências sociais.

As vítimas são os mais desfavorecidos, prisioneiros comuns e políticos, detidos, manifestantes, familiares de ativistas ou membros de grupos étnicos ou religiosos.


Estado dos direitos

Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pelas Nações Unidas, a Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos reprova a utilização da tortura. Também a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, convencionada pela União Africana, declara o direito à integridade física e moral.

Na África, depois de a União Africana ter declarado 2016 como o Ano dos Direitos Humanos, registam-se avanços positivos em diversos países. Na Mauritânia, uma nova lei baniu a detenção secreta e na Suazilândia presos políticos foram libertados.

Ainda assim, ao longo de 2015, «muitos governos responderam às ameaças à segurança com desrespeito ao direito internacional humanitário», denuncia a AI no relatório Report 2015/16. Operações de segurança na Nigéria, Camarões, Níger e Chade foram marcadas por prisões arbitrárias, detenções em regime incomunicável, execuções extrajudiciais e tortura.

Na América do Sul, a tortura e outros maus-tratos continuaram generalizados em 2015, com as autoridades a não processarem os responsáveis. «Os tratamentos cruéis, desumanos e degradantes são habituais nas penitenciárias e no momento da prisão», aponta a AI. Na Argentina, Bolívia e México, as denúncias de tortura não são investigadas e as forças de segurança mantêm-se impunes. Os maus-tratos são endêmicos nas prisões do Brasil.

Na Ásia, a tortura e outros maus-tratos durante a detenção são generalizados na China. Na Índia, mortes por tortura obrigaram à instalação de circuitos fechados de televisão nas prisões. A violência sexual entre detidos é denunciada no Sri Lanka e no Irão os tribunais continuam a impor punições como a flagelação e amputações.

Em Portugal, «pessoas das comunidades ciganas e de ascendência africana continuam a sofrer discriminação. Ocorrem novas denúncias de uso excessivo da força pela polícia e as condições prisionais continuam a ser inadequadas», de acordo com a AI.

A tortura permanece generalizada em todo o mundo. É alarmante que alguns dos responsáveis por estes atos criminosos considerem que nada têm de que se envergonhar.


Fonte :
* Artigo na íntegra

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Escravos do cobalto

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Marco Simoncelli,
Jornalista

Nas minas da República Democrática do Congo homens, mulheres e crianças explorados trabalham extraindo o cobalto que é usado na produção das baterias recarregáveis de lítio. Sob acusação estão 16 multinacionais entre as quais Apple, Microsoft e Sony, acusadas de não controlar a sua linha de fornecedores.


‘Todos nós fazemos hoje uso de telemóveis, tablets, computadores portáteis e outros dispositivos electrônicos móveis. E todos nós, muitas vezes, praguejamos por causa da escassa duração das baterias de lítio recarregáveis que os fazem funcionar. Poucos de nós, porém, têm consciência de que o cobalto, elemento graças ao qual se consegue produzir essas baterias, é obtido por meio do trabalho mal pago e desumano de adultos e crianças nas minas da República Democrática do Congo (RDC).

De um estudo conjunto publicado pela Amnistia Internacional e pela Afrewatch, conclui-se que as principais empresas de electrônica, entre as quais Apple, Samsung e Sony, não fazem os devidos controlos de base para garantir que o cobalto usado nos seus produtos é extraído respeitando os direitos humanos e não passa pela exploração e trabalho infantil.

O relatório, intitulado «Isto é o que nos mata : Abusos dos direitos humanos na RDC alimentam o comércio global de cobalto», percorre o caminho que o cobalto faz desde as minas na RDC, onde homens e crianças menores de sete anos trabalham em condições extremamente inseguras e prejudiciais à saúde, passando pela laboração para obter as baterias até à sua utilização final nos produtos das grandes marcas de electrónica que encontramos nas lojas.


Trabalho desumano

Mais de metade do total do fornecimento mundial de cobalto provém da RDC e segundo as estimativas do Governo congolês, 20 por cento deste elemento atualmente exportado é extraído por mineiros artesanais na região do Katanga, na parte meridional do país. Trata-se, portanto, de uma parte muito significativa. Não é por acaso que o número dos mineiros artesanais nesta região se situa entre 110 mil e 150 mil. Estes trabalham em paralelo com as atividades industriais muito maiores geridas por empresas ocidentais e chinesas.

Num país como a RDC, entre os mais pobres do mundo (136.º em 188 no Índice de Desenvolvimento Humano da Unicef) e ainda instável por causa dos conflitos étnicos internos e da ausência de instituições estatais fortes, os minerais preciosos representam a única fonte de sustento para muitas pessoas que o extraem autonomamente e sem licença. Isso acontece ou escavando túneis profundos com simples cinzéis, sem ventilação nem medidas de segurança, ou peneirando sem licença os materiais de entulho das minas industriais da região. A exposição crônica a poeiras que contêm cobalto pode causar doenças, asma e redução da função pulmonar. As derrocadas nos túneis artesanais são frequentes e provocam centenas de mortes por ano.

Um dado alarmante é o que diz respeito ao trabalho e à exploração infantil. A Unicef calculou que, em 2014, no setor mineiro da RDC trabalhavam cerca de 40 mil meninos e meninas, muitos dos quais no ramo do cobalto. As crianças entrevistadas pelos investigadores da Amnistia disseram ter trabalhado até 12 horas por dia nas minas, ganhando em média um ou dois dólares. Estes menores não frequentam a escola porque as suas famílias não podem pagar as propinas escolares e são por isso empregados nas mesmas tarefas dos adultos, prejudicando a sua saúde e pondo em risco a própria vida.


Falta empenho, mas também regras

Incúria e indiferença dolosas, ditadas pelas vantagens lucrativas que se obtêm. Compra-se o indispensável cobalto sem fazer perguntas sobre onde e como é extraído, o importante é que se continue a produzir a baixo custo. Esta é sem dúvida a principal explicação.

Mas também é preciso ter em conta que não há nada que obrigue as empresas a fazê-lo. Existe de fato uma enorme lacuna no sistema do direito internacional. Como sublinha a Amnistia, hoje não existe um regulamento do mercado global do cobalto, que não está sequer inserido na lista dos «minerais dos conflitos», a qual compreende pelo contrário ouro, coltan, estanho e volfrâmio.

A Amnistia é clara sobre o que devia ser feito : as empresas não deviam boicotar a produção mineira da RDC, mas fazer um aprofundamento meticuloso sobre os seus fornecedores diretos e indiretos, impondo o respeito dos direitos humanos. A RDC deveria regularizar as áreas mineiras não autorizadas e fazer respeitar as normas sobre o trabalho, especialmente o infantil. Por fim, os Estados de residência fiscal das grandes multinacionais e o mercado global, que deviam aprovar normas conjuntas para obrigarem as empresas à transparência sobre as suas cadeias de abastecimento. Mas o que falta é vontade.


O percurso do cobalto

Do estudo da Amnistia ficou claro que a maior empresa no centro deste comércio na República Democrática do Congo é a Congo Dongfang Mining International (CDM), detida em 100 % pela chinesa Zhejiang Huayou Cobalt Ltd (Huayou Cobalt), um dos maiores produtores no mundo de cobalto. A CDM e a Huayou Cobalt trabalham depois o cobalto antes de o vender a três produtores de componentes de baterias de lítio : Ningbo Shanshan e Tianjin Bamo, na China, e L&F Materials, na Coreia do Sul. Por sua vez, estas empresas vendem as suas mercadorias aos produtores de baterias, os quais as distribuem depois às mais importantes marcas de electrônica ou de automóveis que todos nós conhecemos.

Uma vez feita esta reconstrução, a Amnistia contatou dezesseis multinacionais, que são clientes das três empresas que produzem baterias para aparelhos electrônicos e para automóveis utilizando o cobalto proveniente da Huayou Cobalt ou de outros fornecedores da República Democrática do Congo : Ahong, Apple, Byd, Daimler, Dell, HP, Huawei, Inventec, Lenovo, LG, Microsoft, Samsung, Sony, Vodafone, Volkswagen e Zte. Destas, uma admitiu a relação, quatro responderam que desconheciam isso, cinco negaram usar cobalto da Huayou Cobalt, duas recusaram a evidência de fornecer-se de cobalto da República Democrática do Congo e seis prometeram investigações. Nenhuma das dezesseis empresas foi capaz de disponibilizar informações pormenorizadas, sobre as quais poder desenvolver investigações independentes para compreender de onde vem o cobalto usado nos seus produtos.

Um resultado opaco em termos de transparência que não pode senão evidenciar a situação paradoxal e hipócrita (dado que algumas destas empresas se vangloriam de ter uma política de tolerância zero face ao trabalho infantil). Como é possível que algumas das mais ricas e inovadores empresas do mundo não tenham conhecimento da cadeia de abastecimento das matérias-primas dos seus produtos?’


Fonte :
* Artigo na íntegra