*Artigo
de Fernando Félix,
Jornalista
Todos os anos, centenas de milhares
de cingaleses vão em peregrinação ao santuário mariano de Madhu, o templo
católico mais importante do Sri Lanka. Ali vão católicos, hindus e muçulmanos,
porque é símbolo da paz nacional e pessoal reconquistadas.
‘Quando, em 2015,
o Papa Francisco peregrinou ao santuário mariano de Madhu, no Sri Lanka, sublinhou
que Nossa Senhora do Bom Conselho ali venerada guia o país para a reconciliação
total. Durante a celebração rezou-se uma oração em várias línguas pedindo a
consolidação da paz, por intercessão da Mãe que ali e desde ali tem sido
companheira das famílias perseguidas por questões religiosas e afligidas pela
guerra civil.
Nossa Senhora
companheira na perseguição
O Santuário de
Nossa Senhora de Madhu está situado na cidade de Madhu, que fica a 250 quilômetros
ao norte da capital, Colombo. A região é habitada sobretudo pelo povo tâmil. O
santuário faz parte da diocese de Mannar, formada por 34 paróquias servidas por
55 sacerdotes.
As origens do
Santuário de Nossa Senhora de Madhu remontam a 1544. Nesse ano, o rei Jaffna
mandou massacrar 600 cristãos de Mannar. Eram o fruto da ação evangelizadora
dos portugueses chegados, em 1505, à ilha de Ceilão (assim se chamava, na
época, o Sri Lanka). O monarca temia a expansão da influência portuguesa. Os
fiéis que conseguiram escapar à chacina erigiram no mato nas proximidades de
Madhu um pequeno lugar de oração. Ali erigiram a estátua de Nossa Senhora do
Bom Conselho.
Em 1583, os
cristãos sofreram nova perseguição. Os que se puderam proteger da fúria
construíram uma igreja em Mantai, na península de Jaffna, que foi casa da
estátua de Nossa Senhora de Madhu até meados do século XVII.
Em 1656, os
holandeses calvinistas que desembarcaram em Ceilão aliados ao monarca,
empreenderam uma violenta perseguição aos católicos. Durante catorze anos,
trinta famílias católicas foram de aldeia em aldeia à procura de refúgio,
levando consigo a estátua de Nossa Senhora e, em 1670, estabeleceram-na,
definitivamente, em Maruthamadhu, no lugar onde se ergue atualmente o
santuário. Outros católicos juntaram-se às vinte famílias. Entre eles havia uma
mulher portuguesa, chamada Helena, que providenciou a construção da primeira
igreja dedicada a Nossa Senhora de Madhu no interior da selva. A partir de
então, difundiu-se por toda a ilha a fama de Nossa Senhora de Madhu, como
curadora e protetora, em particular das mordeduras de serpentes.
A chegada ao
Ceilão, em 1687, de S. José Vaz, sacerdote nascido em Goa, então território
português, fez com que o catolicismo reflorescesse. E Madhu tornou-se, em 1706,
um centro missionário.
Em 1872 – mais de
trezentos anos depois da chacina dos primeiros cristãos de Madhu – foi colocada
a primeira pedra da atual igreja do santuário. O local tornou-se lugar de
oração respeitado e frequentado por fiéis católicos e também de outras
religiões do Sri Lanka, prestando respeitosos tributos à Mãe Maria. O Vaticano
reconheceu o seu valor e, em 1924, a estátua da Virgem de Madhu foi coroada
pelo legado pontifício em nome do Papa Pio XI e, em 1944, a igreja foi
consagrada.
Nossa Senhora refúgio
na guerra
Durante a guerra
civil do Sri Lanka – de 1983 a 2009 –, a zona do santuário não foi poupada aos
combates entre os rebeldes tâmiles e as forças governamentais. Mas os bispos do
país conseguiram fazer de Madhu uma zona desmilitarizada, garantindo a
segurança dos peregrinos e dos numerosos refugiados que acorreram a essa área,
fugindo da guerra. Com efeito, a partir de 1990, os 160 hectares dos terrenos
do santuário acolheram milhares de deslocados, convertendo-se em campo de
refugiados, reconhecido como tal pelas partes em conflito. No entanto, isso não
impediu os massacres ocorridos ali, como o de Novembro de 1999.
Ao longo de 2001,
a imagem de Nossa Senhora de Madhu foi levada em peregrinação a todos os cantos
do país. Foi uma peregrinação penitencial. Três anos depois, começaram as
negociações de paz que se concluíram em 2009, com a paz definitiva. Por isso,
os Cingaleses vêem em Nossa Senhora de Madhu um símbolo de paz.
As peregrinações
A festa oficial de
Nossa Senhora de Madhu é a 2 de Julho. Todavia, a celebração que atrai mais
multidões é a Festa da Assunção a 15 de Agosto. Nesta data, a imagem é levada
em procissão. E nesta prática evoca-se uma crença nascida durante a guerra
civil. Dizia o povo que se a coroa de Nossa Senhora de Madhu caísse durante a
procissão, isso significaria que a luta iria continuar.
Há uma série de
outras lendas associadas ao santuário de Madhu, sobretudo relacionadas com as
serpentes. Diz-se que, quando S. José Vaz chegou a Madhu, as cobras fugiram da
área, retornando somente quando Nossa Senhora foi levada para longe, por razões
de segurança, durante a guerra civil. E que, quando Nossa Senhora de Madhu
regressou, as cobras foram expulsas mais uma vez.
Na entrada da
igreja, num grande letreiro está escrito «ave-maria» em português, cingalês e
tâmil. No espaço circundante da igreja existe uma via-sacra.
No interior da
igreja, os peregrinos, de pé ou de joelhos, aproximam-se de Nossa Senhora,
apresentam-lhe as suas intenções e oferecem-lhe flores – uma prática também
característica do culto em templos budistas e hindus.
No piso abre-se um
poço no local onde S. José Vaz celebrou missa. São-lhe atribuídas propriedades
curativas, e as suas águas são usadas, principalmente, como antídoto para as
mordeduras de serpentes. Outras tradições relacionadas com o terreno do
santuário de Madhu são misturar porções do solo com o cimento das fundações das
casas católicas, ou dissolver terra na água que os peregrinos tomam.
Ao longo do ano,
os peregrinos vão, habitualmente, por vários dias, e ficam hospedados em
albergues especialmente reservados para eles. Nas peregrinações, o álcool é
proibido, assim como as danças e qualquer tipo de convívio popular. Os
peregrinos costumam adquirir medalhas, escapulários e imagens de Nossa Senhora
de Madhu, que um padre abençoa.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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