quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

CIMBRA - Conferência de Intercâmbio Monástico do Brasil

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  * Este artigo, da Madre Vera Lúcia Parreiras Horta, OSB,
faz parte do Boletim AIM nº 100

‘Para compreender a CIMBRA é preciso olhar o mundo monástico do Brasil em sua formação histórica e no contexto da Igreja do pós-Vaticano II. Um ano depois de os Abades beneditinos reunidos em Roma elaborarem a ‘Síntese  de Princípios da Vida Monástica Beneditina’, um grupo pioneiro de superiores beneditinos ousou transpor os limites de seus Mosteiros e comunidades e reuniu-se pela primeira vez, em São Paulo, no Mosteiro de São Geraldo, dos monges beneditinos húngaros. No grupo estava uma Abadessa do Nordeste, Madre Mectildes Villaça Castro, OSB, o que causou impacto, pela distância percorrida e pelos conceitos da época em relação à clausura das monjas. Foi a inauguração do que mais tarde se chamou CIMBRA (‘Conferência de Intercâmbio Monástico do Brasil’). Reunia comunidades de diferentes famílias monásticas presentes no país, desde a mais antiga implantação beneditina no continente americano em 1582, a Congregação Beneditina do Brasil, restaurada no século XIX pela Congregação de Beuron, até as de origem mais recente. O Brasil contava também com a presença monástica cisterciense, Mosteiros de monges e monjas de diversas origens, a saber, Itália, Áustria e Alemanha, alguns reunidos na Congregação Brasileira da Santa Cruz. Congregações missionárias femininas, como a das Beneditinas Missionárias de Tutzing, chegaram ao país em 1903 e muito se desenvolveram, formando hoje dois Priorados. As monjas beneditinas, após receberem sua formação na Abadia de Stanbrook, Inglaterra, chegaram em 1911.
Ao grupo pioneiro uniram-se novas comunidades monásticas, após o Concílio Vaticano II, quando Congregações européias e norte-americanas fizeram fundações em nosso país. Assim, a Congregação Americano-Cassinense, a Congregação Húngara – esta vinda pouco antes da II Guerra Mundial – a Congregação Olivetana, a Congregação Valumbosana e, mais tarde, a nova implantação dos monges camaldulenses. Algumas destas famílias monásticas contavam com a presença de comunidades femininas. As monjas receberam novo influxo com a chegada ao sul do país da Congregação da Rainha dos Apóstolos, fundando o Mosteiro do Encontro, em Curitiba, em cujas proximidades já estavam os monges beneditinos franceses de Tournay. Mais recentemente, o Mosteiro do Encontro fundou um Priorado na Amazônia, presença pioneira na região, seguida por duas comunidades de monjas da Congregação Brasileira. Hoje o Brasil conta ainda com a presença dos trapistas e trapistinas, de Mosteiros que integram a Congregação de Subiaco, de comunidades de Irmãs Beneditinas originárias da Itália, Polônia, Áustria e Estados Unidos, bem como de Mosteiros diocesanos. A variedade de presença que se estende por todo país, com uma concentração maior no sul e leste do Brasil, tem na CIMBRA o espaço de encontro que une a todos em fraternidade.
Em seus primeiros anos, tratava-se de duas tarefas : aproximar as comunidades presentes no país para além das fronteiras de suas próprias Congregações e realizar o ‘aggionarnamento’ pedido pelo Concílio. O impacto dos documentos promulgados, junto à produção das conferências episcopais latino-americanas, como a de Medellín, levantaram a questão do ‘Como compreender a presença monástica neste novo contexto eclesial e latino-americano?’. Neste momento em que a própria Igreja procurava compreender-se a si mesma e à sua missão frente a novos desafios, também a vida monástica o procurou. Era necessário ainda elaborar uma organização interna para o grupo que surgia. De 1967 a 1974, realizaram-se encontros anuais, sediados nos Mosteiros do Morumbi (São Paulo) ou do Rio de Janeiro, sendo que a partir do terceiro destes encontros, escolhe-se um tema de reflexão. Eis alguns :
v A oração na vida do monge
v O monge face ao mundo
v Juventude e Formação Monástica
Os primeiros tempos foram marcados por muitas tensões provocadas por pontos de vista às vezes conflitantes, bem como a perspectiva ou não de se formar uma Congregação Brasileira em que todas as famílias monásticas se reunissem, caminho seguido pelas comunidades do ‘Cono Sur’, mas que não se mostrou adequado ao Brasil.
Para coordernar a CIMBRA formaram-se Diretorias, com grande apoio da Congregação Beneditina do Brasil e da Congregação Húngara (Mosteiro de São Geraldo, no Bairro do Morumbi, em São Paulo). Constantes colaboradoras foram as comunidades de ‘Vita et Pax’, das Monjas Olivetanas, dentre elas a figura de Madre Clara Hermans, e as Beneditinas Missionárias de Tutzing. Desta primeira época da CIMBRA notamos a edição dos ‘Cadernos Beneditinos’, as atividades das Comissões de Liturgia e Canto, com a edição das Fichas de Leituras Patrísticas e de outros autores, que enriqueceram o Ofício das Vigílias. Houve ainda iniciativas para a atualização do Ofício Divino, conforme as novas orientações o ‘Thesaurus Liturgiae Horarum Monasticae’, um fato no mundo monástico em geral. Desta época datam ainda os primeiros Anuários Beneditinos e Cistercienses do Brasil, o Centro de Informação Monástica, Boletim Litúrgico, Boletim Informativo e início dos trabalhos de tradução das fontes monásticas. Houve ainda ajuda para despesas de viagens para encontros e doação de livros. Até chegar à presente organização, a CIMBRA contou com um Estatuto mais simples. A composição da Diretoria foi gradualmente fixada em um presidente e seis conselheiros, sendo três homens e três mulheres. Além do equilíbrio masculino e feminino, observa-se a representatividade das famílias monásticas do Brasil.
O dia 17 de novembro de 2009 marcou a existência da CIMBRA como pessoa jurídica, civilmente reconhecida. Em uma assembléia cheia de alegria, os participantes aprovaram unanimemente o novo Estatuto, selo do caminho iniciado a 31 de agosto de 1967, nos tempos pós conciliares. Sim, em 2017, a CIMBRA completárá seus 50 anos de vida!
Constam como finalidades da CIMBRA :
v Promover e coordenar a aproximação e as relações entre as Comunidades Religiosas dos ramos masculino e feminino do Brasil, regidas pela Regra de São Bento e por suas respectivas Constituições.
v Promover, organizar e realizar cursos, conferências, congressos, seminárias, debates, propiciando o estudo dos assuntos monásticos buscando estabelecer uma colaboração eficaz entre os seus membros.
v Promover o intercâmbio com entidades congêneres. 
Dentre os Presidentes da CIMBRA, houve figuras marcantes no seu desenvolvimento, como Dom Basílio Penido, OSB, Dom Leo Rothrauf, OSB, Dom Paulo Rocha, OSB, Dom Ernesto Linka, OSB, representantes dos monges brasileiros, húngaros e dos mais recentes no país, os americano-cassinenses. As últimas Diretorias foram presididas por Dom Edmilson Amadeu Caetano, O.Cist., hoje Bispo de Barretos, SP, e por Dom Bernardo Bonowitz, OCSO. Membro constante destas Diretorias, Dom Joaquim de Arruda Zamith, OSB, Abade emérito do Mosteiro de São Bento de São Paulo e ex-Abade presidente da Congregação Beneditina do Brasil, residindo hoje na comunidade do Mosteiro de São Bento de Vinhedo, SP, muito contribuiu para o desenvolvimento dos estudos monásticos. Dom Leo Rothrauf, ao visitar grande número de comunidades, preparou o terreno para a realização da primeira CIMBRA JOVEM em 1976. Dom Paulo Rocha teve notável atuação nas publicações da CIMBRA. Graças à ajuda de Dom Timóteo Amoroso Anastácio, OSB, profundo conhecedor das línguas latina e grega, traduziram-se para o português as ‘Instituições Cenobíticas’ e as ‘Conferências’ de Cassiano, diversas ‘Vidas dos Pais’ do monarquismo, e outras fontes monásticas. A importância do estudo destas fontes para a compreensão da Regra de São Bento ficou evidente nos cursos com Irmã Aquinata Bockmann, OSB, e Dom Adalbert de Vogué, OSB, a partir de 1981, vindos a convite de Dom Inácio Barbosa Accioly, OSB, Abade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, e abertos à CIMBRA. Graças à personalidade marcante destes irmãos, aliada ao dom pessoal de cada um, a CIMBRA obteve uma estabilidade em nosso meio. Seus encontros constituíram-se em espaço de reflexão, de produção monástica própria, material ainda hoje utilizado.
O ano de 1972 traz a grande novidade : o primeiro Encontro Monástico Latino-americano, hoje chamado EMLA. Realizado no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, teve como tema ‘A Vida Monástica, hoje, na América Latina’. Primeiro passo no congregar as famílias monásticas das três Américas, os EMLAs tornaram-se periódicos, gradualmente organizados na estrutura que se chama UMLA : União Monástica Latino-Americana. Dela fazem partes as três organizações monásticas do continente latino-americano : ABECCA, CIMBRA E CONO SUR, que hoje possui um pequeno Estatuto. Os EMLAs realizam-se com uma periodicidade de quatro anos, cada vez em uma das três regiões mencionadas. Hoje o mundo monástico latino-americano conhece seu rosto, e é unido por fortes laços de fraternidade e mútua ajuda.
O ano de 1976 marcou o início dos encontros de formandos, realizado no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, e teve como tema ‘A Comunidade Beneditina a Serviço da Igreja’. As assim chamadas CIMBRAS JOVENS tornaram-se uma tradição, realizadas a cada dois anos, desde então sem interrupção, sob a forma de Semanas de Estudo. Uma equipe liderada por Imã Úrsula Worringen, OSB, Madre Teresa Paula Perdigão, OSB e Madre Abadessa Paula Iglésias, OSB, reunindo ainda outros colaboradores, marcou gerações pelo aprofundamento da vida monástica e a criação de laços de amizade que se estendem por toda a vida. Recentemente realizou-se uma CIMBRA JOVEM em três etapas anuais, como Curso de Patrologia.
Em 1979 a CIMBRA estendeu novamente sua atividade para o campo da Liturgia, desta vez com a realização das Semanas de Música Sacra. Reunidos nestes encontros, monges e monjas mais preparados neste campo, com a colaboração de profissionais da área, abordaram o estudo do Canto Gregoriano e da música em geral e deram início à criação de repertório em vernáculo para o Ofício Divino e Missa. A colaboração de Dom João Evangelista Enout, OSB, no Canto Gregoriano, entre outros, bem como a de Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB, na música vernácula, foram marcantes.
Os encontros dos professos perpétuos, com temas variados, as chamadas Assembléias a cada dois anos, são o espaço normal onde a CIMBRA respira e continua a se irradiar. Ora focalizando temas como a Oração, o Trabalho, a Saúde, momentos fortes do monaquismo como o XV Centenário do Nascimento de São Bento, ora trazendo para a realidade monástica os passos da Igreja na América Latina, após cada Conferência Episcopal como as de Santo Domingo, Puebla e Aparecida, a CIMBRA procura exercer o papel de animadora da vida monástica no país, como órgão interlocutor do contínuo caminhar, esperando cumprir nosso papel relendo a história, mergulhando em suas raízes e com o olhar no futuro a ser construído. A última realização da CIMBRA é a ‘Escola do Serviço do Senhor’, um programa para Formadores em duas etapas anuais, de vinte dias cada uma. Com estas e outras iniciativas, a CIMBRA, atenta aos movimentos monásticos do momento nas diversas famílias ligadas pela Regra de São Bento, constitui uma das muitas constelações que enriquecem o HOJE do mundo monástico e pelos quais somos todos gratos.
A CIMBRA dispõe do website www.cimbramonastica.org.br. Nele podem ser obtidas maiores informações sobre sua história e atividades.’              


Fonte :
*Madre Vera Lúcia Parreiras Horta, OSB, 
  Abadessa do Mosteiro do Salvador 
(www.mosteirodosalvador.org.br), em Salvador, Bahia e Presidente da CIMBRA desde 2009.

Boletim AIM, nº 100, editado pela Aliança Inter-Monástica em 2011, é um boletim internacional a serviço das comunidades monásticas de tradição beneditina. 

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