*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista
e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas
como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé
As
alianças entre o romano pontífice e os soberanos, representaram, ao longo dos
séculos, a tentativa desse líder religioso de garantir prestígio e proteção
para o seu território - legitimamente conquistado na visão dos contemporâneos
medievais. Ademais, é importante saber diferenciar o papa medieval do papa
renascentista, este último consolidado como príncipe do estado pontifício com
as prerrogativas de um soberano europeu: o líder de um dos cinco principados
italianos.
O
famoso episódio do ‘soco de Anagni’,
ocorrido em 1303 - quando Bonifácio VIII levara um golpe do chefe das tropas
enviadas por Filipe IV (o Belo) à cidade de Anagni, na Itália, foi a resposta
dada ao pontífice que tentou reafirmar a sua hegemonia diante do rei francês
através da bula Unam Sanctam. Essa, sem dúvida, foi uma das maiores
humilhações públicas vividas por um romano pontífice. De acordo com
historiadores, esse ‘choque diplomático’
foi um dos episódios que impulsionou a transferência do sucessor de Bonifácio
VIII a Avinhão, no Sul da França, justamente para ‘consertar’ essa ruptura entre o papado e o reino mais poderoso da
época. Para não citar o famoso Cisma do Ocidente, fruto de uma
crise clerical que colocara a autoridade do concílio ecumênico acima da
autoridade do sucessor de Pedro entre os séculos XIV e XV.
Além
disso, atribuem à idade média - considerada a época da consolidação do
universalismo cristão - o surgimento de um líder religioso implacável, o maior
proprietário de terras do período e um soberano respeitado por todos. O que,
nem de longe, aconteceu, já que foi só no renascimento que o líder máximo da
Igreja Católica foi capaz disputar com os demais estados em formação, apesar de
ser proprietário de um complexo territorial nanico, se comparado aos demais.
‘Na idade áurea do papado medieval, o domínio
temporal não é protagonista, bem como é quase completamente ausente nas grandes
discussões sobre as fontes do direito e do poder, seja na elaboração das
grandes coleções canonistas, seja na vida cotidiana das instituições. O olhar
se volta mais ao horizonte universal, às relações com o império e com as
unidades estatais emergentes’, disse o historiador
italiano Paolo Prodi, autor do livro Il sovrano pontefice.
No
livro, o estudioso também explica que o estado pontifício -, que começa a
formar-se e a assumir uma autonomia territorial e política dentro do quadro
político europeu somente em meados do século XV -, foi, sem dúvida, o protótipo
do estado moderno.
‘A Igreja romana introduziu no Ocidente a
primeira hierarquia de tribunais com leis escritas e procedimentos uniformes;
racionalizou o sistema de imposição das taxas; criou o primeiro ‘ministério das
relações exteriores’, o primeiro corpo diplomático e o primeiro exército
mercenário estável. [...] Os estados também herdam do papado a auctoritas docendi, tornando-se
protagonistas totais além do raio de ação tradicional’, afirmou o
historiador.
O
papado de Pio IX foi o último suspiro para manter a figura do papa-rei : a
proclamação do dogma da infalibilidade papal acontece após a queda do estado
pontifício, em 1870. Com os altos e baixos, o papado ainda é uma das
instituições com maior credibilidade no mundo, contanto com 266 sumos
pontífices ao longo de sua história.
É
importante suscitar esse tipo de debate em um período no qual Papa Francisco
não somente resignifica o papado, mas evoca a autoridade espiritual do mesmo
que foi perdida ao longo dos séculos. Com uma estratégia diplomática ímpar, Francisco
- que em sua primeira aparição pública preferiu utilizar o título ‘bispo de Roma’ - baixa a guarda não
visando enfraquecer o papado, mas para fazer sobressair a sua liderança
enquanto agente conciliador : a principal missão do pontífice desde que o Concílio
Vaticano II lançou-se em diálogo com o mundo.’
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