*Artigo do Padre Vitor Galdino Feller
‘A palavra tríduo significa o espaço de três dias consecutivos. Carrega normalmente a idéia de preparação. Falamos de Tríduo Vocacional em preparação a uma ordenação diaconal ou presbiteral. Falamos de Tríduo Preparatório para a festa do padroeiro. Para muitos cristãos, Tríduo Pascal seria o conjunto dos três dias que antecedem e preparam a Páscoa. Teríamos então os três dias da Quinta-feira santa, da Sexta-feira santa e do Sábado santo, para preparar o Domingo da Páscoa. Mas não é esse o entendimento da liturgia da Igreja. Pois, Tríduo Pascal não é preparação; já é celebração festiva da Páscoa do Senhor. Tríduo Pascal é o centro de toda a liturgia da Igreja e, por isso, de toda a vida cristã. É a fonte de onde brota e o ápice para onde se encaminha todo o mistério de nossa vida pessoal e comunitária.
A Igreja entende por Tríduo Pascal os três dias em que se celebra a Páscoa, isto é, a passagem de Cristo, da morte para a vida, da cruz para a glória. Por isso, já se celebra a Páscoa quando se celebra a morte. Pois não há ressurreição sem morte, não há alegria sem sofrimento. A Páscoa (do hebraico pessach) envolve três momentos : o ponto inicial – a morte; o ponto intermediário – a sepultura; o ponto final – a ressurreição. O Tríduo Pascal começa na celebração da Missa da Ceia do Senhor, na Quinta-feira santa à noite, e termina com o Ofício das Vésperas, no Domingo de Páscoa à tarde. Para entender que há três dias nesse espaço, é preciso contar os dias do mesmo modo que os judeus : de um pôr-do-sol a outro. Assim, temos : o primeiro dia, que vai de Quinta à noite até Sexta no final da tarde: é o dia da morte; o segundo dia, de Sexta à noite até Sábado no final da tarde: é o dia da sepultura, da ausência; o terceiro dia, de Sábado à noite até Domingo no final da tarde : é o dia da ressurreição. Portanto, não são três dias preparatórios e um dia de celebração. Mas, três dias de celebração da Páscoa, em três momentos significativos : a morte, a ausência, a ressurreição!
O primeiro dia : a morte
Não existe ressurreição sem morte. O Cristo vivo, glorioso, ressuscitado, não é um fantasma, uma idéia, uma teoria. É alguém vivo, concreto. É aquele que morreu, que amou até o fim, que foi fiel e obediente ao Pai no projeto de um Reino de vida para todos, a começar com aqueles que são excluídos. O ressuscitado é o crucificado. Por isso, já se celebra a Páscoa, quando se faz memória da morte de Jesus. Também porque aquele que morre não é uma vítima qualquer. Mas é o Senhor da vida, o Senhor que dá a vida.
O primeiro dia começa com a Missa da Ceia do Senhor. A Quaresma vai até Quinta-feira santa à tarde. À noite, começa a Páscoa, com a celebração desses momentos tão significativos do final da vida de Jesus : a ceia de despedida, o lava-pés, as três instituições, do mandamento novo do amor e dos sacramentos da Eucaristia e do Sacerdócio. Celebra-se a entrega de Jesus, sua humilhação e rebaixamento. Pois não há verdadeiro amor sem humildade, sem doação e entrega de si. No ritual desses momentos celebramos a morte de Jesus na forma de entrega, como de um Amigo que se deixa em sacramento de partilha, um Mestre que continua na pequenez do pão comido e do vinho bebido, um Cordeiro que se deixa levar ao matadouro, um Salvador que se deixa trair.
Esse primeiro dia continua pela noite afora, com a memória da traição de Judas, da agonia no Horto, da prisão, da condenação diante do Sinédrio e de Pilatos. E termina na tarde de Sexta-feira, com a Celebração da Paixão do Senhor, quando se recorda a crucifixão, as últimas palavras e o último suspiro de Jesus, quando ele já nos entrega o Espírito Santo. Faz-se a leitura do Servo Sofredor, lê-se o Evangelho de sua Paixão e Morte, adora-se a sua Cruz, recebe-se o sacramento de seu Sacrifício redentor.
Nesse dia, além da Missa da Ceia e da Celebração da Paixão, não há nenhuma celebração litúrgica : missas, batismos, casamentos etc. As manifestações da religiosidade popular, como vias-sacras, caminhadas com a cruz, etc., expressam e dramatizam, na oração e no silêncio, a dor pela morte do Senhor.
O segundo dia : a ausência
A passagem da morte para a vida implica uma ausência. No segundo dia do Tríduo Pascal, que vai de Sexta à noite até Sábado no final da tarde, a Igreja celebra a sepultura de Jesus, a ausência de seu Amigo, a ida do Senhor à mansão dos mortos. É dia de silêncio e recolhimento, para recordar a quênose máxima do Senhor, isto é, seu rebaixamento e humilhação até a morte.
Nesse dia, também não há nenhuma celebração litúrgica : missas, batismos, casamentos etc. As igrejas permanecem fechadas, em sinal de luto. Na noite de Sexta-feira, quando começa esse segundo dia, a religiosidade popular costuma expressar a dor cristã, através da Procissão do Senhor morto e do Encontro com Nossa Senhora das Dores. É um modo simples e profundo de acompanhar o Filho de Deus em sua ida à mansão dos mortos, e sua Mãe Desolada na alegria contida pela vitória de Deus sobre o maior inimigo do ser humano, a morte!
O terceiro dia : a ressurreição
Com a celebração da Vigília Pascal, na noite de Sábado santo, começa o terceiro dia, o dia da glória, da luz, da vida, da ressurreição. O Senhor vence o poder da morte. Ele ressuscita glorioso sobre o poder do mal. Ele paga o mal com o bem, o ódio com o amor, a vingança com o perdão. Com isso, propõe uma reviravolta em nosso modo de pensar e agir. Chama-nos a fazer, também nós, a passagem: do pecado para a graça, do egoísmo para a comunhão, da indiferença para a solidariedade, da escravidão dos vícios para a liberdade da virtude cristã.
Com a Missa da Vigília Pascal, na noite de Sábado, e as missas do Domingo de Páscoa, a Igreja celebra a vida em abundância que jorra do sacrifício redentor de Cristo. Na Liturgia da Luz, com a bênção do Fogo Novo e a procissão do Círio Pascal, caminhamos nas trevas seguindo o Cristo, a nuvem luminosa de nossa salvação. Na Liturgia da Palavra, ouvimos as leituras da história da salvação, como alguém que do final do túnel olha para trás e vê que todo o passado ganha uma nova compreensão. Na Liturgia Batismal, festejamos nosso batismo, quando morremos para o pecado e ressuscitamos para a vida nova de filhos de Deus. Na Liturgia Eucarística, fazemos memória do mistério pascal, isto é, da morte e da ressurreição do Senhor.
Depois, durante todo o ano, em cada domingo, em cada missa e em qualquer outro sacramento, voltamos sempre ao Tríduo Pascal. E gritamos vitoriosos : ‘O Senhor morreu, o Senhor ressuscitou, o Senhor vem!’’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.catedralsaojose.org.br/catedral2011/reflexao/1907-o-triduo-pascal.html
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