terça-feira, 23 de abril de 2019

O que a Páscoa nos ensina

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Os cristãos devem ruminar sobre o mistério pascal, iluminando a própria vida pela libertação anunciada e oferecida por Jesus, o cordeiro de Deus, na sua morte e ressurreição.
*Artigo de Tânia da Silva Mayer,
teóloga



O primeiro ponto que retomamos é a responsabilidade sobre a morte de Jesus. Os evangelhos afirmam que as autoridades judaicas procuravam uma maneira de matá-lo (cf. Jo 7,30). E isso se dava em decorrência dos ensinamentos públicos de Jesus aos seus seguidores e às multidões (cf. Lc 4,29). A pregação e a postura de Jesus eram desconfortáveis para as lideranças religiosas porque não constituíam um conjunto de normas, doutrinas ou ritos, mas exercício radical de amor ao próximo e a Deus. Essa vivência antecipada da Lei de Moisés libertava a própria Lei das amarras conservadoras da religião, o que colocava em questão o poder dos líderes religiosos e o modo como conduziam a vida de fé dos adeptos ao judaísmo. Não sem razões, Jesus é categórico ao afirmar a responsabilidade maior que os sumos sacerdotes judeus carregam por entrega-lo às autoridades romanas para ser crucificado. No tribunal de Pilatos, não isentando a culpa deste, ele afirma : ‘quem a ti me entregou tem maior pecado’ (Jo 19,11). Diante do exposto, é preciso recordar sempre que as religiões, embora falem de divindades e proponham transcendências, podem se tornar sistemas articulados de repressão, condenação, tortura e morte, sobretudo daquelas pessoas que escancaram suas arbitrariedades e desconformidades com a mensagem que a motivou nas origens. Também deveríamos nos perguntar hoje se nós, os cristãos e as cristãs, estaríamos no grupo dos que pedem a morte de Jesus ou das mulheres que o seguem até o fim.

E por falar nas mulheres, que lição elas nos deixam pela postura que cultivaram durantes esses acontecimentos. Os evangelistas são precisos ao indicar a fuga e o abandono, a traição e a negação dos discípulos quando o Mestre é preso pelos judeus. Eles também não se esquivam de nos contar que as mulheres que haviam seguido Jesus permaneceram com ele acompanhando distantes tudo; ora secando o rosto ensanguentado com uma toalha, ora chorando a dor e a injustiça, ora intervindas em sua defesa, ora firmes aos pés da cruz, ora preparando perfumes para a limpeza do corpo morto de Jesus. E para mostrar que tudo isso lhes dizia respeito, testemunham a pedra movida da entrada do túmulo, escutam a palavra mais forte que o grito das multidões cheias de ódio : ‘Não está aqui, ressuscitou!’ e rompem com o silêncio da injustiça e da morte : ‘Ao voltarem do túmulo, anunciaram tudo isso aos Onze, bem como a todos os outros’ (Lc 24,9). No tempo de Jesus as mulheres eram consideradas menores e menos importantes que os homens. Deus as escolhe para serem testemunhas fiéis de tudo. Elas não arredam o pé e levam essa missão até o fim. Ainda hoje nós mulheres sofremos muitas exclusões e segregações, inclusive dentro das religiões. Deus nos ensina que não deveria ser assim. Nossa força, a força de todas nós mulheres juntas anima nossa esperança e reaviva a certeza de que estamos do lado certo da história : precisamente, aquele que não exclui, não segrega e não mata.

E por falar em morte e nos sinais que ela insiste em marcar nas realidades todas do mundo, podemos dizer que ela alcançou um tríplice significado em Jesus Cristo. E os padres antigos não se autocensuraram ao dizer que uma Pessoa da Trindade morreu na cruz. O fato é que a morte de Jesus é morte da sua existência que confirma a precariedade da nossa humanidade finita. Também essa morte é morte planejada (por inveja?), tramada nos corações corrompidos pelo ódio e pela maldade : trata-se de um assassinato. Símbolo da injustiça e da idolatria dos homens, interrupção de uma vida que jamais deveria acabar assim. Mas a morte de Jesus é também doação : ‘Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente’ (Jo 10,18). Só é capaz de dar a vida livremente quem é capaz de amar, de amar até o fim (cf. Jo 13,1). E o amor é mais forte que a morte. Ele é capaz de vencer as expectativas do nada e produzir frutos. Precisamente, o amor é a realidade capaz de incluir, de reunir e formar vida comum. E a Páscoa de Jesus é evento de puro amor porque supera a morte e inclui todas as pessoas numa dinâmica de vida nunca antes ambicionada : plena e abundante.

Nosso mundo segue marcado pela dor, pelo ódio e pela violência. Mas a Páscoa de Jesus ensina que essas realidades precárias não têm força diante da alegria, da bondade e da paz. Por isso devemos acreditar que a mentira vai perder para a verdade, que a ganância vai perder para a solidariedade, que o ódio vai perder para o amor e a bondade e que a violência vai perder para a paz. Crer que todas essas transformações são possíveis é o salto que precisamos dar mesmo quando o tempo é de trevas. Que nossos rostos abatidos e desanimados sejam transfigurados pelo testemunho cristão que atravessa os séculos : a vida é mais forte, outro mundo é possível, haverá ressurreição.’


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