*Artigo
de Tânia da Silva Mayer,
teóloga
O
primeiro ponto que retomamos é a responsabilidade sobre a morte de Jesus. Os
evangelhos afirmam que as autoridades judaicas procuravam uma maneira de
matá-lo (cf. Jo 7,30). E isso se dava em decorrência dos ensinamentos públicos
de Jesus aos seus seguidores e às multidões (cf. Lc 4,29). A pregação e a
postura de Jesus eram desconfortáveis para as lideranças religiosas porque não
constituíam um conjunto de normas, doutrinas ou ritos, mas exercício radical de
amor ao próximo e a Deus. Essa vivência antecipada da Lei de Moisés libertava a
própria Lei das amarras conservadoras da religião, o que colocava em questão o
poder dos líderes religiosos e o modo como conduziam a vida de fé dos adeptos
ao judaísmo. Não sem razões, Jesus é categórico ao afirmar a responsabilidade
maior que os sumos sacerdotes judeus carregam por entrega-lo às autoridades
romanas para ser crucificado. No tribunal de Pilatos, não isentando a culpa
deste, ele afirma : ‘quem a ti me
entregou tem maior pecado’ (Jo 19,11). Diante do exposto, é preciso recordar
sempre que as religiões, embora falem de divindades e proponham
transcendências, podem se tornar sistemas articulados de repressão, condenação,
tortura e morte, sobretudo daquelas pessoas que escancaram suas arbitrariedades
e desconformidades com a mensagem que a motivou nas origens. Também deveríamos
nos perguntar hoje se nós, os cristãos e as cristãs, estaríamos no grupo dos
que pedem a morte de Jesus ou das mulheres que o seguem até o fim.
E
por falar nas mulheres, que lição elas nos deixam pela postura que cultivaram
durantes esses acontecimentos. Os evangelistas são precisos ao indicar a fuga e
o abandono, a traição e a negação dos discípulos quando o Mestre é preso pelos
judeus. Eles também não se esquivam de nos contar que as mulheres que haviam
seguido Jesus permaneceram com ele acompanhando distantes tudo; ora secando o
rosto ensanguentado com uma toalha, ora chorando a dor e a injustiça, ora
intervindas em sua defesa, ora firmes aos pés da cruz, ora preparando perfumes
para a limpeza do corpo morto de Jesus. E para mostrar que tudo isso lhes dizia
respeito, testemunham a pedra movida da entrada do túmulo, escutam a palavra
mais forte que o grito das multidões cheias de ódio : ‘Não está aqui, ressuscitou!’ e rompem com o silêncio da injustiça e
da morte : ‘Ao voltarem do túmulo,
anunciaram tudo isso aos Onze, bem como a todos os outros’ (Lc 24,9). No
tempo de Jesus as mulheres eram consideradas menores e menos importantes que os
homens. Deus as escolhe para serem testemunhas fiéis de tudo. Elas não arredam
o pé e levam essa missão até o fim. Ainda hoje nós mulheres sofremos muitas
exclusões e segregações, inclusive dentro das religiões. Deus nos ensina que
não deveria ser assim. Nossa força, a força de todas nós mulheres juntas anima
nossa esperança e reaviva a certeza de que estamos do lado certo da história :
precisamente, aquele que não exclui, não segrega e não mata.
E
por falar em morte e nos sinais que ela insiste em marcar nas realidades todas
do mundo, podemos dizer que ela alcançou um tríplice significado em Jesus
Cristo. E os padres antigos não se autocensuraram ao dizer que uma Pessoa da
Trindade morreu na cruz. O fato é que a morte de Jesus é morte da sua
existência que confirma a precariedade da nossa humanidade finita. Também essa
morte é morte planejada (por inveja?), tramada nos corações corrompidos pelo
ódio e pela maldade : trata-se de um assassinato. Símbolo da injustiça e da
idolatria dos homens, interrupção de uma vida que jamais deveria acabar assim.
Mas a morte de Jesus é também doação : ‘Ninguém
a tira de mim, mas eu a dou livremente’ (Jo 10,18). Só é capaz de dar a
vida livremente quem é capaz de amar, de amar até o fim (cf. Jo 13,1). E o amor
é mais forte que a morte. Ele é capaz de vencer as expectativas do nada e
produzir frutos. Precisamente, o amor é a realidade capaz de incluir, de reunir
e formar vida comum. E a Páscoa de Jesus é evento de puro amor porque supera a
morte e inclui todas as pessoas numa dinâmica de vida nunca antes ambicionada :
plena e abundante.
Nosso
mundo segue marcado pela dor, pelo ódio e pela violência. Mas a Páscoa de Jesus
ensina que essas realidades precárias não têm força diante da alegria, da
bondade e da paz. Por isso devemos acreditar que a mentira vai perder para a
verdade, que a ganância vai perder para a solidariedade, que o ódio vai perder
para o amor e a bondade e que a violência vai perder para a paz. Crer que todas
essas transformações são possíveis é o salto que precisamos dar mesmo quando o
tempo é de trevas. Que nossos rostos abatidos e desanimados sejam
transfigurados pelo testemunho cristão que atravessa os séculos : a vida é mais
forte, outro mundo é possível, haverá ressurreição.’
Fonte
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