segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Contemplação : uma nova fase de discernimento da vida religiosa

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Monica Clark, 
National Catholic Reporter (01-08-2011)
Tradução : Moisés Sbardelotto


Embora tenha sido publicado há algum tempo, este enfoque continua atualíssimo.



Quando mais de 600 irmãs se reunirem no sul da Califórnia entre os dias 9 e 12 de agosto para a assembleia anual da Leadership Conference of Women Religious, elas irão deixar de lado as discussões sobre planejamento estratégico e as conversas sobre fusões e consolidações. Não haverá oficinas sobre o recrutamento de novos membros ou sobre o financiamento da aposentadoria. Terão acabado os pequenos grupos de discussão que muitas vezes se seguem às conferências centrais em seus encontros nacionais.

Em vez disso, essas líderes das 334 congregações da Leadership Conference vão se sentar juntos em silêncio, descobrindo ao que Deus está convocando a vida religiosa hoje. Elas não terão nenhuma expectativa de uma percepção ou resultado particular. Em vez disso, vão passar seu tempo em contemplação coletiva para explorar para onde a vida religiosa nos Estados Unidos pode estar se movendo.

Sentimos que algo novo está surgindo’, disse a irmã de São José Carol Zinn, membro do comitê executivo da conferência, ‘mas nós certamente ainda não sabemos o que será’.

As irmãs esperam que esse processo contemplativo ‘nos abra para um lugar mais profundo dentro de nós mesmas’, para que ‘possamos criar com Deus o futuro que Deus pretende’, disse Marie McCarthy, irmã da Providência de Santa Maria dos Bosques e membro do Projeto de Vida Religiosa Contemporânea da Leadership Conference, que está liderando esse processo de contemplação de cinco anos.

Esse é um resultado de um apelo de agosto de 2000 da então presidente da conferência, a irmã do Imaculado Coração de Maria Nancy Sylvester, para que as religiosas entrassem em contemplação para ‘fomentar a transformação da vida religiosa’.

Em resposta, a conferência desenvolveu um processo que elas já usaram em suas reuniões regionais ao longo do ano passado. Mas a assembleia em Garden Grove, Califórnia, será a primeira vez em que todas as líderes das congregações membros irão participar do processo juntas.

Algumas poucas comunidades religiosas, incluindo as Irmãs da Providência e as Irmãs da Misericórdia, adotaram modelos contemplativos para os seus capítulos, e as responsáveis da Leadership Conference veem o fato de esse discernimento contemplativo ganhar força como o próximo passo decisivo na evolução da vida religiosa.

A irmã Pat Farrell, vice-presidente das Irmãs de São Francisco de Dubuque, Iowa, e presidente eleita da Leadership Conference, disse que os desafios que as comunidades enfrentam hoje, incluindo o fato de a idade média de seus membros ser de cerca de 75 anos e a diminuição das novas vocações, ajudou a impulsionar essa mudança para a contemplação.

Somos menos. É hora de dar espaço para as nossas percepções sobre quem somos e para ouvir atentamente ao que Deus está nos chamando a fazer agora’, disse.

A maioria das congregações dos EUA foram estabelecidas no século XIX por pequenos grupos de religiosas para servir às necessidades de saúde e de educação dos imigrantes. Elas construíram o sistema escolar católico do ensino básico até o superior e estabeleceram hospitais católicos em todo o país. Suas comunidades cresciam enquanto mais mulheres se uniam a elas nesses trabalhos apostólicos.

Depois do Concílio Vaticano II, seus ministérios foram ampliados para contemplar inúmeras outras preocupações pastorais e sociais. Hoje, as irmãs são advogadas e teólogas, cientistas e artistas, diretoras espirituais e capelães hospitalares, líderes de organizações sem fins lucrativos, defensoras dos imigrantes e assistentes sociais para os sem-teto e os encarcerados.

No entanto, com recursos humanos reduzidos e com mais recursos financeiros sendo dedicados ao cuidado dos membros mais frágeis e idosos, as comunidades reconhecem que é hora de analisar novamente quem elas são e o que elas são chamados a fazer.

O que está menos claro hoje, em comparação com o passado, é para onde precisamos ir em seguida’, disse Farrell.

O que torna este momento tão único, acrescentou, é que as congregações reconhecem que ‘é hora de tentar descobrir o nosso caminho para o futuro juntas’.

Essa solidariedade entre as religiosas, que cresce desde que a Leadership Conference of Women Religious começou em 1957, se fortaleceu enquanto as congregações trabalhavam colaborativamente ao longo dos últimos dois anos e meio anos para responder à visitação apostólica do Vaticano às comunidades religiosas femininas dos EUA.

Agora, elas estão sondando o seu futuro juntas e, ao longo desse processo, estão experimentando um ressurgimento da esperança, disse a irmã do Preciosíssimo Sangue Mary Whited, ex-presidente da conferência.

Contemplação coletiva

O processo contemplativo desenvolvido pela conferência parece simples à primeira vista – refletir em silêncio sobre os acontecimentos globais dos últimos dois anos e sobre como esses eventos moldam missão das religiosas dos EUA, considerar quais novas realidades podem estar surgindo e que respostas a essas realidades estão sendo pedidas, e depois compartilhar reciprocamente essas percepções em uma palavra ou frase.

A profundidade da experiência, no entanto, desmente a aparente simplicidade. É uma suspensão do pensamento racional ocidental, enquanto os participantes entram no que Zinn chama de ‘uma forma contemplativa de ver o que Deus vê’.

O resultado, segundo Whited, é um diálogo entre as participantes que ‘é muito mais profundo do que amplo, abrangendo a amplitude de movimento do Espírito’.

McCarthy disse que essa forma de contemplação, embora semelhante à Oração Centrante ou à meditação mindfulness (consciente ou conscienciosa), difere de duas formas : ela começa com um foco específico e termina com uma troca de percepções.

Compartilhar juntas a partir desse lugar de profundidade, sem um ponto final programado, é parte do poder da experiência. Há espaço para percebermos o ‘algo novo’ que o nosso Deus pode estar fazendo no meio de nós’.

Poucos dias depois de participar do processo durante o capítulo da sua comunidade, McCarthy atestou entusiasticamente o seu poder.

Houve, contou, uma nova forma de interagir, uma espécie de diálogo contemplativo em que as mulheres foram capazes de ‘ouvir umas às outras em nossas diferenças’, em vez de ficar presas na defesa de opiniões e ideias.

Fomos capazes de olhar novamente para tudo, de forma que possamos determinar o que precisa ser reposicionado para o bem da missão de Deus no mundo’.

Para essas Irmãs da Providência, esse reposicionamento irá incluir uma avaliação realista de todos os seus ministérios, em termos de sustentabilidade financeira e alinhamento com a missão central da congregação.

Se temos que nos deixar levar pelos ministérios ou ajustar estilos de vida, vamos fazê-lo’, disse McCarthy, porque há uma nova clareza e um compromisso renovado fluindo da contemplação comum.

Em um discurso para as Irmãs de São José de LaGrange, Illinois, em outubro passado, a autora e diretora espiritual Judy Cannato disse que uma postura contemplativa permite que os participantes fiquem ‘livres das garras do medo e entrem em um espaço centrado que nos permite ver com menos ansiedade e com mais clareza (Cannato, associada das Irmãs de São José, morreu no dia 7 de maio, aos 62 anos).

Esse processo contemplativo não tem a ver com a autoavaliação ou com o planejamento estratégico, embora ambos tenham papéis importantes a desempenhar na tomada de decisões, disse Whited. Ao contrário, ela precede e orienta as decisões ao ‘ir mais fundo para lidar com o que está por baixo das realidades e para olhar para o mistério’.

Ela vê esse processo contemplativo como o próximo passo no reexame da vida religiosa, que começou com o Concílio Vaticano II há 40 anos. ‘Agora é hora de parar e avaliar toda a transformação que aconteceu desde o Concílio Vaticano II e de determinar o que o Espírito está pedindo agora’.

Modelo para o mundo

Esse processo contemplativo, afirmam as irmãs, tem um potencial muito além das comunidades religiosas. Ela pode oferecer a indivíduos, instituições e entidades políticas uma nova forma de resolver as diferenças, mediante a colaboração e a paz, em vez da competição e do conflito. E pode ajudar as pessoas a permanecer em diálogo reciprocamente em meio a tais diferenças, para que possam forjar uma nova visão juntas.

Aprendemos muito ao longo dos anos sobre a gestão da diversidade e sobre a convivência com as polaridades’, disse Farrell. Essa sabedoria, juntamente com um acesso mais profundo ao Divino, poderia muito bem ser o dom singular que as religiosas podem oferecer à Igreja e ao mundo, afirmou.

McCarthy aponta também para o crescente interesse na meditação em todos os setores da sociedade norte-americana e acredita que esse é um sinal dos tempos, que acumula uma grande esperança para o futuro de todo o planeta. ‘Esse não é apenas um modismo da Nova Era, mas sim uma experiência real de abertura a um novo lugar’, disse.

Uma manifestação dessa mudança é o número crescente de leigos e leigas que estão se filiando às comunidades religiosas, não primariamente como apoiadores financeiros, mas sim como parceiros integrais na vivência da espiritualidade e da missão apostólica de uma comunidade.

Chamados de associados, afiliados ou companheiros, eles são imbuídos de um carisma específico de uma comunidade e exploram, junto às irmãs, novas formas de manifestar essa espiritualidade dentro de suas próprias vidas profissionais e pessoais.

Essas parcerias estendem o alcance ministerial das irmãs, mas também atraem mais e mais leigos e leigas para o processo de discernimento das comunidades.

Por exemplo, quando as Irmãs da Misericórdia realizaram o seu capítulo na St. Xavier University, em Chicago, no mês passado, junto com as 120 delegadas oficiais, havia 120 participantes não eleitos. Eles incluíam associados/as e companheiros/as, assim como irmãs. Tanto os delegados quanto os participantes se envolveram simultaneamente no processo de partilha da fé e de discernimento.

Foi um poderoso exemplo de uma nova forma de colaboração e de interdependência, disse a Ir. Joy Clough, delegada e ex-presidente da comunidade regional de Chicago das Irmãs da Misericórdia.

E acrescentou : ‘Ainda sabemos para onde a vida religiosa está se dirigindo em sua forma prática. Não se sabe como ela vai ser e funcionar em relação à Igreja e ao mundo’.

Os membros da Leadership Conference of Women Religious esperam, por meio do seu processo contemplativo, que uma nova visão dirigida pelo Espírito irá surgir.’


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