*Artigo
de Fenando Félix,
Jornalista
‘Chama-se
Nicolas. É católico. Vive em Belém, nos territórios da Palestina. Pelo sexto
ano consecutivo, vem a Lisboa em nome dos dois por cento de cristãos que ainda
vivem na terra onde Jesus Cristo nasceu. Na cidade de Belém, os cristãos já
foram maioria. Atualmente, são cerca de 12 500, numa população que ronda os 50
mil habitantes. E correm riscos gravíssimos de vida, uma vez que a maioria
muçulmana não lhes dá margem para ter voz na sociedade.
Em Lisboa, Nicolas
instala-se na Basílica dos Mártires e percorre outras paróquias da capital
portuguesa. Desde os primeiros dias de Novembro e até ao Natal, tem para vender
artesanato religioso produzido nas fábricas belenenses.
A cidade de Belém
vive do turismo, dos peregrinos. No Natal, recebe cerca de 70 mil. Contudo,
muita gente tem medo de ir lá, pois lê, escuta e vê o conflito entre Israel e a
Palestina e acha que é perigoso, que há bombas. Então, muitos cristãos, que
vivem do artesanato, de madeira de oliveira e madrepérola, tiveram de fechar as
suas fábricas e emigrar. Os que permanecem nas suas empresas mantêm a esperança
de sobreviver graças a outros cristãos que têm contatos em várias partes do
mundo, e levam com eles o artesanato dessas fábricas e vendem-no. É essa a vida
escolhida por Nicolas, que, nos restantes meses do ano, trabalha como guia
turístico. «Sem cristãos, os Lugares
Santos, com o decurso do tempo, tornar-se-ão apenas pedras e prédios»,
disse Nicolas em entrevista à Rádio Renascença, emissora católica portuguesa, e
acrescentou : «Prefiro ficar na minha
terra, porque sou um da minoria cristã que fica na Terra Santa e a Terra Santa
sem cristãos é um problema grande.»
O Natal na terra de
Jesus
Os cristãos de
Belém respeitam as celebrações muçulmanas, como o Ramadã ou o Eid-al-Adha, a
festa do sacrifício, em memória da sepultura de Abraão. Por sua vez, há dois
anos, a autoridade muçulmana colocou uma árvore de Natal na praça da
Manjedoura, e deu um pouco mais de vida e de calor à capital mundial do Natal,
com mais decoração e mais luzes. Nos dias 24 e 25 de Dezembro, os cristãos
mantêm a tradição de estar em família e, juntos, vão às missas na Igreja de
Santa Catarina. Todavia, diminuindo a presença cristã, a tradição, as
decorações, o ambiente da época perde-se um pouco a cada ano que passa.
Um dos espaços
principais das celebrações, assim como das peregrinações a Belém, é a Basílica
da Natividade. A igreja primitiva foi construída no século IV, por ordem do
imperador Constantino, sobre a gruta onde Jesus nasceu. No século VI, foi
substituída por outro templo de maior dimensão. O lugar exato onde Cristo terá
nascido está assinalado com uma estrela e com quinze lamparinas, seis com os
traços da Igreja Ortodoxa grega, cinco com as marcas da Igreja Apostólica
arménia e quatro com sinais da Igreja Católica. Na noite do dia 24, acontece
ali um ciclo litúrgico que dura até quase ser dia. Há muitas luzes, orações,
estrelas e a consciência de estarem estrangulados pelo muro de cimento erguido
por Israel invocando razões de segurança. O artista gráfico Banksy, da
Grã-Bretanha, representa eloquentemente este sentimento no seu grafite
desenhado a dois passos do posto de controlo da estrada para Jerusalém. A
mensagem é : «Jesus não poderia ter
nascido na cidade palestina de Belém nos dias atuais por causa do bloqueio
israelita.» No grafite, José e Maria – sentada no burro – vêem interrompido
o seu caminho pelo muro.
Museu de Belém e
fábricas
Nas cercanias dos
Lugares Santos de Belém estão situados os dois guardiães das tradições cristãs
pela arte : o Holy Land Arts Museum (Museu de Artes da Terra Santa) e as
fábricas familiares de artigos religiosos.
Joseph Giacaman,
sua irmã Angela e seus filhos Elias e Pedro são uma das mais antigas famílias
cristãs em Belém. Têm uma fábrica que trabalha peças de madeira de oliveira e
de madrepérola. E vendem numa loja situada no museu. Foi Elias I. Giacaman, pai
de Joseph, que criou a firma em 1925.
Produzem
representações do presépio que se mantêm fiéis à imaginada por São Francisco de
Assis e popularizada pelo mundo, com José, Maria e o Menino na gruta, os
camelos e os magos, os anjos, as estrelas. Contudo, fabricam outras mais
elaboradas, que podem ser um autêntico manual de catequese, representando em diferentes
pisos ou planos as diferentes cenas ligadas ao Natal de Jesus, como a viagem
até Belém, o anúncio dos anjos aos pastores, o nascimento, a fuga. E há, ainda,
as representações modernas, em que, à representação tradicional, acrescentam
elementos atuais, como uma torre de vigia com soldados, por exemplo. As peças
mais elaboradas, porque ficam mais caras, são feitas apenas por encomenda. «A maioria dos clientes são estrangeiros –
jornalistas, agentes humanitários e diplomatas – com sede em Jerusalém, ou
turistas, ou que compram do estrangeiro», conta Joseph. Os membros das
fábricas familiares, muitas vezes, trabalham juntos em instalações pequenas,
produzindo a maioria das esculturas à mão. Quando concluídas, as peças de
madeira são envernizados e não precisam de outros cuidados.
A família
Giacaman, como a generalidade dos escultores de madeira em Belém, compram a
matéria a agricultores de toda a Cisjordânia. Possuíam terrenos agrícolas, mas
agora ficam do outro lado do muro.
As oliveiras são
essenciais na região, para combater o clima desértico. E requerem muitos
cuidados. Um deles é serem podadas regularmente, a fim de produzirem azeitona
duas vezes por ano. Ora, os galhos cortados são uma bênção para os artesãos de
Belém. Todavia, eles estão a abrir-se a outras artes artesanais, como bordados,
materiais reciclados, sabão de azeite, madrepérola e metais preciosos. Então,
surgem, ao lado das figuras de madeira – dos presépios e das estátuas com cenas
de Jesus Cristo e da Virgem Maria – outras recriações em vidro reciclado, e
jóias, anéis e pulseiras de prata.
Perpetuar a memória
A Basílica da
Natividade é uma das mais antigas igrejas no mundo onde os católicos ainda se
reúnem para o culto. A presença cristã em Belém tem sido constante nos dois mil
anos de Cristianismo. Atualmente, eles precisam de ajuda para manter-se ali. Os
artesãos de Belém orgulham-se de ver peças suas dispersas pelo mundo.
Se o mundo tem
medo de ir à terra onde Jesus nasceu, por razões de segurança, e se muitos não
têm a sorte de poder estar com ‘embaixadores’
deles, como Nicolas, há sempre a hipótese de adquirir peças pela Internet. A Bethlehem Fair Trade Artisans (BFTA),
que reúne dezenas de fábricas, é uma opção : www.bethlehemfairtrade.org.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuuAulZlkyfncqLMKA
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