Este artigo foi gentilmente cedido por Dom João Evangelista Kovas, OSB,
monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo.
No início desse mês de
junho celebramos duas solenidades importantes da Igreja: Corpus Christi e Sagrado Coração de Jesus. Apesar de celebrarem
aspectos diferentes do mistério de nossa salvação a partir de Jesus, elas se
aproximam muito quanto ao seu significado, sobretudo no que diz respeito até
onde vai o amor de Deus por nós.
A primeira solenidade celebra
a memória da Eucaristia, do pão e do vinho transformados em carne e sangue de
Cristo, os quais nos são dados como “verdadeira comida e verdadeira bebida”.
(Jo 6,55). Corpus Christi significa
em latim o corpo de Cristo, ou seja, a sua humanidade. Deus vem ao mundo e
assume a natureza humana, a fim de manifestar para nós o mistério do amor de
Deus por nós. Doravante, com a encarnação do Filho de Deus, tudo o que é divino
se expressa em Jesus, ou seja, se expressa em termos humanos e a partir de uma
vida humana. Assim, nada do que é divino está escondido para o ser humano.
Podemos ainda não entender tudo o que isso significa, mas Deus já nos visitou e
nos deu provas concretas de que deseja travar conosco um diálogo, fazer de nós
seus interlocutores. Quando Jesus dá a sua carne como comida e o seu sangue
como bebida, ele partilha conosco sua humanidade santificada e com ela a sua
vida divina. É como se nos dissesse que não há nada, absolutamente nada, nem
mesmo sua carne e seu sangue, que não tenha partilhado conosco. Ele se entrega
inteiramente por amor a cada uma de nós. Com isso, somos depositários também de
sua vida divina.
Vejam que grande
mistério. Deus se aproxima da humildade de nossa condição para nos conceder
algo infinitamente maior do que somos. Não há mérito algum da nossa parte que
nos mereça tão grande dádiva. Pelo contrário, nossos pecados são prova de que somos
ingratos a Deus, apesar de tudo o que Ele já nos concede. Mesmo assim ele está
disposto a perdoar todos os nossos pecados e toda nossa indiferença em relação
a Ele, se aceitamos de coração sincero receber tão excelsa dádiva.
O mistério da encarnação
de Deus é sem dúvida o mistério mais enigmático do cristianismo, depois do
mistério da Santíssima Trindade. É oportuno lembrar que nele o que está em
questão não é tanto uma discussão a respeito da comunhão da natureza humana e
da natureza divina na pessoa de Jesus, ainda que sem dúvida sejam questões
importantes para nós. O ponto central do mistério é o amor de Deus irrestrito.
Na Solenidade do Sagrado
Coração de Jesus, a segunda solenidade celebrada no início do mês, também
apresenta o amor de Deus como seu ponto central. Aqui é enfocado o amor de Deus
que é expresso na humanidade de Jesus. Deus se encarnou, com isso ele adquiriu
um coração. Portanto, o amor divino é agora expresso humanamente. O Sagrado
Coração de Jesus é o coração de Jesus que arde de um amor ao mesmo tempo humano
(coração) e divino (sagrado). “Deus é amor” (cf. IJo 4,8); quando ele se
encarna, ama até o fim humanamente. O amor humano de Jesus é um amor capaz de
salvar toda humanidade, porque tudo o que era divino em Jesus é também humano.
No Antigo Testamento,
encontramos muitas passagens que fala do coração de Deus, fala até de um amor
ciumento por Israel a quem Deus escolheu dentre todas as nações. Em Jesus, o
que poderia ser apenas uma metáfora – pois Deus que está acima dos céus e é o
criador de todas as coisas, ele mesmo não tem um coração –, em Jesus, Deus
adquiriu um coração e com ele amou a todos até o fim. A encarnação de Jesus fez
da metáfora do Antigo Testamento sua realização mais crua e concreta.
Esse profundo mistério a
Igreja pode entender ao longo de sua história. Isso confirma para nós homens e
mulheres de Igreja a promessa que enviaria o Espírito Santo, a fim de nos
ensinar todas as coisas. Mas, há também um fato histórico que nos confirma tudo
isso de modo bastante ilustrativo: o milagre de Lanciano. Nessa pequena aldeia
italiana, no século VIII, a insistente descrença de um sacerdote na Eucaristia foi
ocasião de um milagre até hoje constatável a olhos vistos para nós. Durante uma
celebração da missa a Eucaristia adquiriu as notas sensíveis de carne e sangue
humanos, o que de fato são a Eucaristia. Recentemente, em 1970, o material foi
submetido à pesquisa com autorização do Vaticano. Constatou-se que se tratava
de um tecido cardíaco vivo do miocárdio. Jesus quando dá de seu corpo como
comunhão para os homens, dá de seu coração.
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