quarta-feira, 6 de junho de 2012

O corpo de Cristo tem também um coração


Este artigo foi gentilmente cedido por Dom João Evangelista Kovas, OSB,
monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo.


No início desse mês de junho celebramos duas solenidades importantes da Igreja: Corpus Christi e Sagrado Coração de Jesus. Apesar de celebrarem aspectos diferentes do mistério de nossa salvação a partir de Jesus, elas se aproximam muito quanto ao seu significado, sobretudo no que diz respeito até onde vai o amor de Deus por nós.

A primeira solenidade celebra a memória da Eucaristia, do pão e do vinho transformados em carne e sangue de Cristo, os quais nos são dados como “verdadeira comida e verdadeira bebida”. (Jo 6,55). Corpus Christi significa em latim o corpo de Cristo, ou seja, a sua humanidade. Deus vem ao mundo e assume a natureza humana, a fim de manifestar para nós o mistério do amor de Deus por nós. Doravante, com a encarnação do Filho de Deus, tudo o que é divino se expressa em Jesus, ou seja, se expressa em termos humanos e a partir de uma vida humana. Assim, nada do que é divino está escondido para o ser humano. Podemos ainda não entender tudo o que isso significa, mas Deus já nos visitou e nos deu provas concretas de que deseja travar conosco um diálogo, fazer de nós seus interlocutores. Quando Jesus dá a sua carne como comida e o seu sangue como bebida, ele partilha conosco sua humanidade santificada e com ela a sua vida divina. É como se nos dissesse que não há nada, absolutamente nada, nem mesmo sua carne e seu sangue, que não tenha partilhado conosco. Ele se entrega inteiramente por amor a cada uma de nós. Com isso, somos depositários também de sua vida divina.

Vejam que grande mistério. Deus se aproxima da humildade de nossa condição para nos conceder algo infinitamente maior do que somos. Não há mérito algum da nossa parte que nos mereça tão grande dádiva. Pelo contrário, nossos pecados são prova de que somos ingratos a Deus, apesar de tudo o que Ele já nos concede. Mesmo assim ele está disposto a perdoar todos os nossos pecados e toda nossa indiferença em relação a Ele, se aceitamos de coração sincero receber tão excelsa dádiva.

O mistério da encarnação de Deus é sem dúvida o mistério mais enigmático do cristianismo, depois do mistério da Santíssima Trindade. É oportuno lembrar que nele o que está em questão não é tanto uma discussão a respeito da comunhão da natureza humana e da natureza divina na pessoa de Jesus, ainda que sem dúvida sejam questões importantes para nós. O ponto central do mistério é o amor de Deus irrestrito.

  
Na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, a segunda solenidade celebrada no início do mês, também apresenta o amor de Deus como seu ponto central. Aqui é enfocado o amor de Deus que é expresso na humanidade de Jesus. Deus se encarnou, com isso ele adquiriu um coração. Portanto, o amor divino é agora expresso humanamente. O Sagrado Coração de Jesus é o coração de Jesus que arde de um amor ao mesmo tempo humano (coração) e divino (sagrado). “Deus é amor” (cf. IJo 4,8); quando ele se encarna, ama até o fim humanamente. O amor humano de Jesus é um amor capaz de salvar toda humanidade, porque tudo o que era divino em Jesus é também humano.

No Antigo Testamento, encontramos muitas passagens que fala do coração de Deus, fala até de um amor ciumento por Israel a quem Deus escolheu dentre todas as nações. Em Jesus, o que poderia ser apenas uma metáfora – pois Deus que está acima dos céus e é o criador de todas as coisas, ele mesmo não tem um coração –, em Jesus, Deus adquiriu um coração e com ele amou a todos até o fim. A encarnação de Jesus fez da metáfora do Antigo Testamento sua realização mais crua e concreta.

Esse profundo mistério a Igreja pode entender ao longo de sua história. Isso confirma para nós homens e mulheres de Igreja a promessa que enviaria o Espírito Santo, a fim de nos ensinar todas as coisas. Mas, há também um fato histórico que nos confirma tudo isso de modo bastante ilustrativo: o milagre de Lanciano. Nessa pequena aldeia italiana, no século VIII, a insistente descrença de um sacerdote na Eucaristia foi ocasião de um milagre até hoje constatável a olhos vistos para nós. Durante uma celebração da missa a Eucaristia adquiriu as notas sensíveis de carne e sangue humanos, o que de fato são a Eucaristia. Recentemente, em 1970, o material foi submetido à pesquisa com autorização do Vaticano. Constatou-se que se tratava de um tecido cardíaco vivo do miocárdio. Jesus quando dá de seu corpo como comunhão para os homens, dá de seu coração.



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