PERORAÇÃO
Na sexta e última etapa do sermão, o Padre António Vieira
faz uso de um desfecho marcante para impactar os ouvintes, na esperança de que eles
pratiquem os bons ensinamentos :
v
Acentua que a irracionalidade, a
inconsciência e o instinto dos peixes são melhores do que a racionalidade, o
livre arbítrio, o entendimento e a vontade própria do homem
v
Relata que os peixes e os homens nunca chegarão
ao sacrifício final, uma vez que os peixes já vão mortos e os homens vão mortos
de espírito
v
Na bíblia, ao citar determinados
animais escolhidos para sacrifício, Deus exclui os peixes, pela impossibilidade
de chegarem vivos ao altar da imolação; afinal, Ele não quer seres mortos para
enaltece-lo
v
A repetição
de ‘Louvai’ e ‘Deus’ cria uma atmosfera sonora cada vez mais intensa, apontando
para a finalidade da prédica : louvar o Altíssimo.
Nosso missionário
almeja que os homens imitem os peixes, convertam-se, guardem obediência e
respeito ao Senhor.
Utiliza o hino
Benedicite para finalizar o sermão
num tom festivo, próprio à comemoração de Santo António, cuja festa 'corria solta' em 1654.
Capítulo VI
‘Com
esta última advertência vos despido (216),
ou me despido de vós, meus Peixes. E para que vades consolados do Sermão, que
não sei quando ouvireis outro, quero-vos aliviar de uma desconsolação mui
antiga, com que todos ficastes desde o tempo em que se publicou o Levítico (217). Na Lei Eclesiástica ou
Ritual do Levítico, escolheu Deus certos animais, que lhe haviam de ser
sacrificados; mas todos eles ou animais terrestres ou aves, ficando os peixes
totalmente excluídos dos sacrifícios. E quem duvida que esta exclusão tão
universal era digna de grande desconsolação e sentimento para todos os
habitadores de um elemento tão nobre, que mereceu dar a matéria (218) ao primeiro Sacramento (219)? O motivo principal de serem
excluídos os peixes, foi porque os outrosanimais podiam ir vivos ao sacrifício,
e os peixes geralmente não, senão mortos; a cousa morta não quer Deus que se
lhe ofereça, nem chegue aos seus Altares. Também este ponto era mui importante
e necessário aos homens, se eu lhes pregara a eles. Oh quantas Almas chegam
àquele Altar mortas, porque chegam e não têm horror de chegar, estando em
pecado mortal! Peixes, dai muitas graças a Deus de vos livrar deste perigo,
porque melhor é não chegar ao Sacrifício, que chegar morto. Os outros animais
ofereçam a Deus o ser sacrificados; vós oferecei-lhe o não chegar ao
sacrifício; os outros sacrifiquem a Deus o sangue e a vida; vós sacrificai-lhe
o respeito e a reverência.
Ah peixes, quantas invejas vos tenho a essa
natural irregularidade! Quanto melhor me fora não tomar a Deus nas mãos, que
tomá-lo tão indignamente! Em tudo o que vos excedo, peixes, vos reconheço
muitas vantagens. A vossa bruteza é melhor que a minha razão e o vosso instinto
melhor que o meu alvedrio. Eu falo, mas vós não ofendeis a Deus com as
palavras; eu lembro-me, mas vós não ofendeis a Deus com a memória; eu discorro,
mas vós não ofendeis a Deus com o entendimento; eu quero, mas vós não ofendeis
a Deus com a vontade. Vós fostes criados por Deus, para servir ao homem, e
conseguis o fim para que fostes criados; a mim criou-me para o servir a ele, e
eu não consigo o fim para que me criou. Vós não haveis de ver a Deus, e
podereis aparecer diante dele muito confiadamente, porque o não ofendestes; eu
espero que o hei-de ver, mas com que rosto hei-de aparecer diante do seu divino
acatamento, se não cesso de o ofender? Ah que quase estou por dizer que me fora
melhor ser como vós, pois de um homem que tinha as minhas mesmas obrigações,
disse a Suma Verdade (220), que
melhor lhe fora não nascer ou não nascer homem: Si natus non fuisset homo
ille. E pois os que nascemos homens, respondemos tão mal às obrigações de
nosso nascimento, contentai-vos, Peixes, e dai muitas graças a Deus pelo vosso.
Benedicite, cete, et omnia quae moventur in aquis Domino: Louvai, Peixes, a Deus, os grandes e os pequenos, e repartidos em dois coros tão inumeráveis, louvai-o todos uniformemente. Louvai a Deus, porque vos criou em tanto número. Louvai a Deus, que vos distinguiu em tantas espécies; louvai a Deus, que vos vestiu de tanta variedade e formosura; louvai a Deus, que vos habilitou de todos os instrumentos necessários para a vida; louvai a Deus, que vos deu um elemento tão largo e tão puro; louvai a Deus, que, vindo a este mundo, viveu entre nós, e chamou para si aqueles que convosco e de vós viviam; louvai a Deus, que vos sustenta; louvai a Deus, que vos conserva; louvai a Deus, que vos multiplica; louvai a Deus, enfim, servindo e sustentando ao homem, que é o fim para que vos criou; e assim como no princípio vos deu sua benção, vo-la dê também agora. Amen. Como não sois capazes de Glória, nem de Graça, não acaba o vosso Sermão em Graça e Glória.’
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(216) O mesmo que despeço, forma que já então
existia.
(217) Livro da Bíblia, cuja finalidade é regular o culto entre os hebreus. O nome vem do fato de ter sido a tribo de Levi a escolhida para o serviço litúrgico. O primeiro livro do Levítico pode considerar-se um ritual dos sacrifícios.
(218) Água.
(219) O sacramento do batismo, que é realizado com o “elemento” água.
(220) Deus.
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