Este artigo foi gentilmente cedido por Dom João Evangelista Kovas, OSB,
monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo.
De fato, ao longo do ano, as obrigações da vida nos consomem, a ponto de pensarmos se somos nós que vivemos em função delas ou, antes, são elas que devem servir ao propósito de contribuir para que tenhamos uma vida boa. Parar para refletir sobre nossa salvação, sobre a Palavra que o Senhor dirige para nós, parece um luxo que não podemos nos dedicar muito a ele. Somos obrigados a dar toda a nossa atenção para os acontecimentos correntes da vida. E, na maioria das vezes, deixamos mesmo de pensar sobre o significado de nossa vida.
Deus não nos revelou sua presença viva no mundo, em benefício de seus filhos, para que nos esqueçamos dele e de nosso destino eterno. Não fomos abandonados nesse mundo, para que ficássemos todos entretidos e fustigados apenas com a ordem desse mundo. A revelação de Deus é um alento para a nossa alma de que necessitamos tanto. A graça de Deus e a sua justiça são verdadeiro respiro da alma, que vive nesse mundo com um anseio irrefreável de viver na presença de Deus e amá-lo de todo coração.
Por isso, a Igreja na sua diligência para com as coisas do Senhor institui o Tempo da Quaresma. Um tempo de sobriedade para os cristãos, que deixam de se entreter exclusivamente com as coisas do mundo, para se voltar para Deus, para cuidar daquilo que é mais caro para nós, ainda que no correr do dia-a-dia temos a tendência de nos esquecermos. Esse é, sobretudo, o sentido da conversão, proposto nesse tempo especial, no qual somos levados a acreditar sempre mais na Palavra Daquele que não se esqueceu de nós e está sempre presente.
O Tempo da Quaresma é também um tempo de penitência. Aliás, a penitência e a conversão estão intimamente ligadas entre si. A conversão é algo mais amplo do que a penitência. Ela significa toda nossa volta para o Senhor, o qual nos convida a nos achegarmos a ele e conhecê-lo sempre mais. Por isso, ela é antes motivo de satisfação e contentamento. A penitência é um capítulo dessa volta.
O fato é que nosso afastamento de Deus é causa em nós de muito sofrimento e mesmo motivo pelo qual causamos sofrimento para outras pessoas, inclusive àquelas que estão ou estiveram mais próximas de nós. Esse testemunho do mal que carregamos é ainda mais doloroso e mesmo sem cura, quando não encontramos o caminho do perdão.
A Palavra de Deus não nos quer condenar a esse tipo de vida. Por isso, o Senhor veio para nos salvar e prometeu uma vida em abundância: uma vida verdadeira, que não pode coexistir com a mentira e com a dureza de um coração de quem insiste em não reconhecer as próprias faltas e refugia-se no esquecimento.
Muito do esquecimento de Deus que encontramos nesse mundo faz parte de uma tentativa frustrada de esquecer o mal que se cometeu. Não é preciso dizer que, no fun do, nunca nos esquecemos desse mal. Se a mente se esquece, cedo ou tarde, o corpo nos lembra.
Se o capítulo da penitência pode parecer muito duro para nós, ele, no entanto, esconde toda alegria do regresso para o Senhor. Como Jesus mesmo nos disse, ele não veio para condenar o mundo, mas para salvá-lo. O mundo pode recusar, de início, o perdão oferecido pelo Senhor, mediante o reconhecimento das próprias faltas. Porém, a fé nos recorda que seu perdão restaura nossas forças, nos ajuda a retomar o caminho do bem e da verdade e nos garante o prêmio para nós imerecido da vida eterna. Se nossos pecados nos afastam das coisas do alto, o perdão nos aproxima do seio caloroso de Deus.
Que os cristãos saibam reconhecer a grandeza desse tempo de perdão e conversão. Trata-se de verdadeiro luxo, ao qual o mundo não se permite ter acesso, pois pensa que não e para si. Mas a Igreja que é Mãe nos apresenta constantemente esse dom que o Senhor nos faz e nos ajuda a esperar com alegria espiritual a celebração da Páscoa do Senhor.
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