Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Gianni Valente
‘O Papa Francisco chamou-o para guiar a antiga sede episcopal de
Ispahan, ereta já em 1629, depois de ter mudado o nome para Arquidiocese
de Teerão-Isfahan dos Latinos. Depois decidiu criá-lo cardeal, no Consistório
de sábado, 7 de dezembro.
Padre Dominique Joseph Mathieu, 61 anos, franciscano conventual, será o
primeiro cardeal titular de uma sé episcopal em solo iraniano. Ele não ostenta ‘títulos’
específicos que de alguma forma o predestinaram para tal posição. Não estudou e
não se preparou toda a vida para assumir aquela singular missão, tão delicada.
No entanto, se agora olhar para trás, tudo se recompõe e se realinha em
sua vida repleta de coisas. No fluxo das recordações, detalhes à primeira vista
secundários aparecem para ele agora como peças-chave do percurso. E cada passo
– confidencia hoje – ‘parece ter-me preparado de alguma forma para a condição
que estou vivendo agora’.
Abadias, mosteiros e terras de fronteiras
Dominique Joseph nasceu em Arlon, na Bélgica francófona, e cresceu na
região flamenga de Bruges, a ‘Veneza do Norte’. Das terras da sua infância e
adolescência recorda também os mosteiros e as grandes abadias, como as de Orval
e Zevenkerken, frequentemente visitadas com a família. E se depara
imediatamente com as modulações invisíveis, linguísticas e culturais, que
também dividem pessoas e classes colocadas pela história para partilhar o mesmo
recanto do mundo.
Aos domingos, em Bruges, Dominique serve na Missa como coroinha até os
20 anos, também na catedral. Participa da Missa diária, junto com alguns amigos
da escola. No início são cerca de dez, e no final dos seus cursos dois. A certa
altura, por falta de participantes, a Missa deixou de ser celebrada. «Eu tinha
13 ou 14 anos», recorda hoje o arcebispo Mathieu, «e fui ao diretor da escola
para perguntar se a celebração diária poderia ser retomada. O sacerdote voltava
propositalmente à tarde, quando as aulas terminavam, para celebrar uma Missa
especialmente para os estudantes. Ele fez isso durante vários anos, e muitas
vezes o único presente na Missa era eu. Quando penso nisso, me toca mesmo
agora. Foi um testemunho muito forte. Agora acontece também comigo de celebrar
sozinho. E então penso naquele padre, que durante muitos anos celebrou Missa
para uma só pessoa, e fez isso por mim. Repito para mim mesmo que nem ele nem
eu celebramos nunca sozinhos, porque a Missa é sempre celebrada em comunhão com
toda a Igreja universal. E esta é a Igreja».
Jesus e as estrelas
Em Bruges, desde muito jovem, o futuro arcebispo de Teerã
entrelaça o seu caminho cristão com a sua paixão pela astronomia. O seu
primeiro telescópio chegou quando ele tinha 12 anos. À noite, perscruta o céu e
as estrelas. «Mas eram como dois paralelos que seguiam separadamente. Até o dia
em que percebi que mesmo perscrutando o espaço estava cheio de estupor e
gratidão pelas maravilhas de Deus.’
Desde que é bispo, o padre Mathieu deixou um pouco de lado a astronomia.
Muito pouco tempo e muito complicado para levar consigo os instrumentos para
observar e fotografar as estrelas. Mas o surpreende o destino de viver hoje na
terra onde os antigos sacerdotes perscrutavam o céu do alto dos Zigurates. E
para os batizados que agora estão com ele, compartilha a sua outra paixão, a
gastronomia, preparando doces e coisas boas para comer.
A Ordem franciscana
«Nasci no dia 13 de junho, dia de Santo Antônio de Pádua», recorda padre
Dominique. E para ele é somente o primeiro sinal com que o Santo de Assis quis
atrair a sua vocação para a grande família dos filhos de São Francisco.
Mosteiros, encontros com histórias e epopeias franciscanas, como a dos Frades
Capuchinhos que em Arlon, sua cidade natal, e em outros lugares escolheram
viver nas colinas para vigiar e dar o alarme em caso de incêndios. No quarto da
casa do avô encontra os livros de um parente distante que foi missionário
capuchinho no Congo.
«Lia com paixão as histórias dos Oblatos de Maria Imaculada no Canadá e
aquelas dos missionários jesuítas na China. Mas o livro que mais me
impressionou foi um livro antigo sobre São Francisco, com páginas amareladas.’
Um padre de origem holandesa envia a ele material informativo sobre o
franciscano conventual Maximiliano Kolbe, martirizado pelos nazistas. Assim, aos
16 anos, Dominique passou a Semana Santa no Convento dos Franciscanos
Conventuais de Lovaina.
São os anos que se seguem ao Concílio Vaticano II, quando também a vida
religiosa está buscando uma nova identidade. Há também tensões e dialéticas
acaloradas. «No refeitório, vi padres discutindo entre si, e isso não me
escandalizou, pelo contrário : significava que estávamos com os pés no chão, e
os padres se mostravam pelo que eram, não querem oferecer de si mesmos e de sua
vida no convento uma imagem adocicada.’
Ao entrar na comunidade, padre Mathieu escolhe precisamente os
franciscanos conventuais. Durante o período de formação passado na Bélgica, não
faltam problemas. Na Flandres de então, havia uma hostilidade crescente em
relação aos flamengos de língua francesa, identificados como uma aristocracia
que no passado tinha feito sofrer os seus outros compatriotas. «Com o tempo -
acrescenta o arcebispo de Teerã - conciliei-me também com aquele período cheio
de tensões, o que me ajudou a tomar consciência da diversidade e também dos
conflitos, sem cultivar preconceitos em relação aos povos e às culturas».
Dominique Joseph é o primogênito e tem duas irmãs. «Os meus pais
diziam-me que estavam felizes com a minha vocação, nunca me bloquearam, mas
repetiam-me : se vires que as coisas não vão bem, lembra-te que podes sempre
voltar para casa. Isso me incomodou um pouco no começo. Então entendi que o
maior sinal do amor deles era justamente deixarem sempre a porta aberta».
Depois do Noviciado na Alemanha, do período de estudos vivido em Roma,
padre Dominique recorda também o tempo passado na prisão Regina Coeli, onde era
capelão o seu confrade Vittorio Trani, há 50 anos grande testemunha da missão
entre os presos. «Havia vários prisioneiros muçulmanos - recorda o arcebispo Mathieu
- e queríamos fazer algo para lhes permitir ter um lugar para rezar na prisão.
Era um problema novo. Encontramos os tapetes e o Alcorão oferecidos pela
Mesquita dos etíopes. Funcionou por algumas semanas, então começaram as
discussões. Na época, quem tinha que administrar logisticamente a iniciativa
não sabia a diferença entre xiitas e sunitas... Voltando à Bélgica, também lá
me interessei pela prática religiosa dos prisioneiros muçulmanos, mas lá o
problema já era enfrentado há algum tempo, tudo já estava rigorosamente
regulamentado e nós, cristãos, não podíamos sequer ter contato com os
muçulmanos para os ajudar. Foi então que fui estudar árabe literário na
Mesquita...’.
A missão em tempos de secularização
Ordenado sacerdote, padre Mathieu regressa à Bélgica e vive mais de 20
anos a conotação missionária da sua vocação religiosa em terras de
secularização, onde se sente fortemente o ‘desmatamento da memória cristã’,
como dizia o cardeal belga Godfried Danneels. Hoje ele recorda : «Há tempos que
não existiam vocações e havia um grande abismo entre mim e a geração anterior.
Naquela situação, eu sabia que nunca receberia incentivo para partir em missão.
A missão era ali».
Trata-se de. aceitar a realidade das coisas. As circunstâncias dadas.
Padre Dominique torna-se Vigário Provincial e depois Provincial, enquanto o
número de frades diminui. Sucedem-se fusões, movimentos e fechamentos de casas
religiosas. Decide-se concentrar os franciscanos conventuais na casa de
Bruxelas, onde têm o convento imerso nos bairros de imigração. Para não fechar
a Província Belga, pede-se o apoio das outras Províncias conventuais da Europa.
«Buscávamos os caminhos em meio às consequências da secularização e da
globalização com que nos deparávamos». Leigos e
leigas agregavam-se em torno ao padre Dominique. Uma comunidade que já então ‘mostrava
ter necessidade da sua liberdade’ para continuar a crescer ao longo do caminho.
A surpresa libanesa
Em 1993, o futuro arcebispo de Teerã viaja ao Líbano para a ordenação
sacerdotal de César Essayan, seu colega de estudos, atual Vigário Apostólico de
Beirute para os católicos de rito latino. Depois da guerra civil, Beirute ainda
está tomada por escombros, com tanques por toda parte. No entanto, ele fica
impressionado com a força de recomeçar das pessoas mais pobres, que
permaneceram no país sofrendo sem poder partir, e com a fé das pessoas que
encontra nos santuários. Dez anos mais tarde, e depois de um longo tempo de
trabalho na Bélgica, a sua vida vira uma nova página, quando se torna disponível
para ir para o País dos Cedros.
«Na minha viagem em 1993 vi que no Líbano havia um potencial de jovens a
serem acompanhados em seu crescimento. Em Beirute, encontrei-me trabalhando em
uma paróquia de língua francesa, onde pude imediatamente envolver-me em
trabalhos pastorais’. No Líbano assumiu também a função de Mestre de Noviços. E
experimenta a alegria de poder retomar os ritmos de vida comunitária, aos quais
teve que renunciar durante os anos de missão na Bélgica.
No Líbano testemunhou as tensões entre o país, em particular o
Hezbollah-Amal, e Israel (‘Via no Bekaa o drone que sempre sobrevoava o país e,
fazendo astronomia, calculei que passava cada minuto e 52 segundos’). Ainda no
Líbano, pela primeira vez soube que nos Palácios Vaticanos começavam a avaliar
a possibilidade de convidar um franciscano para ir como bispo ao Irã.
Um nome para o Irã
Em 2019, o Geral dos Franciscanos Conventuais pede ao padre Mathieu para
retornar a Roma, à Cúria Geral na Basílica dos Santos XII Apóstolos, como
Assistente Geral.
Naqueles anos, depois que diminuiu a presença de religiosos de rito
latino no Irã entre 2015 e 2018, permaneceu sobre a mesa a proposta da Santa Sé
aos Franciscanos Conventuais de indicar um dos frades a serem enviados ao Irã,
até que o Padre Geral dos Conventuais o comunica de ter indicado o seu
nome em resposta ao pedido da Santa Sé. Mas são os primeiros meses da pandemia
de Covid 19 e o padre Dominique Joseph é atingido por uma grave infecção
pulmonar. Hoje ele diz : «Tinha comigo uma relíquia de São Charbel trazida do
Líbano. Disse a mim mesmo : se eu morrer e o Senhor me acolher, não precisarei
mais pensar em tudo isso. Então, em qualquer caso, não sou eu quem decide».
Em vez disso, o padre Joseph Dominique se recupera. Ainda em mau estado,
dirige-se à Congregação para as Igrejas Orientais, onde os superiores lhe
agradecem e lhe dizem que ‘o Santo Padre está muito feliz’ com a sua
disponibilidade para ir ao Irã. «Para dizer a verdade - confidencia hoje o
arcebispo de Teerã–Isfahan - eu não havia comunicado oficialmente qualquer
aceitação da minha parte. Não havia dito sim e não havia dito não. Havia
somente aquele pensamento quando imaginei que poderia morrer, e havia colocado
todas as decisões nas mãos do Senhor».
Fora dos conformismos
Dominique Joseph Mathieu é nomeado arcebispo de Teerã-Isfahan dos
Latinos em 8 de janeiro de 2023. Em sua nova aventura, ele percebe que atrás de
si, a apoiá-o, está a fraternidade dos Franciscanos Conventuais : «Muitas vezes
- reconhece o padre Mathieu - quando se fala de Frades Menores
Conventuais, dá-se maior importância à ‘pequenez’ e à pobreza. Na realidade,
deveríamos também colocar a ênfase na fraternidade. Antes de tudo, somos uma
fraternidade.’ Em Teerã, agora, não há nenhum sacerdote que o auxilie no seu
trabalho pastoral. E diferentemente das Igrejas católicas de outros ritos,
aquela de rito latino não tem nenhum reconhecimento legal nem status jurídico
definido. É também por isso que os encontros com funcionários de departamentos
governamentais podem por vezes tornar-se cansativos.
Para constituir uma associação legalmente reconhecida, são necessários
pelo menos 15 iranianos católicos latinos, e agora os membros da comunidade
católica de rito latino presentes no Irã são principalmente estrangeiros,
funcionários de embaixadas, mulheres provenientes das Filipinas, Coreia e
outros países.
Por isso, hoje, o padre Dominique Joseph faz votos que o cardinalato
recebido seja útil sobretudo para abrir portas e intensificar a sua
consideração por parte dos aparatos iranianos, aumentando as relações e os
contatos também por meio dos canais entre o Irã e a Santa Sé, que sempre
permaneceram abertos após a revolução de Khomeini.
Existe uma continuidade específica na relação entre a República Islâmica
do Irã e a Santa Sé que resiste a todas as campanhas anti-iranianas e à
propaganda desenfreada no Ocidente.
«Ao longo da minha vida - sublinha o arcebispo de Teerã - aprendi a
viver em situações de fronteira, a reconhecer a diversidade e a libertar-me dos
estereótipos e dos clichês no olhar pessoas e povos. Certamente – continua
padre Dominique – a população do Irã é muito acolhedora e percebo que é um país
cheio de contrastes, longe das caricaturas que circulam’.
As portas fechadas podem se abrir
No Irã, os católicos de rito latino são realmente um pequeno rebanho.
Cerca de 2.000 pessoas, das quais pelo menos 1.300 são provenientes das
Filipinas. Pequenas realidades, que abrem questões sobre o sentido e o
horizonte da missão, sobre a escolha de manter uma presença e também uma
diocese naquela situação. O arcebispo de Teerã-Isfahan não hesita. Ele diz :
«Um confrade irmão me contou sobre uma pessoa que antes de se tornar cristã
rezou durante mais de 10 anos diante da porta fechada de uma igreja armênia no
norte do Irã. Rezar diante de uma porta faz entender a importância de estar
ali. Uma porta é uma porta, mesmo que permaneça fechada, e mais cedo ou mais
tarde poderá abrir-se para mostrar o amor de Cristo por todos, com os gestos
mais do que com as palavras, como sugeria São Francisco’.
No entanto, o trabalho ao qual dedicar tempo e energia está todo contido
nas dinâmicas elementares da vida eclesial : as Missas, o catecismo, a
celebração dos sacramentos, as obras de caridade. As mesmas dinâmicas que na
ordinariedade dos dias eram vividas e partilhadas nos mosteiros e beguinários
da Bélgica, entre os quais cresceu o padre Dominique.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2024-12/primeiro-cardeal-ira-franciscano-dominique-joseph-mathieu.html