sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

São Pedro Canísio, Presbítero e Doutor da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
* Artigo de Bento XVI, Papa Emérito
                                                                                                                                                           
            Hoje gostaria de vos falar sobre São Pedro Kanis, Canísio na forma latinizada do seu sobrenome, uma figura muito importante no século XVI católico. Nasceu a 8 de maio de 1521 em Nimega, na Holanda. O seu pai era burgomestre da cidade. Quando era estudante na Universidade de Colonia, frequentou os monges cartuxos de Santa Bárbara, um centro propulsor de vida católica, e outros homens piedosos que cultivavam a espiritualidade da chamada devotio moderna. Entrou na Companhia de Jesus a 8 de maio de 1543 em Mogúncia (Renânia-Palatinado), depois de ter seguido um curso de exercícios espirituais sob a orientação do beato Pedro Favre, Petrus Faber, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio de Loiola. Ordenado sacerdote em junho de 1546 em Colonia, já no ano seguinte, como teólogo do bispo de Augsburgo, o cardeal Otto Truchsess von Waldburg, esteve presente no Concílio de Trento, onde colaborou com dois coirmãos, Diogo Laínez e Afonso Salmerón.
 
            Em 1548, Santo Inácio fez-lhe completar em Roma a formação espiritual e enviou-o depois ao Colégio de Messina para se exercitar em humildes serviços domésticos. Obteve em Bolonha o doutoramento em Teologia a 4 de outubro de 1549 e foi destinado por Santo Inácio ao apostolado na Alemanha. Em 2 de setembro desse ano visitou o Papa Paulo III em Castel Gandolfo e depois foi à  Basílica de São Pedro para rezar. Aí implorou a ajuda dos grandes Santos Apóstolo Pedro e Paulo, que dessem eficácia permanente à bênção apostólica para o seu grande destino, para a sua nova missão. No seu diário, anotou algumas palavras desta prece. Diz : ‘Ali senti que uma grande consolação e a presença da graça me eram concedidas por meio de tais intercessores ( Pedro e Paulo). Eles confirmavam a minha missão na Alemanha e pareciam transmitir-me, como apóstolo da Alemanha, o apoio da sua benevolência. Vós sabeis, Senhor, de quantos modos e quantas vezes nesse mesmo dia me confiastes a Alemanha, pela qual depois eu continuaria a ser solícito, pela qual desejaria viver e morrer.’
 
            Temos de ter presente o fato de que estamos no tempo da Reforma luterana, no momento em que a fé católica nos países de língua germânica, diante do fascínio da Reforma, parecia definhar. Era quase impossível a tarefa de Canísio, encarregado de revitalizar, de renovar a fé católica nos países germânicos. Só era possível em virtude da oração. Só era possível a partir do centro, ou seja, de uma profunda amizade pessoal com Jesus Cristo; amizade com Cristo no Seu Corpo, a Igreja, que se deve nutrir da Eucaristia, Sua presença real.
 
            Continuando a missão recebida de Inácio e do Papa Paulo III, Canísio partiu para a Alemanha e sobretudo para o ducado da Baviera, que por vários anos foi o lugar do seu ministério. Como decano, reitor e vice-chanceler da Universidade de Ingolstadt, cuidou da vida acadêmica da instituição e da reforma religiosa e moral do povo. Em Viena, onde por um breve período foi administrador da diocese, desempenhou o ministério pastoral nos hospitais e nas prisões, tanto na cidade como no campo, e preparou a publicação do seu Catecismo. Em 1556 fundou o Colégio de Praga e, até 1569, foi o primeiro superior da província jesuíta da Alemanha superior.
 
            Nesse ofício, criou nos países germânicos uma densa rede de comunidades da sua ordem, especialmente de colégios, que foram pontos de partida para a reforma católica, para a renovação da fé católica. Nessa época, participou também no diálogo de Worms com os dirigentes protestantes, entre os quais Filipe Melantone (1557); desempenhou a função de núncio pontifício na Poloia (1558); participou nas duas Dietas de Augsburgo (1559 e 1565); acompanhou o cardeal Stanislaw Hozjusz, legado do Papa Pio V junto do imperador Ferdinando (1560); interveio na sessão final do Concílio de Trento, onde falou sobre a questão da comunhão sob as duas espécies e da lista dos livros proibidos (1562).
 
            Em 1580 retirou-se em Friburgo, na Suíça, dedicando-se inteiramente à pregação e à composição das suas obras, e ali faleceu em 21 de dezembro de 1597. Beatificado por Pio IX em 1864, foi proclamado segundo Apóstolo da Alemanha pelo Papa Leão XIII em 1897, e pelo Papa Pio XI canonizado e proclamado doutor da Igreja em 1925.
 
            São Pedro Canísio transcorreu boa parte da sua vida em contato com as pessoas socialmente mais importantes da época e exerceu uma influencia especial com os seus escritos. Foi editor das obras completas de São Cirilo de Alexandria e de São Leão Magno, das cartas de São Jeronimo e das orações de São Nicolau de Flue. Publicou livros de devoção em várias línguas, biografias de alguns santos suíços e muitos textos de homilética. Mas os seus escritos mais divulgados foram os três Catecismos, compostos de 1555 a 1558. O primeiro Catecismo destinava-se aos estudantes capazes de entender noções elementares de teologia; o segundo, aos jovens do povo para uma primeira instrução religiosa; o terceiro, aos jovens com uma formação escolar a nível de escolas secundárias e superiores. A doutrina católica era exposta com perguntas e respostas, brevemente, em termos bíblicos, com muita clareza e sem comentários polêmicos. Só durante a sua vida houve 200 edições deste Catecismo! E sucederam-se centenas de edições até ao século XX. Assim na Alemanha, ainda na geração do meu pai as pessoas chamavam ao Catecismo simplesmente o Canísio : foi deveras o Catequista da Alemanha, formou a fé de pessoas durante séculos.
 
            Eis uma característica de São Pedro Canísio : saber compor harmoniosamente a fidelidade aos princípios dogmáticos com o devido respeito por cada pessoa. São Canísio distinguiu entre a apostasia consciente, culpável, da fé, da perda da fé inculpável, nessas circunstancias. E declarou, em relação a Roma, que a maior parte dos alemães que tinha passado para o Protestantismo não tinha culpa. Num momento histórico de fortes contrastes confessionais, evitava – é algo extraordinário – a aspereza e a retórica da ira – algo raro, como disse, nessa época, nos debates entre os cristão – e visava somente à apresentação das raízes espirituais e à revitalização da fé na Igreja. Para isto serviu o conhecimento vasto e incisivo que ele tinha da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja : o mesmo conhecimento que sustentou a sua relação pessoal com Deus e a espiritualidade austera que lhe derivava da devotio moderna e da mística renana.
 
            É característica para a espiritualidade de São Canísio uma profunda amizade pessoal com Jesus. Por exemplo, a 4 de setembro de 1549 escreve no seu diário, falando com o Senhor : ‘No final Vós, como se me abrisses o coração do Sacratíssimo Corpo, que me parecia ver diante de mim, ordenastes-me para que bebesse daquela nascente, convidando-me por assim dizer a haurir as águas da minha salvação das vossas fontes, ó meu Salvador.’ E depois, vê que o Salvador lhe oferece um indumento com três partes que se chamam paz, amor e perseverança. E com este indumento composto de paz, amor e perseverança, Canísio desempenhou a sua obra de renovação do catolicismo. Esta sua amizade com Jesus – que é o centro da sua personalidade – alimentada pelo amor à Bíblia, pelo amor ao sacramento, pelo amor aos padres, esta amizade estava claramente unida à consciência de ser continuador da missão dos Apóstolos na Igreja. E isto recorda-nos que todo o evangelizador autentico é sempre um instrumento unido, e por isso mesmo fecundo, com Jesus e com a Sua Igreja.
 
            Na amizade com Jesus, São Pedro Canísio formou-se no ambiente espiritual da Cartuxa de Colonia, onde vivera em íntimo contato com dois místicos cartuxos : João Lansperger, latinizado em Lanspergius, e Nicolau van Hesche, latinizado em Eschius. Sucessivamente, aprofundou a experiência daquela amizade, familiaritas stupenda nimis, com a contemplação dos mistérios da vida de Jesus, que ocupam uma boa parte nos exercícios espirituais de Santo Inácio. A sua intensa devoção ao Coração do Senhor, que culminou na consagração ao ministério apostólico na Basílica Vaticana, encontra aqui o seu fundamento.
 
            Na espiritualidade cristocêntrica de São Pedro Canísio arraiga-se uma profunda convicção : não há alma solícita da própria perfeição que não pratique todos os dias a oração, prece mental, meio comum que permite ao discípulo de Jesus viver a intimidade com o Mestre divino. Por isso, nos escritos destinados à educação espiritual do povo, o nosso santo insiste sobre a importância da Liturgia com os seus comentários aos evangelhos, às festas, ao rito da Santa Missa e dos outros sacramentos, mas ao mesmo tempo preocupa-se em mostrar aos fiéis a necessidade e a beleza que a oração pessoal diária acompanhe e impregne a participação no culto público da Igreja.
 
            Trata-se de uma exortação e de um método que conservam intacto o seu valor, especialmente depois de serem repropostos de modo autorizado pelo Concílio Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum Concilium : a vida cristã não cresce se não for alimentada pela participação na Liturgia, de modo particular na Santa Missa dominical, e pela oração individual quotidiana, pelo contato pessoal com Deus. No meio das mil atividades e dos múltiplos estímulos que nos circundam, é preciso encontrar todos os dias momentos de recolhimento diante do Senhor, para O ouvir e falar com Ele.       
    
            Ao mesmo tempo, é sempre atual e de valor permanente o exemplo que São Pedro Canísio nos deixou, não somente nas suas obras, mas sobretudo com a sua vida. Ele ensina com clareza que o ministério apostólico só é incisivo e produz frutos de salvação nos corações se o pregador for testemunha pessoal de Jesus e souber ser instrumento à Sua disposição, unido intimamente a Ele pela fé no Seu Evangelho e na Sua Igreja, por uma vida moralmente coerente e por uma prece incessante como o amor. E isto é válido para cada cristão que quiser viver com empenhamento e fidelidade a sua adesão a Cristo. Obrigado! 

(9 de fevereiro de 2011)

 Fonte :
* Bento XVI, Santos e Doutores da Igreja (catequeses condensadas), Lisboa, Paulus Editora, 2012.  

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